Traduzido por Julio Batista
Original de Andrew Curry para a Science
Cerca de 3.000 anos atrás, milhares de guerreiros lutaram nas margens do rio Tollense, no norte da Alemanha. Eles empunhavam armas de madeira, pedra e bronze com resultados mortais: na última década, arqueólogos desenterraram os restos mortais de centenas de pessoas enterradas em solo pantanoso. É um dos maiores conflitos pré-históricos já descobertos.
Agora, testes genéticos dos esqueletos revelam a terra natal dos guerreiros – e revela um choque sobre as primeiras dietas europeias: esses soldados não conseguiam digerir leite fresco.
Procurando mais informações sobre a batalha, os pesquisadores sequenciaram o DNA de 14 dos esqueletos. Eles descobriram que os guerreiros eram todos vindos da Europa central – o que hoje é a Alemanha, a Polônia e a República Tcheca. Infelizmente, sua semelhança genética oferece poucas informações sobre por que eles lutaram.
“Estávamos esperando encontrar dois grupos diferentes de pessoas com diferentes origens étnicas, mas não”, disse o coautor do estudo Joachim Burger, geneticista da Universidade Johannes Gutenberg de Mainz. “Foi decepcionantemente chato.”
No entanto, dois dos 14 esqueletos eram de mulheres, sugerindo um cenário mais complexo do que os arqueólogos haviam reconstruído.
O estudo, publicado na revista Cell Biology, também trouxe uma surpresa diferente. Nenhum dos guerreiros tinha a mutação genética que permite aos adultos digerir o leite, uma habilidade conhecida como persistência da lactase que é comum em muitos europeus
Outros estudos mostraram que a persistência da lactase era comum em partes da Alemanha por volta de 500 d.C., e disseminada por toda a região por volta de 1000 d.C.. Portanto, o gene deve ter se espalhado antes dessa época, mas após a batalha apenas 2.000 anos antes. Isso significa que, em cerca de 100 gerações, a mutação penetrou em populações de toda a Europa. “Essa é a seleção mais forte encontrada no genoma humano”, disse Burger.
A descoberta só aprofunda o mistério da persistência da lactase. Em um estudo de 2007, Burger mostrou que os primeiros agricultores da Europa, vivendo há mais de 8.000 anos, também não eram persistentes em lactase. Na época, ele argumentou que a mutação se espalhou gradualmente junto com o desenvolvimento da agricultura e da pecuária, uma teoria apoiada por sinais de ordenha e fabricação de queijo e iogurte na Idade da Pedra na Europa. As pessoas capazes de digerir leite, disseram o argumento, seriam capazes de obter mais calorias de seus rebanhos do que aquelas sem, e mais de seus filhos sobreviveriam para transmitir o gene.
Mas os esqueletos de Tollense mostram que pelo menos mais 6.000 anos se passaram antes que o gene da persistência da lactase dominasse. Os resultados do DNA também anulam a teoria, proposta pela primeira vez em 2015, de que o gene para a persistência da lactase foi importado para a Europa Ocidental por volta de 5000 a.C. por nômades pastores de vacas das estepes da moderna Ucrânia e Rússia, o povo Yamnaya.
Os resultados deixam os cientistas mais intrigados do que nunca sobre exatamente quando e por que os europeus começaram a beber leite. “A deriva genética natural não pode explicar isso, e também não há evidências de que tenha sido a rotatividade da população”, disse Christina Warinner, geneticista da Universidade Harvard e do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana, que não esteve envolvida no estudo. “É quase embaraçoso que este seja o exemplo mais forte de seleção que temos e não podemos explicar isso.”
Talvez algo sobre o leite fresco tenha ajudado as pessoas a evitar doenças nas cidades e vilas europeias cada vez mais populosas e infestadas de patógenos da Idade do Ferro e do período romano, especulou Burger. Mas ele admite que também está perplexo. “Temos que encontrar uma razão pela qual você precisa desta bebida.”