Pular para o conteúdo

Crise de opioides: A comunicação que começou tudo

A comunicação, na qual consta que os opioides não são viciantes, foi publicada no New England Journal of Medicine (NEJM) em 1980. O Dr. David Juurlink diz que o prestígio da revista ajudou a alimentar a crença equivocada de que os opiáceos eram seguros. Sua pesquisa descobriu que a comunicação foi citada mais de 600 vezes, geralmente para argumentar que os opiáceos não eram viciantes. Na quarta-feira, o NEJM publicou a refutação do Dr. Juurlink à comunicação de 1980, juntamente com a análise de sua equipe do número de vezes que a mesma foi citada por outros pesquisadores.

“Eu acho que é justo dizer que esta comunicação foi longe demais”, disse o Dr. Juurlink, que é chefe de farmacologia clínica e toxicologia no Sunnybrook Health Sciences Centre de Toronto.

A comunicação original, intitulada “Raro vício em pacientes tratados com narcóticos”, apresenta apenas um parágrafo. A única evidência citada foi um relato de que, em 11.882 pacientes hospitalizados e tratados com narcóticos, apenas quatro pacientes sem história de dependência se tornaram viciados. Este parágrafo deveria ter desencadeado uma série de poréns, diz o Dr. Juurlink.

A carta descreveu apenas os efeitos sobre os pacientes hospitalizados, não em pacientes que apresentavam dor crônica e precisavam tomar analgésicos regularmente. Ele também descreveu apenas os efeitos dos narcóticos que já não são usados ​​hoje – e ainda foi citado por muitos como prova de que medicamentos modernos, como a oxicodona, estavam seguros fora do ambiente hospitalar.

“Eu acho que o tamanho da comunicação não vem ao caso, o que importou foi o título e a publicação, e essas duas coisas foram longe demais”, disse o Dr. Juurlink.

Atualmente, os investigadores médicos reconhecem amplamente que os opioides são altamente viciantes, disse ele. Em 2016, o British Medical Journal pediu aos médicos que limitassem as prescrições de opiáceos para combater a crise de overdose nos EUA e em outras partes do mundo.

Em 2007, os fabricantes da oxicodona foram declarados culpados pelo Tribunal Federal por “alegar” falsamente que a oxicodona era menos viciante e menos sujeita a abusos do que outros medicamentos contra a dor.

Esta semana, Ohio tornou-se o segundo estado após o Mississipi a processar fabricantes de opiáceos por ter desencadeado “uma crise de cuidados de saúde que teve consequências financeiras, sociais e mortais de longa extensão”.

O autor da comunicação, o Dr. Hershel Jick, disse que nunca pretendia que o artigo justificasse o uso generalizado de opiáceos e testemunhou para o governo sobre como esses medicamentos são comercializados.

“Estou essencialmente envergonhado de que essa comunicação ao editor foi usada como uma desculpa para fazer o que essas companhias de drogas fizeram”, disse Jick à Associated Press. “Eles usaram esta comunicação para divulgar que essas drogas não eram muito viciantes”.

O Dr. Juurlink acredita que a desinformação que resultou depois da publicação da comunicação não aconteceria hoje. Naquela época, ele disse, se você quisesse ler a comunicação original, você precisaria ir a uma biblioteca. Muitas das pessoas que citaram a mesma de 1980 eram simplesmente “desleixadas”, ele disse e não tomaram os devidos cuidados.

Agora, é fácil ler a carta original de 1980 online, bem como a refutação do Dr. Juurlink. “Seria demitido durante a noite no Twitter”, disse ele.

Existe agora uma nota do editor sobre a carta original no NEJM: “Por razões de saúde pública, os leitores devem estar conscientes de que esta carta foi citada ‘compulsivamente e descriminadamente’ como prova de que o vício é raro durante a terapia com opioides”.


Comunicação: artigo cientifico curto com intuito de veicular um resultado científico importante de forma rápida.

Henrique Esteves

Henrique Esteves

Doutorando em Ciência pela UNICAMP, onde pesquisa estrutura e reatividade de moléculas orgânicas.