Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert
Uma análise dos resíduos de cerâmica encontrados em uma antiga oficina de embalsamamento nos deu novas perspectivas sobre como os antigos egípcios mumificavam seus mortos.
Ainda mais surpreendente, uma equipe de cientistas conseguiu vincular diferentes substâncias às partes específicas do corpo em que foram usadas.
Essa descoberta se deve, em parte, aos próprios resíduos, que foram estudados por meio de técnicas biomoleculares; mas muitos dos recipientes estavam intactos, incluindo não apenas os nomes de seus conteúdos, mas também as instruções para seu uso.
“Conhecemos os nomes de muitos desses ingredientes de embalsamamento desde que os antigos escritos egípcios foram decifrados”, disse a arqueóloga Susanne Beck, da Universidade de Tubinga, na Alemanha, em comunicado à imprensa.
“Mas até agora, só poderíamos adivinhar quais substâncias estavam por trás de cada nome.”
A oficina fazia parte de todo um complexo funerário em Sacará, Egito, que foi descoberto por uma equipe conjunta germano-egípcia em 2018, datando da 26ª Dinastia Saite, entre 664–525 a.C.
Os bens funerários recuperados eram espetaculares, incluindo múmias, canopos contendo seus órgãos e estatuetas ushabti, para servir aos mortos em sua vida após a morte.
E lá estava a oficina, cheia de potes de cerâmica, copos medidores e tigelas, cuidadosamente rotulados de acordo com seu conteúdo ou uso.
Liderados pelo arqueólogo Maxime Rageot, da Universidade de Tubinga, os pesquisadores realizaram um exame minucioso de 31 desses potes, usando cromatografia gasosa e espectrometria de massa para determinar os ingredientes dos materiais de embalsamamento neles contidos.
Os resultados detalhados são fascinantes e, em alguns casos, completamente inesperados.
“A substância rotulada pelos antigos egípcios como antiu há muito tempo era traduzida como mirra ou incenso. Mas agora conseguimos mostrar que na verdade é uma mistura de ingredientes amplamente diferentes”, explicou Rageot no comunicado.
Esses ingredientes eram óleo de cedro, óleo de zimbro ou cipreste e gordura animal, descobriu a equipe, embora a mistura possa variar de lugar para lugar e de tempos em tempos.
A equipe também comparou as instruções inscritas em alguns dos recipientes com seus conteúdos para determinar como cada mistura foi usada. As instruções incluíam “colocar na cabeça”, “enfaixar ou embalsamar com ela” e “tornar seu odor agradável”.
Oito potes diferentes tinham instruções sobre o tratamento da cabeça do falecido; resina de pistache e óleo de rícino eram dois ingredientes que só apareciam nesses potes, muitas vezes em uma mistura que continha outros elementos, como resina de elemi, óleo vegetal, cera de abelha e óleos de árvores.
Gordura animal e resina de Burseraceae foram usadas para lidar com o cheiro do corpo em decomposição, e gordura animal e cera de abelha foram usadas para tratar a pele no terceiro dia de tratamento. Óleos de árvores ou alcatrões, juntamente com óleo vegetal ou gordura animal, poderiam ser usados para tratar as bandagens usadas para envolver a múmia, encontradas em mais oito potes.
Ainda mais fascinante é o que essas misturas podem revelar sobre o comércio global da época.
Pistache, óleo de cedro e betume provavelmente foram todos provenientes do Levante, na costa leste do Mediterrâneo.
No entanto, o elemi e outra resina chamada dammar vêm de muito mais longe: o elemi cresce tanto na África subsaariana quanto no sudeste da Ásia, mas a árvore que produz dammar só cresce no sudeste da Ásia.
Portanto, é possível que essas duas resinas tenham viajado pela mesma rota comercial para o Egito, observaram os pesquisadores em seu paper, sugerindo que um grande esforço foi feito para obter os ingredientes específicos usados para o embalsamamento. Isso possivelmente desempenhou um papel significativo no estabelecimento de redes comerciais globais.
Enquanto isso, o trabalho da equipe nas 121 tigelas e potes recuperados na oficina continua.
“Graças a todas as inscrições nos potes, no futuro seremos capazes de decifrar ainda mais o vocabulário da química egípcia antiga que não entendíamos suficientemente até o momento”, disse o arqueólogo Philipp Stockhammer, da Universidade Ludwig Maximilian de Munique, na Alemanha, no comunicado.
A escavação do complexo do túmulo foi liderada pelo arqueólogo Ramadan Hussein, da Universidade de Tubinga, que infelizmente faleceu no ano passado, antes que o trabalho pudesse ser concluído.
A pesquisa foi publicada na Nature.