Por Daniel Clery
Publicado na Science
Astrônomos e operadores de novas constelações de milhares de satélites em órbita terrestre baixa terão que trabalhar juntos para evitar que estes tenham um impacto devastador nas observações terrestres de planetas, estrelas e outros objetos celestes, segundo um relatório divulgado no dia 25 de agosto. Mesmo assim, não há como escapar de alguns prejuízos das frotas de orbitadores comerciais. “Todos os observatórios ópticos e infravermelhos serão afetados em algum grau”, disse o astrônomo Anthony Tyson, da Universidade da Califórnia em Davis (EUA), em um resumo sobre o relatório. “Nenhuma combinação de mitigação eliminará seu impacto”, acrescentou a astrônoma Connie Walker, do Laboratório Nacional de Pesquisa em Astronomia de Infravermelho Óptico dos EUA.
O relatório é o produto de um workshop virtual que reuniu 250 astrônomos, engenheiros e operadores de satélite no final de junho e início de julho. Os satélites, projetados para fornecer acesso à Internet em áreas remotas, agora chegam a centenas. Mas após o lançamento do primeiro lote pela SpaceX em maio de 2019, os astrônomos ficaram alarmados com o quão reluzentes eles aparecem no céu. Se todas as constelações de satélites planejadas forem lançadas, o número de satélites aumentará além de 100.000. Observatórios, já localizados em locais remotos para evitar a poluição luminosa, não terão como evitar seus efeitos, diz Phil Puxley, da Associação de Universidades para Pesquisa em Astronomia, EUA. “Não há como escapar deles”.
Desde o ano passado, houve uma série de estudos independentes sobre o possível impacto das constelações de satélites. Mas o relatório do workshop é a primeira vez que as empresas de satélites e aqueles que seriam afetados, desde astrônomos até as agências que os financiam e seus telescópios, juntam seus resultados e elaboram uma estratégia para o futuro.
Assim que os primeiros satélites Starlink da SpaceX entraram em órbita, os astrônomos rapidamente perceberam que o futuro Observatório Vera C. Rubin no Chile, previsto para iniciar as operações no próximo ano, seria o mais afetado. Com sua combinação de um amplo campo de visão e um espelho sensível de 8,4 metros, “é uma máquina perfeita para dar de cara com essas coisas”, diz Tyson, o cientista-chefe do projeto. Os rastros de satélite são muito brilhantes e ligeiramente desfocados, por isso são largos e cobrem vários pixels de imagens capturadas com uma versão de teste da câmera do Observatório Rubin, observa ele. “Isso complica a análise de dados e reduz a descoberta”.
Outros observatórios provavelmente serão menos afetados, mas o relatório do workshop, conhecido como Satellite Constellations 1, relata que os telescópios que precisam funcionar durante o crepúsculo também terão problemas. Como os satélites estão em órbitas baixas, eles frequentemente serão vistos próximos ao horizonte e serão mais visíveis quando ainda estiverem sob a luz do sol, ao mesmo tempo que essa luz não brilhe sobre o observador. As pesquisas por asteroides que potencialmente ameaçam a Terra e fenômenos astronômicos que se transformam rapidamente, como sinais visíveis de eventos de ondas gravitacionais, muitas vezes devem operar nessas condições.
Se, no entanto, os operadores de satélite escolherem órbitas acima de 600 quilômetros, a situação piora porque então suas espaçonaves ficam visíveis ainda mais pela noite, e no verão, pela noite toda. Uma operadora, a OneWeb, planejava usar órbitas de 1200 quilômetros. Embora a empresa tenha entrado em falência no início deste ano, há planos em andamento para que ela regresse. De acordo com Patrick Seitzer, da Universidade de Michigan em Ann Arbor (EUA), se a OneWeb lançar sua constelação completa de 47.000 fortes, a cada 30 segundos de exposição da Grande Nuvem de Magalhães, a maior galáxia satélite em torno da nossa Via Láctea, teria pelo menos uma luz do satélite nela.
Os participantes do workshop fizeram uma série de recomendações para reduzir o impacto das constelações, incluindo manter as órbitas abaixo de 600 quilômetros, reduzir a luz dos satélites ou controlar sua orientação no espaço para reduzir reflexos (algo que a SpaceX já está testando). Os astrônomos também devem desenvolver ferramentas de software para remover rastros de satélite das imagens, e as empresas devem disponibilizar dados orbitais precisos para seus orbitadores, para que os telescópios possam tentar evitá-los. A única medida que o relatório poderia oferecer para eliminar totalmente os danos à astronomia era lançar menos ou mesmo nenhum satélite de órbita baixa – provavelmente não é uma opção, dados os investimentos financeiros que as empresas estão fazendo nas constelações e o mercado lucrativo que preveem.
Tyson e seus colegas têm trabalhado com engenheiros da SpaceX para modificar seus satélites a fim de reduzir seus brilhos. “Exploramos todo o espaço de parâmetros permitido pela física”, diz ele. “Agora temos que descobrir qual é o mais eficaz”. Sua equipe também vêm tentando através de modelos orientar o telescópio do Observatório Rubin para evitar a passagem de satélites, mas Tyson diz que eles simplesmente são muitos. “Ele fica num beco sem saída. Você não pode evitá-los”. Os astrônomos já estão buscando ativamente soluções de processamento de imagem, mas, segundo ele ele, “ainda não temos respostas” em como isso pode ajudar.