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Falseabilidade da Teoria de Cordas

Se você é seguidor do Universo Racionalista deve ter visto algumas vezes questionamentos sobre se a teoria de cordas é falseável ou não. Antes de qualquer coisa quero avisar que neste artigo vou procurar chamar atenção mais para dentro da própria ciência, ir além do problema de demarcação, solucionado por Popper, e discutir um pouco sobre a comparação de modelos, ou teorias. Há muito material para leigos na internet sobre o problema de demarcação e muito pouco sobre sobre comparação entre modelos.

A teoria de cordas surgiu como uma tentativa para explicar a chamada força forte, a interação responsável por manter a coesão do núcleo atômico. Mas com o tempo demonstrou ser muito poderosa e com ela seria possível descrever as demais interações, inclusive a gravitação, sendo possível unificar todas as interações, sonho de diversos físicos como Einstein e Hawking. Que maravilha! Então está tudo resolvido! Calma lá amiguinho, primeiro temos que esclarecer umas coisas. Uma teoria que passou por diversos testes e é aceita pela grande maioria da comunidade científica não pode ser descartada, no nosso caso estaríamos descartando duas teorias. O modelo padrão de física de partículas (Stardard Model – SM), que descreve as interações sub-atômicas, e a Relatividade Geral (General Relativity – GR), que descreve a gravitação. Essas teorias descrevem muito bem diversos fenômenos físicos e nós fornecem resultados práticos. Vocês já devem ter ouvido a história de que nosso GPSs só funcionam bem graças à GR. Pois é, é por aí.

Para deixar a coisa mais clara vamos nos aproximar da realidade de todos nós, a realidade de que somos no mínimo obrigados a estudar as leis de Newton na escola. Não é difícil ouvirmos as seguintes afirmações equivocadas “Einstein provou que Newton estava errado”, “A relatividade especial derrubou a mecânica de Newton” e estão todas erradas. A mecânica de Newton não está errada, ela descreve muito bem os fenômenos dos quais estamos habituados. Um engenheiro civil não precisa invocar a Relatividade Especial (Special Relativity – ER) para projetar um prédio e nem mesmo os técnicos da Supervia fariam o mesmo para calcular o tempo que um trem duraria para fazer o trajeto Santa Cruz – Central do Brasil, se você não entendeu significa que você não tem o prazer de morar na cidade maravilhosa e nem mesmo o desprazer de usar os trens da Supervia.

Esses fenômenos são muito bem explicados pela mecânica de Newton e não há motivos para jogarmos essa teoria fora. Mas ela não é capaz de explicar outros fenômenos, fenômenos relacionados ao eletromagnetismo que não cabem ser explicados nesse momento. Foi necessário, então, criar uma nova teoria que resolvesse esse problema e assim surgiu a ER que tinha o objetivo de ser uma nova mecânica que explique esses novos fenômenos e que englobe a mecânica de Newton e não substitui-la, afinal, é uma teoria muito bem sucedida. Nesse caso temos que as equações da ER precisam ser iguais às da mecânica newtoniana quando os corpos se movem com velocidade muito menor do que a velocidade da luz.

Neste sentido uma teoria na física não surge para derrubar as anteriores mas sim para generalizá-las. E isso ocorreu diversas vezes na história. No século passado passado surgiu além da ER, a RG que, pelos mesmos motivos descritos anteriormente, foi construída de tal maneira a ter suas equações iguais às da gravitação Newtoniana nos casos onde o campo gravitacional é fraco. A mecânica quântica, que descreve objetos de caráter dual, são ao mesmo tempo partícula e onda, logo precisa englobar outras teorias, como a ótica geométrica e a ótica ondulatória, em momentos em que essa dualidade não seja relevante. E assim por diante…

Agora vamos à falseabilidade. O que significa dizer que uma teoria é falseável? Significa que ela pode ser testada, ela nos dá previsões que podem ser observadas, ou não, na natureza e até mesmo reproduzidas em laboratório. Em outras palavras, nós devemos ser capazes de dizer se é verdade ou não. Disso vocês já estão carecas de saber, se não, há vários artigos neste site sobre o assunto. Então não vou perder mais o meu tempo escrevendo o que é falseabilidade, vocês já sabem o que é.

Agora vocês vão se espantar se eu disse que todas, mas TODAS, as teorias da física, que são construídas da forma descrita anteriormente, são falseáveis? E vou além, não só são falseáveis mas também já automaticamente validadas? Estranho? Sim, mas faz muito sentido e vocês já vão entender por quê.

Vamos voltar no tempo a um momento da história antes de Newton. Naquela época haviam duas teorias que explicavam alguns fenômenos observados. A primeiro era sobre a queda livre dos corpos, Galileu observou que todos os corpos em queda livre caem com aceleração constante, igual para todos. E o segundo é a forma das órbitas dos planetas, As leis enunciadas por Kepler mostravam que as órbitas dos planetas eram elípticas e que o quadrado dos períodos são proporcionais aos cubos dos semi-eixos maiores. Ai veio Newton propôs uma teoria que generalizou as duas, a gravitação universal, unificando os dois fenômenos. Passou a ser do entendimento da ciência que tanto a queda livre dos corpos quanto as órbitas dos planetas são na verdade diferentes manifestações do mesmo fenômeno, a gravidade!

Agora vamos parar para pensar. Eu preciso realizar algum experimento para testar a teoria de Newton? Não! Afinal os experimentos já foram feitos por Galileu e Tico Brahe (o astrônomo que forneceu os dados ao Kepler) comprovam a teoria de Newton! Afinal, ela já foi contruida de tal maneira a incluir todos esse fenômenos. Assim como a teoria de Einstein que engloba a gravitação de Newton. O que é necessário verificar, em seguida, é se as novas previsões da teoria serão observadas na natureza. Um exemplo é a GR, uns dos novos efeitos eram o desvio da luz pelo campo gravitacional, observado em 1919 em sobral, e a existencia de ondas gravitacionais, observadas de forma indireta em 1974, Nobel de 1993, e em 2014 através do experimento BICEP.

Verificados os novos efeitos podemos assumir que a nova teoria da gravitação é a GR. Mas se não fossem observados? Qual teoria escolher? Newton ou Einstein? Ambas preveem os mesmos resultados, dentro dessa nova suposição, que são verificados. E agora? Aí nós temos que usar o critério da Navalha de Occam, recebe este nome porquê foi criada pelo frade inglês Guilherme de Occam para resolver o problema de seleção de modelos. Este critério determina que se temos mais de uma teorias científicas concorrentes, descrevem os mesmo fenômenos, devemos escolher sempre a mais simples. Neste sentido a gravitação de Newton seria escolhida.

E quanto a teoria de cordas? Vamos seguir o mesmo raciocício. Está teoria foi construida para generalizar outras teorias? Sim, a RG e o SM. Significa, então, que ela prevê todos os efeitos já previstos pelas RG e SM, logo não só é falseavel mas como já foi testada. Mas então porquê não assumimos que ela é verdadeira pelo menos para os fenomenos que observamos? Por causa da Navalha de Occam. RG+SM são ainda explicações mais simples para toda a física que conhecemos. A teoria de cordas só será aceita quando observarmos fenomenos diferentes que só podem ser explicados por ela.

Falar de falseabilidade e seleção de modelos desta forma parece ser muito vago e confuso. Porém existem ferramentas estatísticas que quantificam tudo isso. Ou seja, existem equações matemáticas que com elas eu sou capaz de dizer “Essas teorias são falseáveis”, “Essa teoria é melhor do que essa.” etc. Mas isso fica para um outro momento.

Marcelo Dos Santos

Marcelo Dos Santos

Quase doutor Física pela UFRJ. Trabalha com cosmologia observacional e simulações computacionais.