Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert
Em um mapa do céu de raios gama – a radiação eletromagnética de maior energia fluindo pelo nosso Universo – 14 objetos podem estar escondendo um grande segredo.
Em uma nova análise das propriedades dessa radiação, uma equipe de astrofísicos determinou que ela é consistente com o que esperaríamos de estrelas feitas de antimatéria – objetos hipotéticos conhecidos como antiestrelas.
Cada partícula de matéria que compõe as coisas que vemos ao nosso redor – como elétrons e quarks – tem uma contraparte com características idênticas, exceto por uma coisa: uma carga oposta. Pensa-se que partículas e antipartículas foram produzidas em quantidades iguais no início do Universo.
Quando uma partícula e sua antipartícula colidem, elas se aniquilam em uma explosão de radiação gama, o que sugere que elas ainda deveriam existir em quantidades iguais (ou nada existiria de fato, se formos pensar no copo meio vazio), mas por alguma razão, apenas vestígios de antimatéria foram detectados.
Nós meio que nos acostumamos com a ideia de que praticamente nenhuma antimatéria “original” permanece no Universo. Os físicos desenvolveram modelos e explicações com base nessa suposição, ou seja, tem fundamentação enorme.
Então veio o experimento do Espectrômetro Magnético Alpha (AMS-02) a bordo da Estação Espacial Internacional. Alguns anos atrás, ele fez detecções experimentais de antihélio – uma descoberta que, se validada, significa que antipartículas fundamentais suficientes poderiam ter permanecido para se aglomerar em átomos inteiros de antimatéria.
Mas onde? De acordo com uma equipe de astrônomos liderados por Simon Dupourqué no Institut de Recherche en Astrophysique et Planétologie na França, talvez ela esteja se escondendo na forma de antiestrelas na Via Láctea.
Como as antiestrelas se comportariam de maneira muito semelhante às estrelas normais, elas seriam muito difíceis de detectar – a menos que a matéria normal, como poeira interestelar, se acumulasse na superfície da estrela, onde seria aniquilada pela antimatéria da estrela.
Por sua vez, isso produziria um excesso de raios gama em energias específicas que, teoricamente, poderíamos detectar.
Não detectamos o aumento da aniquilação de raios gama na radiação cósmica de fundo (que é a radiação que sobrou do Big Bang), ou em mapeamentos de raios gama da Via Láctea. Para o estudo, Dupourqué e sua equipe se concentraram em 10 anos de dados do Telescópio Espacial Fermi de raios gama, examinando de perto as 5.787 fontes de raios gama para procurar sinais do que poderia ser a aniquilação matéria-antimatéria.
Eles procuraram especificamente por assinaturas de raios gama consistentes com a aniquilação de prótons-antiprótons, bem como uma geometria pontual na própria fonte – isto é, que parece uma estrela. Das 5.787 fontes, apenas 14 poderiam ser consideradas candidatas a antiestrelas.
Não é muito provável que esses 14 objetos sejam antiestrelas; eles poderiam facilmente revelar-se emissores de raios gama conhecidos, como pulsares ou buracos negros. Mas eles nos fornecem um ponto de partida para estimar o número de antiestrelas que podem estar escondidas na Via Láctea.
Simulando os processos de acreção na antiestrela e assumindo que as antiestrelas têm propriedades semelhantes às estrelas normais, a equipe derivou um limite superior para este número. No disco da Via Láctea, apenas 2,5 estrelas em cada milhão poderiam ser antiestrelas.
Fora do disco da Via Láctea, no halo galáctico, poderia ser uma história muito diferente. O espaço acima e abaixo do disco é muito mais vazio de gás e poeira, o que significa que há menos material para acumular em qualquer antiestrela potencial.
Sem o acréscimo de matéria normal, essas antiestrelas não emitiriam um excesso de raios gama e escapariam mais facilmente da detecção em mapeamentos de raios gama; na verdade, elas poderiam estar se escondendo desde o início do Universo.
De acordo com os cálculos da equipe, é improvável que haja qualquer antiestrela próxima do Sistema Solar. Isso significa que a fonte do antihélio provavelmente seria uma população desses halo antiestelares.
Você também deve ter notado que 2,5 em 1 milhão de estrelas não chega nem perto das proporções iguais de antimatéria e matéria – portanto, a descoberta de estrelas de antimatéria não resolveria o problema da antimatéria ausente.
Na verdade, isso provavelmente levantaria uma questão mais confusa de como aglomerados de antimatéria conseguiram sobreviver quando cercados por um material que poderia eliminá-los em um flash de luz.
O trabalho da equipe visa fornecer delimitações novas e mais rígidas sobre o número de antiestrelas que podem estar disponíveis, para que o trabalho futuro tenha uma base melhor para trabalhar na tentativa de entender onde e como as antipartículas podem ser encontradas na Via Láctea.
E continuar monitorando esses 14 candidatos ajudará a determinar se eles são antiestrelas ou algo mais mundano, como um pulsar ou um buraco negro.
O que pode ser uma das únicas vezes em que a palavra “mundano” pode se aplicar a esses objetos estranhos.
A pesquisa foi publicada na Physical Review D.