Publicado na ScienceAlert
Células-tronco são vistas como o “Santo Graal” da medicina regenerativa, devido a sua capacidade de originar todos os tipos de células do corpo, porém, outra capacidade de destaque é o fato de que sempre permanecem jovens em alguns tecidos, sem ocorrer a perda de informação genética a cada divisão celular, um dos principais eventos moleculares associados ao envelhecimento em células adultas. Os pesquisadores aproveitaram essa capacidade para aumentar o tempo de vida de camundongos e renovar alguns dos seus tecidos. Embora a abordagem não funcione em seres humanos, o estudo pode levar a novas maneiras de manter os corpos vigorosos, mesmo com o avanço da idade.
Segundo a análise do cientista em genômica, Howard Chang, da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford (que não participou do experimento), o estudo reforça a ideia de que “o envelhecimento não é apenas um processo passivo” e ”Podemos intervir para mudar o resultado. ”
Tal como o nosso cabelo e pele, nossos cromossomos denunciam nossa idade, carregando moléculas associadas ao DNA conhecidas como marcadores epigenéticos. Esses marcadores ajudam a controlar o quanto o DNA se condensa e a atividade dos genes. A medida que envelhecemos a ordem desses marcadores muda, potencialmente adulterando e prejudicando a precisa coordenação nos padrões das atividades gênicas que mantêm nossas células trabalhando.
No entanto modificações epigenéticas não são permanentes, ao ativarem alguns genes, normalmente apenas ativos em células embrionárias, os cientistas podem “reprogramar” as células do corpo adulto, revertendo-as para a condição de células-tronco (um efeito chamado de iPSCs – “induced pluripotent stem cells” ou “células tronco pluripotentes induzidas”). A técnica do iPSC foi desenvolvido pelo pesquisador japonês Shinya Yamanaka em 2006, quando descobriu que células diferenciadas ou adultas podem ser reprogramadas de volta a condição de células-tronco embrionárias, induzindo a manifestação de quatro genes que agora são conhecidos como os “fatores de Yamanaka” ou técnica OSKM, sigla baseada na iniciais dos 4 genes ativados pela técnica.
Este processo reverte os marcadores epigenéticos às suas configurações embrionárias e parece rejuvenescer as células, mesmo estando velhas. Em um estudo de 2011, os pesquisadores reprogramaram no laboratório as células de pessoas tão idosas quanto 101 anos, redefinindo seus marcadores epigenéticos e modificando seu metabolismo. Mas esse “reset cromossômico” traria benefícios similares além dos alcançados em uma placa de petri no laboratório?
Para descobrir isso o biólogo do desenvolvimento Juan Carlos Izpisúa Belmonte e seus colegas do Instituto Salk para Estudos Biológicos em San Diego, Califórnia, modificaram geneticamente camundongos para responder ao antibiótico doxiciclina, que regula a ativação dos genes OSKM. Os pesquisadores tentaram essa abordagem em camundongos mutantes, com sintomas de progeria ou síndrome de Hutchinson-Guilford (HGPS, em inglês), uma doença genética rara que se assemelha ao envelhecimento prematuro.Crianças com HGPS desenvolvem problemas de saúde típicos de idosos, tais como: ossos fracos, arteriosclerose e geralmente morrem de ataques cardíacos ou acidentes vasculares cerebrais durante a adolescência.
Ao medicar os animais com doxiciclina vários sinais da velhice foram reduzidos, incluindo o afinamento da pele. O tratamento também retardou a deterioração dos rins e baços nos animais e manteve o ritmo do batimento cardíaco regular enérgico como em animais jovens.
Além disso, ao ativar os genes de células-tronco, otimizou-se a extensão da vida dos camundongos mutantes por mais de um terço, de 18 para 24 meses, conforme o relato dos investigadores no periódico “Cell”.
À medida que envelhecemos, nossa capacidade de substituir as células mortas ou deficientes diminui. Para determinar se restauramos esta capacidade ativando os genes OSKM, os pesquisadores testaram camundongos saudáveis, de meia-idade cuja as células beta, produtoras de insulina, tinham sido removidas. Ao ativarem os genes OSKM, foi aumentada a capacidade dos roedores em substituir as células beta perdidas Izpisúa Belmonte e seus colegas também testaram quão bem os diferentes grupos de camundongos de meia idade conseguiam reparar danos musculares. Quando os genes das células-tronco eram ativados, os animais melhoravam a capacidade de reparar lesões causadas por uma injeção de veneno de cobra. “Nós acreditamos que a reprogramação celular tem a capacidade de converter o velho programa epigenético em um programa jovem, retardando o processo de envelhecimento”, segundo Izpisúa Belmonte.
A reprogramação de células, para revertê-las em um estado mais jovem, apresenta complicações perigosas. Estudos realizados em 2013 e 2014 descobriu que a introdução de iPSCs em animais vivos é fatal, resultando em tumores cancerosos (teratomas) ou na falência de órgãos como consequência das células adultas que perderam sua característica diferenciada. No entanto os pesquisadores verificaram que poderiam prevenir a formação de tumores, dando aos camundongos doses de reduzidas de doxiciclina, optando por uma reprogramação parcial e, com isso, evitando a reversão total dá células diferenciadas para o estado embrionário. Na prática, os pesquisadores do Instituto Salk em vez de induzir a expressão dos fatores de Yamanaka, pela adição de doxiciclina na água dos animas por um período de três semanas – o que leva à pluripotência ou estado embrionário- conseguiriam uma reversão parcial, aplicando a medicação por um período reduzido de dois a quatro dias. Isto permitiu que as células mantivessem sua característica original, ou seja, uma célula da pele permaneceu como uma célula da pele, mas tornou-se efetivamente uma versão mais jovem de si mesma.
“Eu acredito que (esse experimento) é uma prova de conceito que a reprogramação parcial pode rejuvenescer alguns tecidos”, afirma o biólogo de regeneração Clive Svendsen do Cedars-Sinai Medical Center, em Los Angeles, Califórnia, que não estava envolvido com o trabalho. Svendsen afirma que quer ver provas de que o reajuste nas marcas epigenéticas aumentam a longevidade total em animais em condições saudáveis e que seja capaz de atuar em partes do corpo, tais como o sistema nervoso central, onde a renovação celular é bem limitada. “Quem quer ter um coração jovem e um cérebro velho?” Pergunta o pesquisador.
Em vídeo, os pesquisadores do Instituto Salk comentam sobre a pesquisa (em inglês):
Segundo os envolvidos no projeto, deveremos esperar pelo menos uma década de desenvolvimento antes que a pesquisa seja aplicada em seres humanos.