Por Owen Jarus
Publicado na Live Science
Dezessete esqueletos decapitados com cerca de 1.700 anos foram descobertos em três cemitérios romanos na Fazenda de Knobb em Cambridgeshire, no Reino Unido.
Os arqueólogos que escavaram o local acham que as pessoas foram executadas por violar as leis romanas. No entanto, acadêmicos não afiliados à pesquisa expressaram opiniões divergentes sobre essa explicação.
Os cemitérios abrigam sepulturas de 52 pessoas, e os 17 corpos decapitados incluem os de nove homens e oito mulheres e todos com mais de 25 anos de idade no momento da morte, relatou uma equipe de pesquisadores em um estudo publicado online em 19 de maio na revista Britannia.
Em muitos casos, as cabeças dos indivíduos decapitados foram enterradas ao lado de seus pés e vasos de cerâmica foram colocados onde suas cabeças normalmente estariam. Alguns dos corpos também foram colocados de bruços (barriga para baixo) em seus túmulos.
Os pesquisadores acreditam que as pessoas decapitadas foram executadas. Eles observaram que o número de crimes capitais no direito romano aumentou dramaticamente durante os séculos III e IV, na época em que esses esqueletos foram enterrados.
Evidências arqueológicas sugerem que os militares romanos usaram a Fazenda de Knobb como centro de abastecimento e teriam lidado com severidade contra qualquer infração, disseram os pesquisadores.
“Durante os séculos III e IV, as penas disponíveis sob a lei romana ficaram cada vez mais severas. O número de crimes que acarretaram a pena de morte cresceu de 14 no início do século III para cerca de 60 com a morte de Constantino em 337 d.C.”, escreveram os pesquisadores no estudo da revista, observando que as preocupações com a segurança foram uma das razões para o aumento da pena de morte.
Durante os séculos III e IV, houve inúmeras guerras civis dentro do Império Romano, com várias pessoas participando de guerras para serem nomeadas imperador. Além disso, os ataques dos chamados “bárbaros” eram uma grande preocupação neste momento.
Apesar da possibilidade de execução, os indivíduos foram enterrados com vasos de cerâmica e, em alguns casos, colocados em caixões.
“Uma mulher decapitada tinha de longe a coleção mais rica de bens mortuários, tendo sido enterrada com dois vasos e um colar de miçanga de carvão canelado”, disse Isabel Lisboa, a arqueóloga que liderou as escavações, à Live Science. O carvão canelado é um tipo de carvão que se acende facilmente.
“Segundo a lei romana, família e amigos podem solicitar a devolução do corpo de um criminoso executado para o enterro”, escreveu a equipe no estudo da revista.
Se essa política fosse o caso, poderia explicar por que os indivíduos executados tiveram permissão para algo próximo a um enterro digno.
As pessoas executadas provavelmente não eram escravas, já que “escravos não tinham status” e provavelmente não teriam recebido sepulturas, muito menos caixões e túmulos, disse Lisboa.
A Live Science contatou vários estudiosos não envolvidos na pesquisa para obter suas opiniões sobre a descoberta. Muitos não responderam no momento da publicação; mas os poucos estudiosos que responderam expressaram ceticismo de que a lei romana tinha muito a ver com a execução desses indivíduos.
“O que sabemos sobre os locais das execuções judiciais romanas sugere que eles ocorreram principalmente em cidades e vilas, como espetáculo público e por conta de seu efeito dissuasor”, disse Simon Cleary, professor emérito de Arqueologia Romana da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, que notou que a Fazenda de Knobb não ficava perto de nenhuma grande cidade.
Uma lei feita por um imperador em Roma era difícil de aplicar em um local distante, disse Cleary à Live Science.
“Na verdade, cabia aos magistrados locais, proprietários de terras ou funcionários do estado fazer, ou não, o que o imperador ordenava”, disse Cleary.
“Se [o sepultamento de decapitados] fosse o resultado de tal legislação, então seria de se esperar encontrar sepultamentos de executados, particularmente com decapitações, em todo o império. Isso simplesmente não acontece. Os sepultamentos com decapitação estão quase inteiramente confinados à Grã-Bretanha”, disse Cleary.
“Portanto, a menos que a Grã-Bretanha seja uma área que leva a legislação imperial muito mais a sério do que o resto do império, isso sugere que explicações dentro da Grã-Bretanha precisam ser examinadas”, disse Cleary.
Cleary acrescentou que acha possível que essas pessoas tenham sido executadas, mas que a lei romana pode não ter nada a ver com as razões pelas quais foram mortas.
“Por volta do século IV, o exército romano durante séculos tinha literalmente uma jurisdição própria, sem aplicação para os civis”, disse Cleary.
O motivo para a maioria dos sepultamentos de decapitados no Império Romano terem ocorrido na Grã-Bretanha não está claro.
“Às vezes, a Grã-Bretanha romana podia ser muito, muito estranha, especialmente no tratamento dos mortos – existem muitas outras práticas além de sepultamentos de decapitados ou corpos de bruços que aos nossos olhos parecem bizarras. Aos olhos das pessoas na época, podem ter parecido perfeitamente compreensíveis”, disse Cleary.
Outros estudiosos também expressaram dúvidas de que a lei romana tivesse muito a ver com os sepultamentos de decapitados.
“Pessoalmente, acho que é altamente improvável que as execuções na Fazenda de Knobb tenham algo a ver com processos legais romanos tardios”, disse Caroline Humfress, diretora do Instituto de Pesquisa Legal e Constitucional da Universidade de St. Andrews, na Escócia.
“Se eles têm um contexto judicial, é mais provável que seja localizado e relacionado a execuções sumárias”, que é uma execução realizada sem julgamento, disse Humfress ao Live Science.
Ainda assim, outros estudiosos pensaram que essas pessoas poderiam ter sido executadas de acordo com a lei romana.
“A execução oficial parece a melhor explicação para os casos da Fazenda de Knobb”, disse Judith Evans Grubbs, professora de história romana na Universidade Emory, em Atlanta (EUA).
“As execuções oficiais seriam realizadas sob a autoridade do governador provincial, não da justiça local, e refletiria as ideias imperiais de criminalidade, em vez das locais”, disse Grubbs.
Ela observou que as mulheres no Império Romano eram frequentemente alvos de acusações de feitiçaria e adultério, que poderiam ser considerados crimes capitais pelos romanos.
A escavação do local foi realizada entre 2001 e 2010. A escavação foi inteiramente financiada por uma empresa chamada Tarmac e ocorreu antes da ampliação de uma pedreira, disse Lisboa.