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4 mutações evolutivas benéficas pelas quais humanos estão passando agora mesmo

Publicado no Big Think

A maioria das mutações genéticas aleatórias causadas pela evolução são neutras, e algumas são danosas, mas algumas acabam sendo melhorias positivas. Essas mutações benéficas são a matéria-prima que, com o tempo, é favorecida pela seleção natural e espalhada pela população. Nessa postagem, listaremos alguns exemplos de mutações benéficas que se sabe existir em seres humanos.

1. Apolipoproteína AI-Milano

Doenças cardíacas são um dos flagelos de países industrializados. São o legado de um passado evolutivo que nos programou para procurar e desejar gorduras ricas em energia, uma fonte de calorias rara e valiosa no passado, que hoje são a fonte de artérias entupidas. Mas há evidências que a evolução possui o potencial para lidar com isso.

Todos os humanos possuem um gene para uma proteína chamada Apolipoproteína AI, que é parte de um sistema que transporta colesterol através da corrente sanguínea. Apo-AI é uma das HDLs, que já são conhecidas como benéficas porque removem colesterol das paredes arteriais. Mas uma pequena comunidade na Itália é conhecida por possuir mutantes dessa proteína, nomeada Apolipoproteína AI-Milano, ou Apo-AIM. Apo-AIM é ainda mais eficaz que a Apo-AI em remover colesterol de células e dissolver placas arteriais, e adicionalmente funciona como um antioxidante, prevenindo alguns dos danos advindos da inflamação normalmente presente na arteriosclerose. Pessoas com o gene Apo-AIM possuem riscos significativamente mais baixos que o restante da população para ataques cardíacos e derrames, e indústrias farmacêuticas estão estudando uma versão artificial da proteína como uma droga cardioprotetora.

Também há drogas em desenvolvimento baseados em uma mutação diferente, em um gene chamado PCSK9, que possui um efeito similar. Pessoas com essa mutação tem até 88% menor risco de doenças cardíacas.

2. Densidade óssea aumentada

Um dos genes que governa a densidade óssea em seres humanos é chamado de Proteína 5 relacionada à Receptor de Lipoproteína de Baixa Densidade, ou LRP5. Mutações que impeçam a função da LRP5 causam osteoporose. Mas um tipo diferente de mutação pode ampliar essa função, causando uma das mais peculiares mutações conhecidas.

Essa mutação foi descoberta fortuitamente, quando uma jovem pessoa de uma família do Meio-Oeste Americano se envolveu em um sério acidente automotivo do qual eles saíram sem nenhuma fratura óssea. Uma análise de raios-X descobriu que eles, assim como outros membros da mesma família, possuíam densidade óssea acima da média. (Um doutor que estudou a condição disse “Nenhuma dessas pessoas, dos 3 aos 93 anos, jamais quebrou um osso”). De fato, eles parecem ser resistentes não apenas a lesões, mas também à degradação óssea normal associada com a idade. Alguns deles possuem crescimentos ósseos benignos no céu da boca, mas tirando isso, a condição não possui efeitos colaterais – apesar de, como aponta o artigo secamente, torna mais difícil boiar na água. Assim como a Apo-AIM, algumas companhias farmacêuticas estão estudando como usar isso para embasar uma terapia que possa ajudar pessoas com osteoporose e outras doenças ósseas.

3. Resistência à malária

O exemplo clássico de mudanças evolutivas em humanos é o da mutação em hemoglobina chamada HbS que produz hemácias curvadas, em formato de foice. Com uma cópia dessa mutação, ela fornece resistência à malária, mas com duas, causa Anemia Falciforme. Esse artigo, porém, não é sobre essa mutação.

Como reportado em 2001, pesquisadores italianos estudando a população do país africano Burkina Faso encontraram um efeito protetor associado a uma variação diferente da hemoglobina, intitulada HbC. Pessoas com apenas uma cópia dessa mutação tem probabilidade 29% menor de contrair malária, enquanto pessoas com duas cópias se aproveitam de 93% de redução no risco. E essa variação gênica causa, no pior dos casos, uma anemia leve, muito menos debilitante que a Anemia Falciforme.

4. Visão tetracromática

A maioria dos mamíferos possuem uma pobre visão de cores porque só possuem dois tipos de cones, as células da retina que diferenciam cores diferentes. Humanos, como outros primatas, possuem três tipos, um legado onde boa visão de cores para identificar frutas maduras e vibrantes representava uma vantagem evolutiva.

O gene para este tipo de cone, que responde mais fortemente ao azul, é encontrado no cromossomo 7. Os dois outros tipos, que são sensíveis à vermelho e verde, estão ambos no cromossomo X. Uma vez que homens possuem apenas um X, uma mutação que desabilite a visão verde ou vermelha irá causar daltonismo verde-vermelho, enquanto as mulheres tem uma cópia de “backup”. Isso explica porque essa condição é quase que exclusivamente masculina.

Mas lhe perguntamos: O que acontece se uma mutação nos genes de visão verde ou vermelha, invés de desabilitá-la, mudar o espectro de cores ao qual ela responde? (A própria visão de vermelho e verde surgiu dessa forma – através da duplicação e divergência de um único gene ancestral).

Para um homem, isso não faria nenhuma diferença verdadeira. Ele ainda teria três receptores de cor, apenas um conjunto diferente do resto de nós. Mas se isso acontecer aos genes de cones de uma mulher, ela ainda teria o azul do cromossomo 7, o vermelho e verde de um cromossomo X, e a quarta cópia mutada em um outro cromossomo X… O que significa que ela teria quatro diferentes receptores de cores. Ela seria, como pássaros e tartarugas, uma “tetracromata” natural, teoricamente capaz de discriminar tons de cores que o restante de nós não seria capaz de diferenciar. (Isso significa que ela seria capaz de ver cores novas que o resto de nós jamais irá experimentar? Essa questão ainda está em aberto).

E nós temos evidências que isso ocorreu em raras ocasiões. Em um estudo de discriminação de cores, ao menos uma das mulheres demonstrou exatamente os resultados esperados de uma verdadeira tetracromata.

Lucas Rosa

Lucas Rosa

Lucas Rodolfo de Oliveira Rosa é graduado em Ciências Biomédicas pela UNESP e Mestrando em Biologia Funcional e Molecular pela UNICAMP. Entusiasta pela ciência desde criança, Lucas é colaborador do Universo Racionalista e Editor-Chefe em Mural Científico (www.muralcientifico.com), sua plataforma aberta de divulgação científica nacional e internacional. Lattes http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4854743Z0