Por Javier Sampedro
Publicado no El País
Lord Kelvin, o dos graus Kelvin, decretou no final do século XIX que todos os princípios gerais da física já haviam sido descobertos e que apenas pequenos detalhes ainda precisavam de retoque. Kelvin ainda estava vivo quando, no início do século XX, Max Planck e Albert Einstein descobriram a mecânica quântica e a relatividade, os dois fundamentos da física atual. A anedota é certamente falsa, mas esse falso Kelvin foi vítima do que poderíamos chamar de falácia do fim do mundo: a tendência de acreditar, de uma maneira vagamente consciente, que o mundo culminou conosco, que testemunhamos tudo o que era importante durante a nossa vida e que depois nada notável deverá ocorrer, ainda que seja apenas por deferência ao falecido.
Não é difícil ver jovens hoje, ou ex-jovens, que vivem submersos na falácia do fim do mundo. Eles acreditam, por exemplo, que o mundo está dividido entre os nativos digitais e todos os outros, como se os sistemas eletrônicos utilizados hoje durassem para sempre, como se não soubessem que eles mesmos deixam de ser nativos com relação aos últimos algoritmos de aprendizagem de máquina e inteligência artificial. Eles nasceram cercados por uma tecnologia em crescimento exponencial e não perceberam o que isso significa para eles: que eles se tornarão obsoletos ainda mais rápido do que nós, os nativos analógicos. Como o falso lorde Kelvin, eles acreditam que tudo o que é importante já aconteceu durante a vida deles e que o mundo acabará com eles. Em uma singularidade, é claro, mas vai acabar. (A singularidade, de acordo com as tecnoprofetas, é o ponto de não retorno no qual as máquinas superam os seres humanos).
Um cientista atual pode acreditar que o mundo vai acabar. De acordo com os cálculos de Martin Rees, astrônomo real no Reino Unido e presidente da Royal Society de Londres, nossas chances de colonizar outro planeta antes de acabar com o nosso não excedem modestos 50%. Nossa subsistência como espécie depende literalmente de jogar uma moeda no ar. O que um cientista atual não pode acreditar é que o conhecimento está prestes a atingir seu ponto culminante. Ninguém pode pensar isso seriamente.
Tudo o que vemos é apenas 5% do que existe. Essa é a matéria comum, que constitui nossos corpos e nossas mentes, a natureza e a geologia da Terra, os planetas e as inúmeras estrelas no céu noturno. Outros 25% do que existe é a já famosa matéria escura, que ninguém sabe o que é, mas cuja existência somos forçados a aceitar devido aos seus efeitos gravitacionais. E os 70% restantes são a energia escura, que é ainda mais enigmática. De acordo com a cosmologia recente, essa é a energia que faz com que o cosmos se expanda rapidamente contra a gravidade gerada por todas suas galáxias, o que teria como consequência um processo de contração. Se mesmo 95% da realidade física mais fundamental é desconhecida, o que não ignoraremos sobre a evolução biológica e suas criaturas, o cérebro e as sociedades cerebrais? O mercado de ações, a ruína, a tristeza.
Os astrofísicos da metade do planeta estão, no barulho de seus laboratórios ou no profundo silêncio de suas sondas espaciais, determinados a lançar luz sobre a energia escura. Isso nunca vai acabar.