“Jevons (1871) escreveu: ‘’Eu hesito em dizer que os homens nunca vão ter os meios de medir diretamente os sentimentos do coração humano. É a partir dos efeitos quantitativos dos sentimentos que devemos estimar seus valores comparativos.’ […]. Mas Jevons estava errado. Sentimentos e pensamentos podem ser medidos diretamente agora, por causa dos recentes avanços na neurociência.”
CAMERER, Colin F.; LOEWENSTEIN, George; PRELEC, Drazen. Neuroeconomics: Why economics needs brains. The Scandinavian Journal of Economics.
Nos últimos anos, houve um grande avanço na área da neurociência, principalmente devido ao avanço das tecnologias que permitem uma melhor mensuração da atividade cerebral. Também houve outro fato curioso nos últimos anos, os economistas e os neurocientistas perceberam que estavam todos buscando solucionar a mesma pergunta: “Como as pessoas tomam decisões?”
Após muita conversa, decidiram se unir e formar uma matéria dedicada apenas a estudar isso, unindo insights da economia e da psicologia com o instrumental da neurociência. Essa nova matéria foi chamada de neuroeconomia.
Mas afinal, o que a neuroeconomia tem de especial? Ela vai mudar a forma que os economistas entendem a tomada de decisão humana?
Antes de respondermos essa pergunta, vamos primeiro entender melhor de onde tudo isso veio.
De onde veio?
As raízes da neuroeconomia encontram-se primeiramente na revolução neoclássica de 1930 e o no nascimento da neurociência cognitiva durante a década de 90. Desde Adam Smith (2007), muito se tem sido colocado na teoria econômica a respeito à psicologia dos agentes no mercado, a ideia é que entendendo essa psicologia conseguiríamos explicar os comportamentos dos agentes no mercado.
Vários economistas desde então sonharam com a possibilidade de conseguirmos medir o valor a partir de sinais físicos. Um dos primeiros e mais importantes modelos para tentar entender esse funcionamento é o axioma fraco da preferência revelada desenvolvido na década de 30 por Paul Samuelson (1938). De acordo com este axioma, quando uma escolha binária tem que ser feita e se escolhe algo em detrimento da outra coisa, essa escolha revela que há uma preferência pela coisa que foi escolhida. Desse axioma deriva-se o Axioma Geral da Preferência Revelada. De acordo com o axioma geral, se é escolhido B em relação a A e C em relação a B, então podemos supor que o agente prefere C em relação a A, já que essa preferência foi revelada indiretamente.
Em resumo, o que esse modelo nos permite concluir é que a partir de um axioma nós conseguimos derivar conclusões acerca das preferências dos indivíduos por uma observação das escolhas prévias. Desta forma, o axioma nos permite prever escolhas a partir da observação e dar uma resposta a políticas públicas e mudanças no ambiente ou mudanças no mercado em preços, impostos ou rendas.
Depois de Samuelson várias outras teorias do mesmo gênero surgiram, só que agora focadas em estimar as escolhas em meio a questões não-binárias, incertas, com uma grande dosagem de probabilidade. Sendo uma das mais famosas dessas teorias a teoria da utilidade esperada, tendo esta ramificações para as teorias de Von Neumann e Morgenstern (2007), onde a probabilidade dos resultados das escolhas é sabido, e para a teoria da utilidade subjetiva de L. J. Savage (1972), onde a probabilidade dos resultados das escolhas são derivados da mensuração pessoal dos indivíduos, baseada principalmente na probabilidade bayesiana.
Essas duas teorias, entretanto, foram atacadas por alguns paradoxos que as sucederam, a saber, respectivamente, o paradoxo de Allais (1953), desenvolvido pelo economista Maurice Allias e o paradoxo de Ellsberg (1961) , desenvolvido pelo economista Daniel Ellsberg. Juntos, Allais e Ellsberg colocaram em xeque as formas mais comuns das teorias de utilidade.
Nas décadas de 70 e 80, Kahneman e Tversky deram início a uma nova visão acerca da teoria do comportamento, agora mais baseada na psicologia do que em axiomas. Através de experimentos, os dois psicólogos falsearam vários axiomas da escolha e deram contribuições significativas para que os sistemas de axiomas gerais fossem aprimorados.
Dentre várias contribuições para a área da teoria da decisão, três contribuições desse novo grupo de pesquisadores, que foram chamados de “Economistas Comportamentais”, se destacam, a saber a inserção da ideia de referência-dependência, herdada da psicologia, na teoria da utilidade esperada, a importância das heurísticas nas intuições estatísticas e por fim as teorias das preferências sociais.
Além da ascensão do campo da economia comportamental, um grupo de economistas começou a levantar um outro tipo de abordagem, eram os economistas experimentais.
Enquanto a economia comportamental busca aproveitar princípios da psicologia e adaptar as teorias econômicas a esses princípios, a economia experimental busca aproveitar os métodos da psicologia para a investigação econômica. O interesse mútuo tanto de economistas comportamentais quanto de neurocientistas cognitivos no processo de tomada de decisão acabaram por juntar a teoria econômica e a neurociência na matéria que chamamos de neuroeconomia.
Apesar de bastante recente, a neuroeconomia já vem dando bastantes contribuições à ciência econômica, tendo inclusive provado, por meio de observação em laboratório, a teoria do prospecto desenvolvida por Kahneman (que recebeu o Nobel de economia em 2002 por suas contribuições). Além das contribuições, ou apesar delas, vem ganhando cada vez mais espaço no ambiente acadêmico (gráfico 1).
A neuroeconomia possui um ferramental sem precedentes para prover novos insights acerca da tomada de decisões, ela recorre diretamente ao cérebro e estuda a tomada de decisão medindo o seu comportamento de maneira não invasiva, utilizando métodos como o imageamento por ressonância magnética (MRI), estimulação magnética transcraniana (TMS), estimulação transcraniana por corrente direta (tDCS), dentre outros.
A neuroeconomia vai revolucionar a economia?
A neurociência e a economia alcançam a interdisciplinaridade no novo campo da neuroeconomia. Há 4 principais áreas onde a neurociência pode informar a economia: Escolha inter-temporal, Tomada de decisão sob risco, teoria dos jogos e discriminação no mercado de trabalho – embora as implicações das descobertas neurocientíficas possam dar outras contribuições em relação a construção de modelos micro e macro-econômicos (Colin Camerer et al., 2005).
Enquanto alguns pesquisadores se mostram otimistas em relação a intersecção das duas disciplinas, muitos ainda são céticos e apontam que a neurociência possui vários desafios a enfrentar até que de fato consiga dar um novo ímpeto a ciência econômica.
Mirja (2010) aponta que a neuroeconomia tem seus méritos e pode chegar longe, entretanto, para que ela seja capaz de evoluir, ela terá que superar vários desafios que são inconvenientemente presentes, alguns dos desafios são a confiabilidade incerta e a validade dos resultados. Isto se dá porque os estudos neurocientíficos sempre possuem uma pequena amostra de pessoas (entre 10 ou 20), e seus métodos de estudo ainda não são bastante aprimorados, possuindo dificuldade para determinar de uma só vez a área do cérebro estimulada e o tempo levado para o estímulo. Eu compartilho da visão de Mirja e acredito que ela reflete com a maior sobriedade o estado da disciplina.
Camerer et al (2004) relata o ceticismo dos economistas em relação à nova disciplina:
“A maioria dos economistas com que falamos são curiosos sobre neurociência, mas céticos sobre se precisamos dela para fazer economia.”
Essa intersecção é vista correntemente como uma coisa passível de ocorrer, mas também como algo para qual é preciso cuidado, principalmente devido ao seu pouco tempo de existência.
Não há muita resistência à ideia de que a neurociência e a economia podem encontrar algum ponto de intersecção, o ponto de divergência parece se dar com mais ênfase na quantidade e na velocidade dessa intersecção, isto é, se a intersecção será revolucionária ou apenas incremental.
Enquanto a neuroeconomia incremental busca dar insights a modelos econômicos específicos, enriquecendo-os, a neuroeconomia radical tem como foco a reformulação da teoria econômica de tal forma que ela se molde em torno das novas descobertas neurocientíficas. Uma revolução ou uma evolução.
Alguns autores acham que a neuroeconomia será incremental à curto prazo, mas revolucionária no longo prazo, outros acham que não há espaço na economia para uma revolução neuroeconômica.
Em um extenso estudo sobre a aceitação da neuroeconomia entre os economistas à luz da filosofia da ciência, desenvolvido para a sua tese de doutorado em filosofia, Fumigalli ( 2011) aponta que:
“não é surpreendente que a maioria dos economistas – enquanto cautelosamente dão boas vindas as propostas da NEs [neuroeconomia] incremental – se opõem as contribuições da NEs radical”
Na conclusão da sua tese, ele reconhece que embora a neuroeconomia ainda esteja em sua infância, é bom que se saiba distinguir o marketing das esperanças bem fundamentadas. De acordo com a perspectiva deste autor, a neuroeconomia possui materiais que podem dar novas ideias e enriquecer teorias econômicas já existentes (neuroeconomia incremental), mas é improvável que a neuroeconomia gere “uma grande síntese revolucionária abrangendo suas próprias disciplinas parentes”.
Referências
- SMITH, A. Teoria dos Sentimentos Morais. 2007. ISBN 978-8578278083.
- SAMUELSON, P. A. A Note on the Pure Theory of Consumer’s Behaviour . Economica, v. 5, n. 17, p. 61 – 71, Fevereiro 1938.
- NEUMANN, J. von; MORGENSTERN, O. Theory of Games and Economic Behavior. [S.l.]: Princeton University Press, 2007. ISBN 9780691130613.
- SAVAGE, L. J. The Foundations Of Statistics. 2. ed. [S.l.]: Dover Science, 1972.
- ALLAIS, M. Le Comportement de l’Homme Rationnel devant le Risque: Critique des Postulats et Axiomes de l’Ecole Americaine . Econometrica, v. 21, n. 4, p. 503 – 546, outubro 1953.
- ELLSBERG, D. Risk, Ambiguity, and the Savage Axioms. The Quarterly Journal of Economics, v. 75, n. 4, p. 643 – 669, novembro 1961.
- CAMERER, C.; LOEWENSTEIN, G.; PRELEC, D. Neuroeconomics: How Neuroscience Can Inform Economics. Journal of Economic Literature, XLIII, p. 9 – 64, Março 2005.
- HUBERT, M. Does neuroeconomics give new impetus to economic and consumer research? Journal of Economic Psychology, v. 31, p. 812 – 817, 2010.
- CAMERER, C. F.; LOEWENSTEIN, G.; PRELEC, D. Neuroeconomics: Why Econmics Needs Brains. The Scandinavian Journal of Economics, v. 106, n. 3, p. 555 – 579, 2004.
- FUMAGALLI, R. Philosophical Foundations Of Neuroeconomics. 2011. 297 p. Tese (Filosofia) — London School of Economics.