Traduzido por Julio Batista
Original de Evan Gough para Universe Today
A Terra é cerca de 29% de terra e 71% de oceanos. Quão significativa é essa mistura para a habitabilidade? O que isso nos diz sobre a habitabilidade de exoplanetas?
Existem muito poucos lugares na Terra onde a vida não tem um ponto de apoio. Múltiplos fatores contribuem para a habitabilidade geral do nosso planeta: água líquida abundante, placas tectônicas, composição do volume, proximidade do Sol, magnetosfera, etc.
Qual é o papel da proporção de oceanos em relação à terra?
Nossa compreensão da habitabilidade é bastante rudimentar neste ponto, embora seja baseada em evidências. Contamos com a zona habitável em torno das estrelas para localizar exoplanetas potencialmente habitáveis. É um fator fácil de verificar a grande distância e se baseia no potencial de água líquida dos planetas.
Ainda estamos desenhando um quadro maior e mais detalhada da habitabilidade e sabemos que coisas como placas tectônicas, composição do volume, magnetosfera, composição e pressão atmosférica e outros fatores desempenham um papel na habitabilidade.
Mas e quanto à proporção de oceanos em relação à terra de um planeta?
Um novo estudo examina essa proporção em detalhes. O estudo é “Land Fraction Diversity on Earth-like Planets and Implications for their Habitability” (Diversidade de porção de terra em planetas semelhantes à Terra e implicações para sua habitabilidade, na tradução livre). O paper foi submetido à revista Astrobiology e está disponível no site de pré-publicação arxiv.org. Ainda não foi revisado por pares.
Os autores são Dennis Höning e Tilman Spohn. Höning é do Instituto de Pesquisa do Impacto Climático de Potsdam, na Alemanha, onde se concentra na relação entre a física planetária e as ciências do sistema terrestre.
Spohn é o Diretor Executivo do Instituto Internacional de Ciências Espaciais em Berna, Suíça. Spohn também foi o principal investigador do instrumento de escavação do módulo de pouso InSight, o Heat Flow and Physical Properties Package (HP3 – Pacote de Fluxo de Calor e de Propriedades Físicas, na tradução livre).
As placas tectônicas e fatores relacionados estão na raiz do problema. A tectônica de placas é o movimento das placas continentais na superfície da Terra enquanto elas se movem sobre o manto.
A tectônica de placas ainda é uma área ativa de pesquisa e, mesmo com tudo o que aprendemos, ainda há muito que os cientistas não sabem.
Um dos fatores críticos na tectônica de placas é o princípio da “correia transportadora”. O princípio diz que, à medida que as placas são subduzidas de volta ao manto nos limites convergentes das placas, uma nova crosta oceânica é criada nos limites divergentes, chamada expansão do fundo do mar. O resultado é que a relação terra-oceano da Terra permanece consistente.
Com essa proporção permanecendo consistente, outros fatores também permanecem consistentes. E se esses fatores encorajam a biosfera, isso é bom para a habitabilidade. Uma dessas coisas são os nutrientes.
A terra exposta está sujeita ao intemperismo, que move os nutrientes ao redor do globo. As plataformas continentais da Terra são áreas biologicamente ricas. Uma razão é que todo o escoamento de nutrientes dos continentes acaba nas plataformas. Assim, os continentes e suas plataformas contêm a maior parte da biomassa da Terra, enquanto há muito menos biomassa no oceano profundo.
O calor é outro fator nas placas tectônicas e na habitabilidade. Os continentes agem como um cobertor sobre o manto, ajudando a Terra a reter o calor. Mas esse efeito cobertor é moderado pelo esgotamento dos elementos radioativos no manto.
O decaimento radioativo de elementos como o urânio no manto cria calor que é retido pelo efeito cobertor dos continentes.
Ao mesmo tempo, a renovação da crosta por meio da tectônica traz mais desses elementos para a crosta, onde seu calor é eliminado com mais eficiência.
O ciclo do carbono da Terra também é crítico para sustentar a vida. Esse ciclo é afetado pelas placas tectônicas e também pela relação terra-oceano. O desgaste dos continentes remove o carbono da atmosfera aproximadamente em equilíbrio com o carbono emitido do manto pelos vulcões.
Depois, há o conteúdo de água no manto. Mais água no manto reduz a viscosidade do manto, definida como uma forma de resistência ao fluxo. O conteúdo de água do manto faz parte de um ciclo de feedback com a temperatura do manto. Quanto mais água entra no manto, mais facilmente ela flui. Isso aumenta a convecção, que libera mais calor do manto.
Como explica o paper, todos esses fatores estão relacionados, geralmente em ciclos de feedback.
Todos esses fatores e outros se combinam na Terra para criar uma habitabilidade robusta. Se a proporção de terra para água da Terra fosse inclinada para mais terra, o clima seria muito mais seco e grandes porções dos continentes poderiam ser desertos frios e secos, e a biosfera poderia não ser grande o suficiente para produzir uma atmosfera rica em oxigênio.
Por outro lado, se houvesse muito mais água, pode haver falta de nutrientes do intemperismo continental. Essa falta de nutrientes também impede uma biosfera grande o suficiente para produzir a atmosfera rica em oxigênio necessária para uma vida complexa e uma biosfera mais rica.
Há uma quantidade extraordinária de características na tectônica da Terra e é impossível modelar tudo. Especialmente porque os cientistas não chegaram a um consenso sobre muitas das características. Muito disso está escondido dos pesquisadores. Eles ainda não têm evidências suficientes para tirar conclusões sólidas.
Este estudo contou com modelagem científica para entender como os planetas têm diferentes proporções de terra para oceano.
Höning e Spohn modelaram os três principais processos que criam a relação terra-oceano: crescimento da crosta continental, troca de água entre os reservatórios na superfície e acima dela (oceanos, atmosfera) e no manto, e resfriamento por convecção do manto.
Como mostra o paper:
“Esses processos estão ligados através da convecção do manto e da tectônica de placas com:
- derretimento e vulcanismo relacionados à zona de subducção e erosão continental sob o regimento do crescimento dos continentes
- desgaseificação da água do manto por vulcanismo e regaseificação por subducção sob o regimento do balanço hídrico
- transferência de calor através da convecção do manto regendo a evolução térmica.”
Os autores chegaram a uma conclusão fundamental: “… a propagação da cobertura continental em planetas semelhantes à Terra é determinada pelas respectivas forças de feedback positivo e negativo no crescimento continental e pela relação entre cobertura térmica e esgotamento de isótopos radioativos no crescimento da crosta continental”, escreveram eles.
“A incerteza nesses valores de parâmetros representa a principal incerteza no modelo.”
Esses ciclos de feedback estarão presentes em qualquer planeta com atividade tectônica e água. A força relativa desses ciclos é difícil de quantificar. Provavelmente, há um número desconcertante de fatores em jogo na população de exoplanetas.
Nenhum pesquisador pode modelar cada fator, mas esta pesquisa se resume aos ciclos de feedback entre todos os fatores e se eles são positivos ou negativos.
Um forte feedback negativo “… levaria a uma evolução amplamente independente das condições iniciais e da história inicial do planeta, o que implicaria um único valor atual estável da área da superfície continental”, concluíram.
Fortes ciclos de feedback positivo criam resultados diferentes, no entanto. “Para um feedback positivo forte, no entanto, o resultado da evolução pode ser bem diferente, dependendo das condições iniciais e do histórico inicial”, escreveram eles.
A questão é: esses mesmos ciclos de feedback moldam os exoplanetas? Os exoplanetas com placas tectônicas também podem atingir um equilíbrio entre a cobertura terrestre e oceânica? Será que um planeta com aproximadamente o tamanho da Terra e com uma distribuição de calor semelhante acabará semelhante à Terra, com sua estabilidade que permite a vida?
Em primeiro lugar, a pesquisa mostra que planetas terrestres e planetas oceânicos são possíveis, o que não deveria ser uma surpresa. E, claro, sabemos que planetas mistos como a Terra são possíveis.
Em um paper anterior, a mesma dupla de autores concluiu que os planetas terrestres são o resultado mais provável. O próximo resultado mais provável são os planetas oceânicos.
Os autores apontam que há incertezas em todo esse trabalho, é claro, e que há falta de dados. Ainda assim, seu trabalho ajuda a esclarecer os mecanismos que criam diferentes proporções de terra para oceano nos planetas.
“Nossa discussão visa fornecer uma melhor compreensão qualitativa dos processos de feedback; admitimos a falta de dados para uma compreensão detalhada das diferenças quantitativas”, escreveram eles.
Outros pesquisadores também abordaram essa questão. Um estudo de 2015 analisou planetas em torno de estrelas anãs-M, o tipo mais comum de estrela na Via Láctea, e onde provavelmente encontraremos mais exoplanetas.
Esse estudo encontrou “… uma distribuição bimodal semelhante da área de terra emergida, com a maioria dos planetas tendo sua superfície totalmente coberta com água ou com significativamente menos água superficial do que a Terra”, escreveram os autores.
Esse estudo, no entanto, analisou outros fatores e não se concentrou apenas no crescimento continental.
O que esse estudo significa para a Terra? Como podemos responder à questão do começo: “Qual é a melhor mistura de oceanos e terra para um planeta habitável?”
Por mais antropocêntrico ou terracêntrico que possa parecer, podemos estar vivendo da resposta.