Por Peter Dockrill
Publicado na ScienceAlert
A pandemia do coronavírus fez o mundo perceber o impacto dos vírus como nunca antes, mas novas evidências revelam que os humanos nunca percebem a vasta extensão da existência viral – mesmo quando eles estão dentro de nós.
Um novo projeto de banco de dados compilado por cientistas identificou mais de 140.000 espécies virais que moram no intestino humano – um catálogo gigante que é ainda mais impressionante porque metade desses vírus eram anteriormente desconhecidos da ciência.
Se dezenas de milhares de vírus recém-descobertos soam como algo preocupante, isso é completamente compreensível. Mas não devemos interpretar de forma errada o que esses vírus dentro de nós realmente representam, dizem os pesquisadores.
“É importante lembrar que nem todos os vírus são nocivos, mas representam um componente integrante do ecossistema intestinal”, explica o bioquímico Alexandre Almeida, do Instituto de Bioinformática do Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL-EBI) e do Instituto Wellcome Sanger.
“Essas amostras vieram principalmente de indivíduos saudáveis que não compartilhavam nenhuma doença específica”.
O novo catálogo de vírus – chamado Gut Phage Database (GPD; em português: Banco de Dados de Bacteriófagos do Intestino) – foi compilado através da análise de mais de 28.000 metagenomas individuais – registros publicamente disponíveis de sequenciamento de DNA de amostras de microbioma intestinal coletadas em 28 países – junto com quase 2.900 genomas de referência de bactérias intestinais cultivadas.
Os resultados revelaram 142.809 espécies virais que residem no intestino humano, constituindo um tipo específico de vírus conhecido como bacteriófago, que infecta bactérias, além de organismos unicelulares chamados arqueias.
No ambiente misterioso do microbioma intestinal – habitado por uma mistura diversa de organismos microscópicos, abrangendo bactérias e vírus – acredita-se que os bacteriófagos desempenhem um papel importante, regulando as bactérias e a saúde do próprio intestino humano.
“Bacteriófagos influenciam profundamente as comunidades microbianas ao funcionar como vetores de transferência horizontal de genes, codificando funções acessórias que beneficiam espécies bacterianas hospedeiras e promovendo interações coevolutivas dinâmicas”, escrevem os pesquisadores em seu novo estudo.
Por muito tempo, nosso conhecimento desse fenômeno foi afetado por limitações em nossa compreensão das espécies de bacteriófagos.
Nos últimos anos, novos avanços nas análises metagenômicas expandiram significativamente nossa consciência da variedade viral que estamos examinando aqui – com agora a imensa colaboração do Gut Phage Database, que os pesquisadores descrevem como uma “expansão massiva da diversidade de bacteriófagos do intestino humano”
“Até onde sabemos, este conjunto representa a coleção mais abrangente e completa de genomas de bacteriófagos intestinais humanos até hoje”, escrevem os autores do estudo.
“Ter um banco de dados abrangente de genomas de bacteriófagos de alta qualidade abre o caminho para uma infinidade de análises do viroma do intestino humano com uma resolução muito melhor, permitindo a associação de ramos virais específicos com fenótipos de microbioma distintos”.
O banco de dados já está atualizando o que sabemos sobre o comportamento viral.
A pesquisa mostra que mais de um terço (36 por cento) dos aglomerados virais identificados não se restringem a infectar uma única espécie de bactéria, o que significa que podem criar redes de fluxo gênico em espécies bacterianas filogeneticamente distintas.
Além disso, os pesquisadores encontraram 280 aglomerados virais distribuídos globalmente, incluindo um ramo recém-identificado, chamado Gubafago, que parece ser o segundo ramo de vírus mais prevalente no intestino humano, seguindo do que é conhecido como grupo crAss-fago.
Dadas certas semelhanças entre os dois, os pesquisadores inicialmente pensaram que o Gubafago poderia pertencer a uma família de vírus semelhantes ao crAss-fago, antes de determinar que os ramos eram, de fato, distintos.
Ainda há muito a aprender, e não apenas sobre o Gubafago, pois há mais uma infinidade de vírus dos quais jamais ousamos sonhar. Graças a esforços de pesquisa como este, as descobertas do futuro estão mais próximas e novas compreensões virão mais rápido.
“A pesquisa de bacteriófagos está atualmente passando por um renascimento”, disse o microbiologista Trevor Lawley, do Instituto Wellcome Sanger.
“Este catálogo de alta qualidade e grande escala de vírus do intestino humano chega na hora certa para servir como um modelo para orientar a análise ecológica e evolutiva em estudos futuros do viroma”.
Os resultados são relatados na Cell.