Por Ricardo Zorzetto
Publicado na Pesquisa FAPESP
Um mês após a identificação do primeiro caso de coronavírus no Brasil, em 25 de fevereiro, o país deve começar a viver uma segunda onda da epidemia. Se medidas de distanciamento social e redução de deslocamento não entrarem em funcionamento ou, se uma vez adotadas, não surtirem o efeito esperado, a infecção pode se espalhar rapidamente por um vasto trecho do litoral entre o Rio Grande do Sul e a Bahia, onde vive a maior parte da população. A previsão resulta de uma nova rodada de projeções sobre a disseminação do vírus SARS-CoV-2, causador da doença COVID-19, apresentada em 25 de março por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Fundação Getulio Vargas (FGV), ambas no Rio de Janeiro.
Em meados de março, o grupo, coordenado pelo físico Marcelo Ferreira da Costa Gomes, especialista em modelos de propagação de doenças, havia divulgado uma projeção de como o vírus se comportaria em uma fase inicial da epidemia. No primeiro trabalho, os pesquisadores analisaram o fluxo aéreo de pessoas que partiam do Rio de Janeiro e de São Paulo, as duas primeiras cidades a apresentaram transmissão sustentada, para outras capitais e municípios de grande porte. Também consideraram a movimentação de pessoas por via terrestre entre os grandes municípios, em que trabalham ou estudam, e os municípios menores, nos quais residem. Concluíram que, além de São Paulo e do Rio, outras sete capitais (Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Brasília, Recife e Salvador) e os municípios do Vale do Paraíba teriam transmissão do vírus.
“Acreditamos estar na iminência da segunda onda, porque os centros urbanos que tinham alta probabilidade de ter transmissão do vírus já estão apresentando casos de COVID-19”, relatou Gomes, da Fiocruz, por mensagem de WhatsApp, em 26 de março. No dia seguinte, o Brasil registrou 3.417 casos da infecção e 92 mortes. Além de São Paulo e do Rio, os mais afetados pela epidemia, outros sete estados acumulavam mais de 100 casos, quase sempre nas capitais.
Na segunda fase da epidemia, o risco de casos importados de outros países estabelecerem novos focos de transmissão continua a existir, mas ganha importância a dispersão regional, nos municípios mais conectados por via terrestre às capitais em que a transmissão já está estabelecida. Segundo os pesquisadores, nesse segundo momento prevê-se a disseminação para os municípios litorâneos de uma faixa que vai de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a Salvador, na Bahia, e nos municípios vizinhos das capitais na Paraíba, em Pernambuco e no Ceará (o terceiro estado com mais casos, 282, em 27 de março, segundo o Ministério da Saúde), além do entorno de Cuiabá, em Mato Grosso; de Goiânia, em Goiás; de Brasília, no Distrito Federal; e de Foz do Iguaçu, no Paraná (ver mapa). A dispersão por toda essa área pode ser mais rápida ou mais lenta, a depender da adoção de medidas de distanciamento e isolamento social e de quanto elas se mostrem eficazes.
Nas simulações mais recentes, os pesquisadores estimaram o efeito da restrição de viagens entre municípios e do distanciamento social para reduzir a disseminação do vírus. Eles verificaram que só se consegue retardar de modo significativo a chegada do vírus a esses municípios quando as duas medidas – restrição de deslocamento intermunicipal e diminuição do contato entre as pessoas – são tomadas em conjunto. O fator que mais contribuiu para reduzir a velocidade de disseminação do vírus foram o distanciamento e o isolamento sociais adotados em nível local. Sem distanciamento social, os primeiros casos surgem em um município de 5 a 20 dias depois da transmissão sustentada na capital – o menor prazo ocorre quando há uma redução de 30% nas viagens intermunicipais e o maior, quando a restrição é de 80%. O tempo aumenta para 27 a 70 dias quando um terço da população do município isola-se em casa.