Por Marília Fuller
Publicado na Scientific American
No próximo 22 de abril, Dia Internacional da Terra, ao menos treze cidades brasileiras vão participar da Marcha pela Ciência. Os manifestantes irão às ruas para chamar atenção para os cortes mundiais de investimento público na área de ciência e tecnologia, e promover a aproximação entre os pesquisadores e a população. Marchas semelhantes acontecerão em mais de 500 cidades em todo o mundo. O centro do movimento será a cidade de Washington, nos Estados Unidos.
Nascida nos EUA e realizada pela primeira vez este ano, a Marcha pela Ciência surgiu da insatisfação de estudantes norte-americanos de pós-graduação. O presidente Donald Trump, eleito no final do ano passado, iniciou seu mandato este ano com uma série de medidas polêmicas, muitas delas envolvendo temas de meio ambiente, ciência e tecnologia. “Talvez o maior exemplo seja o que houve com a Agência de Proteção Ambiental dos EUA. Dados sobre o aquecimento global foram censurados ou até mesmo apagados de plataformas públicas. O que os cientistas podem ou não falar começou a passar por crivo político”, diz Ricardo Maia, mestrando do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) e um dos organizadores da Marcha na cidade.
Mas Trump não parou por aí. Estabeleceu cortes de investimento e mudanças nas políticas públicas voltadas ao financiamento de ciência e tecnologia. Segundo a professora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Tatiana Rappoport, uma das organizadora da Marcha na cidade, a tendência é mundial. “A censura de dados e o desmantelamento de instituições públicas já vêm acontecendo há alguns anos em muitos países, mas ganharam mais visibilidade com o governo Trump”. Todos esses fatores revoltaram a categoria e impulsionaram a criação do movimento naquele país.
No Brasil, a situação não é muito diferente. O governo aprovou um corte de R$ 42 bilhões no orçamento federal, que incluiu redução de 44% dos gastos com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. “Um dos maiores cortes da história”, ressalta Ivanise Rizzatti, professora da Universidade Estadual de Roraima (UERR) e uma das organizadora da Marcha em Boa Vista.
Segundo Julio Rezende, professor do curso de Engenharia da Produção na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), diretor de inovação da Fundação de Apoio à Pesquisa do estado e um dos organizadores da marcha em Natal, a Marcha pela Ciência chegou ao Brasil via São Paulo e depois se espalhou, somando, até agora, treze cidades. Apesar de unificadas pelos dois propósitos principais do movimento, cada uma das marchas satélites brasileiras tem sua temática e suas pautas individuais.
No Rio de Janeiro o lema é “Conhecimentos sem cortes”, referindo-se ao cortes de gastos do governo federal e também à questão da censura. Haverá a chamada “Orquestra de Tesouras”, em que os participantes levarão tesouras e para usar como instrumentos, emitindo som. “Elas vão simbolizar justamente esses cortes federais”, explica Tatiana. Roraima também tem uma pauta própria: o estado é o único que ainda não possui uma Fundação de Amparo à Pesquisa. De acordo com Ivanise, isso prejudica a busca por recursos e o fortalecimento da pesquisa no estado.
São Paulo tem uma questão relacionada ao dinheiro da Fapesp. Segundo Maia, a fundação deveria receber 1% do ICMS do estado, mas recebeu apenas 0,89%. Essa diferença foi repassada para a Associação dos Pesquisadores pelo governador Geraldo Alckmin, a fim de ajudar os institutos de pesquisa sucateados do estado. Após a revolta de alguns cientistas, o governador voltou atrás e devolveu o dinheiro, mas com a condição que a Fapesp usasse essa porcentagem com esses institutos sucateados. Os pesquisadores paulistas acreditam que o governo não deve determinar o destino do dinheiro, apesar de reconhecerem a necessidade de ajudar os institutos.
Em Petrolina e Juazeiro, reforçarão a vulnerabilidade do semiárido brasileiro frente aos cortes de investimento. “Quem resolve os problemas da seca e do semiárido são aqueles que estão inseridos nessa realidade”, segundo Helinando Oliveira, professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) e um dos organizadores da marcha nessas cidades. Contudo, isso têm se mostrado um problema: sendo a primeira universidade federal implantada no interior do país, a UNIVASF ainda está consolidando seus programas de pós-graduação, além de sofrer com a evasão de docentes e pesquisadores. Já em Natal, a questão do seminário brasileiro também está presente, mas voltada a sustentabilidade e fazendo um paralelo com Marte. Durante a marcha, inclusive, acontecerá o Mars Hackathon, a primeira competição e capacitação no Brasil sobre o planeta.
Instituições científicas como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) têm feito doações para apoiar a realização das marchas. Campanhas de financiamento coletivo também estão em andamento, especialmente para a marcha de São Paulo que não poderá, de fato, marchar. “Toda nossa mobilização será feita apenas no Largo da Batata, por isso precisamos de materiais – como um palanque, por exemplo – para chamar a atenção das pessoas”, explica Maia.
As marchas, que são apartidárias, acontecem em diferentes horário. As cidades brasileiras que participarão, os locais de concentração e os horários podem ser encontrados aqui.