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O embuste do pós-modernismo

Por Gabriel Andrade
Publicado na obra El Posmodernismo ¡Vaya Timo!

Nazismo e pós-modernismo

O pós-modernismo deslocou a luta pelas reivindicações sociais dos socialistas do passado e a suplantou pelo intenso desejo de preservar as culturas.

O objetivo da luta pós-moderna não é o capitalismo explorador das classes trabalhadoras, mas da hegemonia cultural da modernidade que, segundo creem, ao difundir seus valores pelo mundo inteiro, atenta seriamente contra a integração das pessoas. Sobre a presunção pós-moderna, à medida em que a cultura (e não a classe social) é a unidade fundamental da identidade das pessoas, quando a modernidade destrói as formas culturais tradicionais, deteriora a integridade das pessoas que liquidam sua identidade nestas culturas.

Assim, o pós-modernismo é obrigado a preservar as culturas locais contra a expansão cultural do Ocidente moderno. Assim, os pós-modernistas fizeram da diversidade uma de suas bandeiras ideológicas mais emblemáticas. Onde o iluminismo tem promovido o universalismo e a unidade da espécie humana, os pós-modernistas têm dado muito mais ênfase na avaliação das diferenças entre os seres humanos e a necessidade de preservar essas diferenças. Na imaginação pós-moderna, o mundo deve ser algo como um grande arco-íris em que todos os tipos de cores se manifestam não só em termos raciais, mas também culturais, ideológicas, sexuais, etc.

Nisto, o pós-modernismo começa a parecer-se com o “racismo científico”. Os promotores deste estavam muito mais interessados em indagar sobre as diferenças entre os seres humanos acima do que os une como espécie. Em suas formas mais deploráveis, o “racismo científico” acabou promovendo a ideia de que não só a espécie humana está fragmentada em grupos raciais com profundas diferenças entre eles, mas também, que assim devem se manter a fim de que cada raça preserve a sua essência biológica. Assim, de acordo com os “racistas científicos”, a “raça branca” europeia é biologicamente diferente da “raça negra” africana, e para que cada uma preserve a sua essência e não se degenere, seria prudente mantê-las separadas. E na medida em que são mantidas separadas, poderia-se conservar a diversidade racial.

Bem, os pós-modernistas não estão longe dessas ideias. Claro que, em vez de utilizar a palavra raça, utilizam a palavra cultura, mas o argumento é essencialmente o mesmo. A humanidade está fragmentada em grupos diferentes, com profundas diferenças entre eles e que a diversidade deve ser preservada. As culturas podem interagir umas com as outras, mas não devem afetar a outra culturalmente, pois só assim poderão-se preservar intactos os antigos costumes e será assegurada a continuidade da identidade cultural.

O espírito do povo

Em seu esforço para preservar as culturas com o avanço da hegemonia cultural ocidental moderna, os pós-modernistas acabam por classificar os indivíduos em seus grupos de origem. A menina muçulmana francesa deve usar o véu na escola, porque uma vez que seus pais são da Argélia, com este gesto ela preserva a cultura de seus ancestrais. Um indígena que estudou a medicina da Bolívia deve incorporar rituais xamânicos para a sua prática profissional, pois assim resgata sua cultura da hegemonia cultural ocidental. A um estudante de história de pele negra dos EUA deve-se ensinar mais dos povos africanos pré-modernos do que os de Grécia e Roma, uma vez que isso permite a forjar a sua identidade e não se aliene de conhecer a história de uma cultura alheia. O menino chamado Dubois de Quebec deve ser educado em francês (mesmo que a sua primeira língua seja o inglês), pois desta maneira resgatará a herança cultural dos francocanadenses. E assim por diante.

À primeira vista, isso parece louvável. Estas políticas permitem que as pessoas “resgatem” o seu legado e não se entreguem como bucha de canhão para a influência cultural do Ocidente. Mas visto com mais rigor, estas propostas são semelhantes ao “racismo científico”. As políticas de identidade, acabam por postular que os indivíduos pertencem à cultura de seus ancestrais, e devem resgatá-las, mesmo que essas mesmas pessoas nunca tenham mostrado esses traços culturais. Na verdade, de acordo com os pós-modernistas, o fato de que o indivíduo jamais tenha mostrado essas características é exatamente uma forma de alienação cultural. A jovem muçulmana que prefere sair sem o véu e usa roupas ocidentais, traiu o seu legado islâmico. O jovem estudante americano de pele negra que prefere conhecer mais sobre Alexandre o Grande ou Júlio César do que Shaka Zulu, sucumbiu à dominação ocidental e alienou-se à cultura de seu amo. O médico boliviano indígena que prefere não usar métodos xamânicos em sua prática profissional, perdeu suas raízes e foi derrotado pela conquista europeia.

Assim, os defensores da política de identidade argumentam que as pessoas devem levar, de alguma forma, os mesmos traços culturais de seus antepassados. Em outras palavras, as características culturais são herdadas, não escolhidas. E não importa o quanto uma pessoa é integrada a uma determinada cultura, que tenha sido alheia aos seus antepassados; essa pessoa vai fazer parte da cultura deles. Assim, as políticas de identidade postulam implicitamente, que traços culturais se inscrevem na biologia e, como vimos, esta é uma ideia típica do “racismo científico”.

Uma garota francesa filha de imigrantes argelinos muçulmanos poderá falar um francês perfeito, defender a todo custo o republicanismo laico, cantar La Marseillaise a pulmão aberto, sentir uma grande paixão por Flaubert e ainda sentir repúdio à poligamia, considerar que o Alcorão é um livro nefasto e achar que o véu é opressivo. Mas, sob os pressupostos da política de identidade, essa menina é acima de tudo da cultura argelina, já que esta é a sua origem. Consequentemente, uma vez que é principalmente da cultura argelina, deve resgatar a herança cultural argelina.

Bem, desta forma, parece que defender a cultura argelina de alguma forma está inscrito na biologia dessa menina. Não importa como se comporte: será sempre da cultura argelina. Essa menina poderá estar muito bem integrada com seus amigos franceses, mas será sempre diferente porque, ao contrário de seus amigos, seus pais são imigrantes e ela é de outra cultura. Assim, como os racistas científicos, os pós-modernistas querem inscrever na biologia diferenças entre os seres humanos. As pessoas herdam a cultura de seus pais, mas isso é de alguma forma transmitido biologicamente, pois até pessoa que não tenha sido criada por seus pais biológicos, é parte de sua cultura.

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Divulgador Científico há mais de 10 anos. Fundador do Universo Racionalista. Consultor em Segurança da Informação e Penetration Tester. Pós-Graduado em Computação Forense, Cybersecurity, Ethical Hacking e Full Stack Java Developer. Endereço do LinkedIn e do meu site pessoal.