Traduzido por Julio Batista
Original de Mike McRae para o ScienceAlert
A função efetiva do agente anticoagulante varfarina envolve o cálculo cuidadoso de cada dose. Muito pouco, e pode ser ineficaz. Muito, e há o risco de sangramento incontrolável.
De acordo com um estudo recente, aqueles de nós que compartilham genes específicos com um de nossos primos hominídeos mais próximos, os neandertais, podem achar esse ato de equilíbrio um pouco mais desafiador.
A descoberta dos pesquisadores de que as variantes das enzimas responsáveis pela repartição de produtos farmacêuticos como varfarina, ibuprofeno e estatinas para baixar o colesterol têm origens tão antigas pode ajudar a explicar por que nem todos reagimos aos mesmos medicamentos da mesma maneira.
“Este é um caso em que a relação com os neandertais tem um impacto direto na clínica. Caso contrário, as doses terapêuticas podem ser tóxicas para os portadores da variante do gene neandertal”, disse o pesquisador principal do estudo, o geneticista evolutivo Hugo Zeberg, do Instituto Karolinska da Suécia.
Os avanços no sequenciamento genético revelaram até que ponto nossos ancestrais diretos – aqueles que vagaram por todos os cantos do globo ao longo de dezenas de milhares de anos – pararam para criar famílias com grupos anteriores de migrantes ao longo do caminho.
O legado de genes transmitidos por essa relação ainda não foi totalmente apreciado, embora, ano após ano, os pesquisadores descubram pistas de como os genes que evoluíram em populações há muito tempo perdidas podem contribuir para diferenças em nossa própria biologia.
Em muitos casos, essas variações podem ser bastante triviais. Mas quando se trata de como uma forma ancestral de enzima ou canal de proteína afeta nossa saúde, pode ser importante saber o máximo possível sobre sua evolução.
CYP2C9 é um gene que codifica o citocromo P450, uma superfamília de enzimas no fígado encarregadas de repartir uma ampla gama de medicamentos que comumente usamos para tratar qualquer coisa, desde inflamação até epilepsia.
Ele também vem em uma variedade de formas sutilmente diferentes, cada uma o resultado de uma das 20 abordagens únicas na codificação do CYP2C9.
É claro que algumas dessas variações na estrutura fazem um trabalho melhor na metabolização de produtos farmacêuticos do que outras, o que significa que a versão do CYP2C9 que você herda pode determinar por quanto tempo sua dose de medicamento permanece em seu corpo.
Na verdade, um tipo, chamado CYP2C9*2, é 70% menos ativo do que a variante do gene CYP2C9*1 mais comum, o que significa que os portadores de CYP2C9*2 podem metabolizar alguns medicamentos mais lentamente.
CYP2C9*2 parece aparecer com bastante frequência com outras variantes classificadas como CYP2C8*3, especialmente em indivíduos das mesmas famílias. Isso não seria tão estranho, se não fosse pelo fato de estarem separados por dezenas de milhares de bases de DNA.
Sabendo que outros exemplos de variantes de genes comumente em pares espalhados em nossos cromossomos têm suas raízes em genomas neandertais, Zeberg e seus colegas compararam as sequências retiradas de 146 famílias para ver o quanto elas variavam de trechos de código semelhantes em bancos de dados genéticos representando outros populações modernas e ancestrais.
Eles descobriram que o trecho de DNA contendo as duas variantes do gene do citocromo que codificam o citocromo P450 estava próximo o suficiente da versão do Neandertal que os dois genes quase certamente foram transmitidos em uma mistura de nossas linhagens familiares dezenas de milhares de anos atrás.
Os pesquisadores observam que essa descoberta pode não fazer uma grande diferença na forma como tratamos indivíduos com medicamentos como varfarina ou estatinas. Os especialistas já estão atentos ao modo como processamos medicamentos exigentes, usando exames de sangue frequentes para garantir que as dosagens sejam mantidas dentro de limites razoáveis.
No entanto, rastrear as origens de variações em enzimas tão importantes pode nos dar uma melhor apreciação do ambiente em que elas evoluíram, adicionando contexto que nos ajuda a entender a diversidade de saúde que vemos hoje.
Esta pesquisa foi publicada no The Pharmacogenomics Journal.