Por Davide Castelvecchi
Publicado na Nature
Pela primeira vez, cosmólogos têm usado o poder da teoria da relatividade geral de Albert Einstein para realizar cálculos detalhados da evolução do Universo.
Duas técnicas – que rompem com quase um século de tradição – poderiam ajudar a resolver uma controvérsia sobre a precisão das simulações simplificadas anteriores, e poderiam ajudar pesquisadores a interpretar os resultados das observações cada vez mais precisas dos astrônomos.
A relatividade geral interpreta a gravidade como uma curvatura do espaço-tempo. Logo após Einstein propor sua teoria em 1915, outros perceberam que ela tinha implicações dramáticas na escala cósmica. Georges Lemaître e outros cosmólogos apontaram em 1920 que para um Universo satisfazer a teoria de Einstein, ele deveria se expandir ou se contrair (Edwin Hubble e outros astrônomos mostraram que o Universo estava, de fato, se expandindo).
Mas era impossível resolver as equações de Einstein em uma escala cósmica sem fazer suposições para simplificar os cálculos. Para chegar a suas conclusões, Lemaître e os outros primeiros relativistas assumiram que a matéria era uniformemente distribuída como um continuum ao longo do espaço, ao invés de ser concentrada em estrelas e galáxias.
A questão da distribuição
O advento da tecnologia não alterou substancialmente a situação, porque os cálculos relativistas completos eram difíceis até mesmo para supercomputadores. A maioria dos cosmólogos continuaram a fazer modelos do Universo que se iniciava com o Big Bang. Para explicar como grandes estruturas, como galáxias e aglomerados de galáxias, se formam a partir de um gás primordial difuso, os pesquisadores começam com regiões ligeiramente “superdensas”, que depois se transformam em estruturas irregulares sob a força da gravidade. Tais modelos, no entanto, assumem uma distribuição desigual de matéria apenas para uma área relativamente pequena em que eles estão estudando – enquanto mantém uma distribuição uniforme em escalas maiores.
Alguns cosmólogos dizem que esta foi mais uma estratagema necessária do que uma suposição bem justificada. “A homogeneidade do Universo é uma invenção filosófica”, diz Sabino Matarrese, teórico da relatividade geral na Universidade de Pádua, na Itália. Na última década, Matarrese e outros têm argumentado que esta suposição pode até ter levado os astrônomos a interpretar mal os dados quando concluíram que a expansão do Universo se acelerou sob a ação de uma “energia escura” misteriosa.
Isso, diz ele, provocou um debate acalorado. Mas, acrescenta, a suposição de homogeneidade “é, em parte, um raciocínio circular, que poderíamos tentar questionar, sem fazer drama”.
A relativista numérica Eloisa Bentivegna da Universidade de Catania, Itália, diz que, “em princípio, em um Universo não homogêneo, galáxias distantes poderiam aparecer como se estivessem recuando em um ritmo acelerado”, imitando os efeitos da energia escura.
Aproximação
Agora, ela e Marco Bruni, da Universidade de Portsmouth, Reino Unido, e independentemente Glenn Starkman, da Case Western Reserve University, em Cleveland, Ohio, e seus colegas, realizaram as primeiras simulações completas de um Universo que se segue a relatividade geral sem restrições. Os grupos usaram supercomputadores para modelar o início do Universo se expandindo e como a sua deformação evolui à medida que a matéria começa a se reunir em grandes piscinas sob a força da gravidade, deixando outras regiões com mais gás rarefeito.
Seus artigos, que aparecem em 24 de junho na Physical Review Letters e Physical Review D, ainda não reproduzem toda a complexidade do Universo real, mas o fato de abraçarem a relatividade é “revolucionário”, diz Matarrese.
Os dois grupos usaram técnicas ligeiramente diferentes, com ênfase em questões diferentes: os europeus focaram mais na formação de estruturas “superdensas”, enquanto o grupo norte-americano se concentrou em como o Universo se expande e como sua curvatura afeta a propagação da luz. Ambas as equipes dizem que, no futuro, pretendem aumentar a sofisticação de seus modelos e conectá-los a grandezas que os astrônomos podem realmente medir.
Ambos os grupos se basearam em técnicas numéricas de simulação que haviam sido desenvolvidas para o cálculo da curvatura do espaço-tempo ao redor de pares de buracos negros e das ondas gravitacionais resultantes – previsões que foram confirmadas no início deste ano pelo LIGO. “É um casamento entre a relatividade numérica e a cosmologia que não havia acontecido anteriormente”, diz Starkman.
Levará talvez duas décadas para desvendar o potencial destas técnicas, diz Matarrese. Ele e outros dizem que – enquanto a energia escura veio pra ficar – os investigadores precisarão de previsões cada vez mais precisas para interpretar os resultados dos próximos grandes observatórios científicos, incluindo os dados do Square Kilometre Array, na Austrália e África do Sul.
A grande questão é saber se o agrupamento da matéria em regiões densas – e a subsequente formação de galáxias – pode ter efeitos sobre a expansão global do Universo. Este efeito “retroativo” pode ser testado por experimentos da próxima geração, algo que seria um “grande triunfo”, diz o cosmólogo Scott Dodelson do Fermi National Accelerator Laboratory (Fermilab), em Batavia, Illinois. Mas, diz ele, não está claro ainda se as técnicas das equipes são necessárias para compreender tais efeitos, ou se os métodos mais convencionais bastam.
Cálculos feitos por Robert Wald, teórico da relatividade geral na Universidade de Chicago, em Illinois, e um colega, sugerem que esses efeitos serão praticamente insignificantes. “Eu estou dizendo que o fato da matéria estar concentrada em pequenas bolhas não afeta a taxa de expansão”. Ainda assim, diz ele, os métodos totalmente relativistas serão importantes nas áreas da cosmologia que envolvem altas energias, como os estágios iniciais do Big Bang ou a propagação das partículas elementares de luz chamadas neutrinos.
Starkman espera que, no final, o modelo padrão da cosmologia seja confirmado – incluindo a existência de energia escura. “Mas temos de verificar”.