Por David Nield
Publicado na ScienceAlert
A Peste de Justiniano se espalhou pelo oeste da Eurásia entre os séculos 6 e 8 d.C., significando o primeiro surto conhecido de peste bubônica nesta parte do mundo.
De acordo com uma nova análise de textos antigos e dados genéticos, seu impacto foi muito mais severo do que alguns estudos recentes sugeriram.
Certos estudiosos acham que essa ‘primeira pandemia’ pode ter matado até metade da população da região do Mediterrâneo na época, ajudando a derrubar o Império Romano.
Enquanto isso, outros historiadores argumentam que as consequências foram muito menos significativas e sugerem que o surto pode não ter tido mais impacto do que a gripe na sociedade moderna de hoje.
O que nos traz a este último estudo. O historiador Peter Sarris, da Universidade de Cambridge, diz que historiadores e arqueólogos precisam trabalhar em conjunto com geneticistas e cientistas ambientais para compreender totalmente o escopo e a escala dos surtos de doenças antigas – incluindo, neste exemplo específico, a chegada da peste bubônica.
“Alguns historiadores permanecem profundamente hostis em relação a fatores externos como as doenças como tendo um grande impacto no desenvolvimento da sociedade humana, e o ‘ceticismo da praga’ tem recebido muita atenção nos últimos anos”, disse Sarris.
Sarris aponta para uma série de pistas que mostram o impacto devastador da Peste de Justiniano, incluindo uma enxurrada de medidas de crise na legislação aprovada entre os anos 542 e 545 d.C., quando a população declinou, seguida por uma redução na legislação quando a pandemia se consolidou.
Uma lei aprovada em 542 destinada a apoiar o setor bancário da economia imperial, por exemplo, foi descrita como tendo sido escrita em meio à “presença envolvente da morte” por Justiniano. Outras leis da época pretendiam evitar a exploração de trabalhadores durante o que parecia ser uma grave escassez de mão de obra.
Além do mais, uma série de moedas de ouro leves foram emitidas, representando a primeira redução no valor da moeda de ouro em séculos – algo que teria sido visto como uma legislação bancária de emergência na época. O grande peso das moedas de cobre que circulavam em Constantinopla foi reduzido na mesma época.
Esses sinais são mais significativos do que os exemplos citados por outros historiadores, argumentou Sarris. Alguns estudos usam as menções relativamente raras da peste na literatura antiga como evidência de que seus efeitos não foram tão generalizados ou prejudiciais à sociedade.
“Testemunhar a praga em primeira mão obrigou o historiador contemporâneo Procópio a romper com sua vasta narrativa militar para escrever um relato angustiante sobre a chegada da praga a Constantinopla que deixaria uma impressão profunda nas gerações subsequentes de leitores bizantinos”, disse Sarris. “Isso é muito mais revelador do que o número de palavras relacionadas à peste que ele escreveu. Diferentes autores, escrevendo diferentes tipos de texto, concentraram-se em diferentes temas, e suas obras devem ser lidas de acordo”.
Sarris também destaca a crescente quantidade de evidências de DNA mostrando até que ponto a peste bubônica se espalhou durante esse tempo – até Edix Hill, na Inglaterra, de acordo com uma análise genética de 2018 de um cemitério, em um caso mencionado na pesquisa.
Análises de DNA como essa são um método muito mais confiável de descobrir para onde a praga se espalhou, disse Sarris, em comparação com folhear textos antigos. Também pode lançar uma nova luz sobre as rotas que a doença percorreu pela Europa à medida que se espalhou.
Neste caso particular, a doença pode ter se espalhado para a Inglaterra através dos países Bálticos e Escandinavos, chegando lá antes de atingir o Mediterrâneo – e dando aos historiadores uma nova compreensão de como essa ‘primeira pandemia’ evoluiu.
“Temos muito a aprender como nossos antepassados responderam às doenças epidêmicas e como as pandemias afetaram as estruturas sociais, a distribuição da riqueza e os modos de pensar”, disse Sarris. “O aumento da evidência genética levará a direções que mal podemos antecipar, e os historiadores precisam ser capazes de responder de forma positiva e imaginativa, em vez de encolher os ombros defensivamente”.
A pesquisa foi publicada na Past & Present.