Traduzido por Julio Batista
Original de Matt Williams para o Universe Today
Na próxima década, em 2033, a NASA e a China pretendem enviar astronautas a Marte pela primeira vez na história. Isso apresenta vários desafios, desde questões logísticas e técnicas até garantir que os astronautas possam lidar com resíduos e tenham comida e água suficientes para o trânsito de meses de e para Marte.
Mas, claro, há também a saúde e a segurança dos astronautas, que passarão meses viajando pelo espaço onde serão expostos à radiação cósmica e à microgravidade.
Existem até preocupações de que, após meses de exposição à microgravidade, os astronautas tenham problemas para se adaptar à gravidade marciana.
Para determinar se esses medos têm base, uma equipe de especialistas em medicina espacial da Universidade Nacional da Austrália (ANU) desenvolveu um modelo matemático para prever se os astronautas podem viajar com segurança para Marte e cumprir suas funções assim que chegarem ao Planeta Vermelho.
Este modelo pode ser imensamente valioso ao lado de todos os outros preparativos que precisam acontecer antes dos astronautas pisarem em Marte. Também poderia ser usado para avaliar o impacto de missões de curta e longa duração que levam os astronautas muito além da órbita terrestre baixa (LEO, na sigla em inglês) e do sistema Terra-Lua no futuro.
O paper que descreve seu modelo matemático e conclusões apareceu recentemente na npj Microgravity, uma revista científica publicada pela Nature.
A equipe de pesquisa foi liderada pelo Dr. Lex van Loon, pesquisador da Faculdade de Saúde e Medicina da ANU (CHM). Como ele e seus colegas observam em seu estudo, os riscos potenciais para missões com destino a Marte são numerosos, mas a maior ameaça é sem dúvida o tempo que os astronautas passarão na microgravidade.
Combinada com a radiação prejudicial do Sol e fontes cósmicas, a experiência causará mudanças fundamentais em seus corpos.
Com base em extensa pesquisa realizada a bordo da Estação Espacial Internacional (EEI), a microgravidade é conhecida por causar perda de densidade muscular e óssea e afetar a função dos órgãos, a visão e o sistema cardiopulmonar – o coração e sua capacidade de bombear sangue através do sistema de artérias do corpo e veias.
Como Van Loon descreveu em um comunicado de imprensa da ANU, sua pesquisa não é apenas essencial por causa das missões propostas a Marte, mas também para o crescente setor espacial comercial:
“Sabemos que leva cerca de seis a sete meses para viajar para Marte e isso pode fazer com que a estrutura de seus vasos sanguíneos ou a força de seu coração mudem devido à falta de peso experimentada como resultado da viagem espacial de gravidade zero.
Com o surgimento de agências de voos espaciais comerciais como Space X e Blue Origin, há mais espaço para pessoas ricas, mas não necessariamente saudáveis, irem ao espaço, então queremos usar modelos matemáticos para prever se alguém está apto a voar para Marte.”
A co-autora Dra. Emma Tucker, astrofísica e especialista em medicina de emergência, acrescentou que a exposição prolongada à gravidade zero pode tornar o coração preguiçoso porque não precisa trabalhar tanto para superar a gravidade e bombear sangue por todo o corpo.
“Quando você está na Terra, a gravidade está puxando o fluido para a metade inferior do nosso corpo, e é por isso que algumas pessoas percebem que suas pernas começam a inchar no final do dia.
Mas quando você vai para o espaço, a atração gravitacional desaparece, o que significa que o fluido se desloca para a metade superior do seu corpo e isso desencadeia uma resposta que engana o corpo ao pensar que há muito fluido.
Como resultado, você começa a ir muito ao banheiro, começa a se livrar do líquido extra, não sente sede e não bebe tanto, o que significa que você fica desidratado no espaço.”
É por isso, disse Tucker, que os astronautas que retornam da EEI são vistos desmaiando quando pisam na Terra novamente ou precisam ser transportados em cadeiras de rodas.
Quanto mais tempo permanecerem no espaço, maior a probabilidade de entrarem em colapso quando retornarem à Terra e mais difícil será o processo de reajuste à gravidade da Terra.
No caso do Estudo dos Gêmeos da NASA, Mark Kelly passou mais de um ano em órbita e experimentou dores terríveis, inchaço e outros sintomas em seu retorno (como ele descreveu em seu livro Endurance: A Year in Space, a Lifetime of Discovery).
Quando se trata de missões com destino a Marte, há a complicação adicional imposta pelo atraso nas comunicações entre a Terra e Marte. Dependendo do alinhamento do Sol, da Terra e de Marte, esses atrasos podem durar até 20 minutos, o que significa que os astronautas devem poder desempenhar suas funções sem assistência imediata dos controladores de missão ou equipes de suporte (o que inclui emergências médicas).
Como Van Loon explicou:
“Se um astronauta desmaiar quando sair da espaçonave pela primeira vez ou se houver uma emergência médica, não haverá ninguém em Marte para ajudá-lo.
É por isso que devemos ter certeza absoluta de que o astronauta está apto para voar e poderá se adaptar ao campo gravitacional de Marte.
Eles devem ser capazes de operar de forma eficaz e eficiente com o mínimo de suporte durante os primeiros minutos cruciais.”
Seu modelo se baseia em um algoritmo de aprendizado de máquina baseado em dados de astronautas coletados de expedições anteriores a bordo da EEI e das missões Apollo para simular os riscos associados à viagem a Marte.
Os testes mostraram que ele pode simular as principais alterações hemodinâmicas cardiovasculares após voos espaciais prolongados e sob diferentes condições de carga gravitacional e de fluido. E os resultados são encorajadores, pois indicam que os astronautas podem operar após meses passados em microgravidade.
Embora o modelo atual seja informado por dados derivados de astronautas de meia-idade e bem treinados, os pesquisadores esperam expandir suas capacidades para incluir dados de voos espaciais comerciais.
Em última análise, seu objetivo é criar um modelo que possa simular o impacto de viagens espaciais prolongadas em indivíduos relativamente não-saudáveis com doenças cardíacas pré-existentes (em outras palavras, civis não treinados). Eles esperam que este modelo forneça uma imagem mais holística do que aconteceria se uma pessoa “cotidiana” viajasse para o espaço.
Outros refinamentos poderiam ser feitos para incorporar problemas de saúde relacionados à idade, o que faria sentido, dado o número de celebridades que voaram para o espaço recentemente (Wally Funk, William Shatner, Laura Shepard, Richard Branson, etc.).
Quem sabe? Talvez seja possível simular os efeitos da exposição prolongada à microgravidade nas crianças e no desenvolvimento fetal. Esta pesquisa é crucial se quisermos enviar humanos para a Lua, Marte e outros destinos para viver algum dia.