Este texto foi originalmente escrito com normas mais técnicas para fins acadêmicos. Entretanto, fiz uma readaptação e uma reestruturação para que a leitura ficasse mais agradável, porém, muito do que acrescentarei provém de conhecimento adquirido na academia, cujas fontes completas não me vêm à lembrança no momento. Entretanto, as referências do artigo acadêmico serão expostas logo abaixo, assim como haverá recursos didáticos que facilitem a compreensão.
Para que haja um bom entendimento de todo o texto, é cogente que o leitor conheça a existência de um composto chamado de acetilcolina (ACh). Esse é o principal neurotransmissor da junção neuromuscular, sendo responsável pela despolarização do músculo, assim como tem efeitos nos sistemas nervosos autônomo parassimpático e central. Para fins pedagógicos, focar-nos-emos no sistema nervoso autônomo parassimpático. Abaixo, uma esquematização de sua importância fisiológica (foque-se apenas no “parassimpático”):
A ACh é produzida dentro de um neurônio para que possa ser transmitida por meio da sinapse. Não cabe, no momento, citar todo o processo de produção, mas é importante que se saiba que, ao ser liberada na sinapse, ela pode seguir quatro caminhos: 1) ação em algum receptor da célula posterior à sinapse, 2) ação retrógrada nos receptores do neurônio de onde foi liberada para causar inibição de sua liberação, 3) ação retrógrada nos receptores do neurônio de onde foi liberada para causar aumento de sua liberação e 4) degradação pela enzima acetilcolinesterase (AChE). A seguir, uma imagem que demonstra perfeitamente o processo (foque nos círculos vermelhos):
Ora, se tal enzima degrada a molécula de ACh, é notório que ela exerça um papel contrário a qualquer função colinérgica. Partindo dessa lógica, um composto que iniba a AChE “impediria a inibição” dos mecanismos fisiológicos dependentes de ACh; logo, potencializariam os efeitos da acetilcolina. É partindo desse princípio farmacológico que muitas substâncias agem, como o edrofônio, a neostigmina e a fisiostigmina; entretanto, esses três exemplos agem de forma reversível. A toxicidade ocorre quando há uma ligação irreversível, ocasionando efeitos de difícil manipulação clínica e de urgência médica, como na presença dos famosos organofosforados, dentre os quais um grande representante é o “chumbinho”, muito utilizado ilegalmente contra ratos.
Esses organofosforados, além de terem relevância econômica, por sua vasta utilização em pesticidas, são usados como armas químicas em conflitos, especialmente, no Oriente . Comumente usado durante a Segunda Guerra Mundial, suspeita-se gás sarin, inibidor da AChE, venha sendo usado atualmente no ataque à população pelo governo da Síria, em função da guerra civil que está a acometer aquela região. Uma substância com o mesmo mecanismo, porém, 100 vezes mais potente, é o agente VX, que teve uma repercussão recente depois que foi utilizada pelo líder norte-coreano Kim Jong-Un para assassinar o seu meio-irmão enquanto esse caminhada por um aeroporto na Malásia. E é essa a “relação dos pesticidas com as armas químicas utilizadas no oriente”! Mas, já que estamos no barco, não custa nada aprender mais um pouco.
Então, recapitulando: se o organofosforafo liga-se irreversivelmente à AChE, isso faz com que sua ação seja comprometida. Qual é a sua ação? Degradar a ACh. Se a ação é comprometida, a ACh não é degradada. Ou seja, ela fica em excesso, aumentando o seu efeito consideravelmente. Qual o seu efeito? Vá à primeira figura e entenda. É por isso que, por exemplo, podemos perceber salivação excessiva (e hipersecreções glandulares em geral) em muitas pessoas intoxicadas com “chumbinho”, gás sarin ou VX. Além disso, como eu havia falado, a ACh apresenta outros efeitos no corpo, sendo um deles a promoção da contração muscular. É por isso que é possível ver espasmos musculares e pessoas se debatendo quando sob a ação de inibidores de acetilcolinesterase. Geralmente, os pacientes morrem por falência respiratória.
Por fim, o tratamento para tais urgências é bem óbvio que se supor. Se eu tenho uma hiperativação do sistema parassimpático, o que eu devo usar para solucionar o problema? Uma substância que “hipoative” (ou parassimpatolítico), e o nome dela é atropina. Se o que causa o problema é uma ligação extremamente forte entre acetilcolinesterase e o organofosforado, o que eu devo usar para resolver isso? Algo que quebre essa ligação. Por mais que se diga que ela é “irreversível”, esse é um termo bem contraditório, porque ela, mesmo extremamente forte, é reversível, através do uso das oximas, sendo a mais famosa a pralidoxima. Portanto, o tratamento usando essas duas drogas pode reverter a condição, mas devem ser feitos o mais rápido possível, pois, caso contrário, como já explicitado, pode ser fatal.
Como prometido, eis a referência para quem desejar o aprofundamento:
- GOLAN, D. E. et al. Princípios de farmacologia: a base fisiopatológica da farmacoterapia. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.
O restante das referências utilizadas no artigo acadêmico foram:
- BBC. O que é o agente VX, a arma de destruição em massa que matou meio-irmão do líder norte-coreano, fev. 2017. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/internacional-39075741>. Acesso em 06 de Julho de 2017.
- O GLOBO. Ataque químico na Síria: o que é o gás sarin?, abr. 2017. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/mundo/ataque-quimico-na-siria-que-o-gas-sarin-21170440>. Acesso em 06 de Julho de 2017.
- POPE,C. N.. Organophosphorus pesticides: do they all have the same mechanism of toxicity?. J Toxicol Environ Health B Crit Rev, 2 (2), pp. 161-81, abr-jun. 1999.
- SMYTHIES, J. et al. Nerve gas antidotes. J R Soc Med. 97(1): 32, jan. 2004.