Por Ethan Siegel
Publicado no Medium
“Quando você vê o quão frágil e delicada a vida pode ser, todo o resto desaparece no fundo.”
– Jenna Morasca
Há setenta anos, nós demos fascinantes passos adiante na nossa concepção do Universo. Ao invés de viver em um universo governado por espaço e tempo absolutos, nós vivemos em um onde o espaço e o tempo são relativos, dependendo do observador. Nós já não vivemos em um universo newtoniano, mas, sim, em um regido pela relatividade geral, onde a matéria e a energia fazem o tecido do espaço-tempo se curvar em si mesmo.
E graças às observações do Hubble e outros, nós aprendemos que o nosso Universo não era estático, e sim estava se expandindo, com as galáxias ficando cada vez mais e mais afastadas ao longo do tempo.
Mas em 1945, George Gamow fez talvez o maior avanço de todos: o grande salto para trás. Se o Universo estava se expandindo hoje em dia, com todos os objetos não ligados se afastando uns dos outros, então talvez isso significasse que todos os objetos estavam mais juntos no passado. Talvez o Universo em que vivemos hoje evoluiu a partir de um estado mais denso. Talvez a gravidade tenha mantido o Universo agrupado em um conjunto ao longo do tempo, embora ele fosse mais regular e uniforme num passado distante. E talvez – uma vez que a energia de radiação está ligada a seu comprimento de onda – a radiação fosse mais energética no passado, e, portanto, o Universo era mais quente.
E se esse fosse o caso, ele levantou um conjunto muito interessante de eventos a medida que olhamos mais longe de volta ao passado:
- Houve um tempo antes das grandes galáxias se formarem onde apenas pequenas proto-galáxias e aglomerados estelares existiam.
- Antes disso, houve um tempo antes do colapso gravitacional formar quaisquer estrelas, e tudo era escuro: apenas átomos primordiais e radiação de baixa energia.
- Antes disso, a radiação era tão energética que poderia arrancar os elétrons dos seus próprios átomos, criando um plasma ionizado de alta energia.
- Mesmo antes disso, a radiação atingiu níveis que até mesmo núcleos atômicos seriam destruídos, criando prótons e nêutrons livres, e proibindo a existência de elementos pesados.
- E, finalmente, nos tempos mais remotos, a radiação teria tanta energia que – através do E=mc2 de Einstein – pares de matéria-e-antimatéria poderiam ser espontaneamente criados.
Esta imagem é parte do que é conhecido como o Big Bang quente, e mostra uma enorme quantidade de previsões.
Cada uma destas previsões, como a expansão uniforme do universo cuja taxa de expansão era mais rápida no passado, uma previsão sólida para a abundância relativa dos elementos leves hidrogênio, hélio-4, deutério, hélio-3 e lítio, a estrutura e propriedades de aglomerados de galáxias e filamentos em escalas maiores, e a existência do brilho restante do Big Bang – a radiação cósmica de fundo – foram confirmadas ao longo do tempo. Foi a descoberta desse brilho restante em meados da década de 1960, de fato, que levou à aceitação esmagadora do Big Bang, e descartou todas as outras alternativas por não serem viáveis.
Mas havia outra previsão da qual não falamos muito, porque pensava-se que não podia ser testada. Veja, os fótons – ou quanta de luz – não são a única forma de radiação neste Universo. Voltando para quando todas as partículas estavam voando por aí a energias tremendas, colidindo uma na outra, criando e aniquilando a esmo, um outro tipo de partícula (e antipartícula) também foi criado em grande abundância: o neutrino. Hipotetizados em 1930, para explicar a energia desaparecida em alguns decaimentos radioativos, os neutrinos (e antineutrinos) foram detectados pela primeira vez na década de 1950 em torno de reatores nucleares, e mais tarde vindos do Sol, de supernovas e de outras fontes cósmicas.
Mas os neutrinos são notoriamente difíceis de detectar, e eles são cada vez mais difíceis de detectar a medida que suas energias se tornam mais baixas. Isso é um problema.
Veja, a radiação cósmica de fundo (CMB) tem apenas 2,725K, menos de 3 graus acima do zero absoluto. Mesmo que isso tenha sido tremendamente energético no passado, o Universo se expandiu tanto nesses 13,8 bilhões de anos de história que isso é tudo que restou hoje em dia. Para os neutrinos o problema é ainda pior: por eles terem parado de interagir com todas as outras partículas no Universo apenas um segundo depois do Big Bang, eles tem um taxa de energia por partícula muito menor que a do fóton, e assim como os pares elétron/pósitron, eles ainda estão por aí. Como resultado, o Big Bang faz uma previsão muito explícita:
- Deve haver um fundo cósmico de neutrinos (CNB), que tem exatamente (4/11)(1/3) da temperatura da radiação cósmica de fundo (CMB).
Isso coloca o CNB perto dos 1,95K e sua energia por partícula na faixa aproximada dos 100-200 micro-eV. Esta é uma tarefa difícil para nossos detectores porque o neutrino com a mais baixa energia que já detectamos estava na faixa dos mega-eV.
Por um longo tempo, pensava-se que o CNB seria simplesmente uma previsão não-testável do Big Bang: péssimo para todos nós. No entanto, com as nossas incríveis observações precisas das flutuações no fundo de fótons (CMB), havia uma chance. Graças ao satélite Planck, que medimos as imperfeições no brilho restante do Big Bang.
Inicialmente, estas flutuações tinham a mesma força em todas as escalas, mas graças à interação com a matéria normal, com a matéria escura e com os fótons, existem “picos” e “vales” nestas flutuações. As posições e os níveis desses picos e depressões nos diz informações importantes sobre o teor da matéria, a radiação, a densidade de matéria escura e curvatura espacial do Universo, incluindo a densidade da energia escura.
Há também um efeito muito sutil: os neutrinos, que só constituem uma pequena percentagem da densidade de energia nesses primeiros tempos, podem mudar sutilmente as fases desses picos e depressões. Esta mudança de fase – se for detectável – proporcionaria não só uma forte evidência da existência do fundo cósmico de neutrinos, mas nos permitiria medir sua temperatura, colocando o Big Bang em teste de uma nova forma.
No mês passado, um artigo de Brent Follin, Lloyd Knox, Marius Millea e Zhen Pan foi publicado, detectando esta mudança de fase pela primeira vez. A partir dos dados publicamente disponíveis do Planck (2013), eles foram capazes não só de detectar os neutrinos definitivamente, mas também foram capazes de usar esses dados para confirmar que existem três tipos de neutrinos – elétron, múon e tau – no universo: nem mais nem menos.
O que é incrivelmente promissor sobre isso é que uma mudança de fase foi vista, e que, quando o espectro de polarização do Planck sair e tornar-se acessível ao público, eles não só nos permitirá restringir o deslocamento de fase ainda mais, mas – conforme anunciado pelo cientista Martin White do Planck na reunião AAS em janeiro deste ano – vai finalmente permitir-nos determinar qual é a temperatura deste fundo cósmico de neutrinos!
Este fundo de neutrinos está definitivamente lá; os dados da flutuação nos diz que isso deve ser assim. Ele definitivamente tem os efeitos que sabemos que ele deve ter; esta mudança de fase é um novo achado, detectado pela primeira vez neste trabalho. E assim que a equipe do Planck liberar seus dados/espectros completos da polarização, nós vamos ser capazes de determinar – finalmente – se a imagem padrão do Big Bang está certo dessa forma final: em termos de sua temperatura.
Dois graus acima do zero absoluto nunca foi tão quente.