Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert
O tiranossauro pode não ter estado preparado para um boa e velha beijoca, mas os dentes do dinossauro não estavam expostos como os de um jacaré; em vez disso, eles se protegiam atrás de um par de lábios de lagarto.
Esse é o resultado de um trabalho investigando os dentes e ossos de répteis e dinossauros, presentes e passados, finalmente resolvendo um debate de longa data na paleontologia. Os paleoartistas agora podem completar os sorrisos do T. rex e seus primos terópodes com lábios finos e escamosos, e os paleontólogos podem entender melhor os ossos que esses dinossauros deixaram para trás.
“Os artistas de dinossauros estavam incertos sobre os lábios desde que começamos a restaurar dinossauros durante o século 19, mas os dinossauros sem lábios se tornaram mais proeminentes nas décadas de 1980 e 1990. Eles estavam profundamente enraizados na cultura popular por meio de filmes e documentários – Jurassic Park e suas sequências, Walking with Dinosaurs, e assim por diante”, explicou o paleontólogo e paleoartista Mark Witton, da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido.
“Curiosamente, nunca houve um estudo ou descoberta dedicada instigando essa mudança e, em grande medida, provavelmente refletiu a preferência por uma nova estética de aparência feroz, em vez de uma mudança no pensamento científico. Estamos derrubando essa representação popular cobrindo seus dentes com lábios semelhantes a lagartos. Isso significa que muitas de nossas representações favoritas de dinossauros estão incorretas, incluindo o icônico T. rex de Jurassic Park.
A maioria dos fósseis de dinossauros que recuperamos, incluindo o grupo de terópodes que inclui o T. rex, estão incompletos, consistindo principalmente de ossos. A pele de dinossauro raramente é preservada, e a que obtemos geralmente é irregular e incompleta. Sabemos, pela pele preservada do T. rex, que esses dinossauros eram escamosos em vez de emplumados, mas os mínimos detalhes são impossíveis de determinar a partir dessas amostras.
Assim, uma equipe internacional de pesquisadores liderada pelo paleobiólogo Thomas Cullen, da Universidade de Auburn, nos Estados Unidos, procurou o recurso que temos: os ossos.
Seu trabalho consistiu em uma análise comparativa detalhada das diferenças nos dentes e ossos do crânio de répteis com e sem lábios, incluindo lagartos-monitores, iguanas marinhas e jacarés. Eles estudaram a estrutura dentária, os padrões de desgaste e as mandíbulas de vários répteis desses grupos e montaram o conjunto de características de cada um.
Em seguida, eles aplicaram esse entendimento aos fósseis, não apenas de terópodes como o T. rex, mas também dos primeiros crocodilianos extintos. E eles descobriram que a anatomia da boca do T. rex era muito mais próxima da dos répteis com lábios.
“É notável como os dentes de terópodes são semelhantes aos dos lagartos-monitores. Desde o menor lagarto-monitor anão até o dragão-de-komodo, os dentes funcionam da mesma maneira”, explicou o paleontólogo Derek Larson, do Museu Real da Colúmbia Britância, no Canadá.
“Portanto, os lagartos-monitores podem ser comparados de forma bastante favorável com animais extintos, como os dinossauros terópodes, com base nessa semelhança de função, mesmo que não sejam parentes próximos”.
Em particular, os padrões de desgaste nos dentes dos répteis sem lábios diferem significativamente dos dos dinossauros carnívoros. Os dentes dos crocodilianos tendem a ser mais facilmente danificados durante lutas e alimentação, uma característica ligada à falta de proteção contra a saliva em uma boca fechada. Os dentes dos dinossauros do estudo da equipe não apresentavam desgaste compatível com esse tipo de dano.
E embora os dentes do T. rex fossem maiores que os dos répteis modernos, esse tamanho era proporcional aos de nossos lagartos predadores atuais quando se considera o tamanho de seus crânios em relação aos dentes.
“Embora tenha sido argumentado no passado que os dentes dos dinossauros predadores podem ser grandes demais para serem cobertos pelos lábios, nosso estudo mostra que, na verdade, seus dentes não eram atipicamente grandes”, disse Cullen.
“Mesmo os dentes gigantes dos tiranossauros são proporcionalmente semelhantes em tamanho aos dos lagartos predadores vivos quando comparados ao tamanho do crânio, rejeitando a ideia de que seus dentes eram grandes demais para serem cobertos com os lábios”.
A forma do crânio e os modelos de computador animados do crânio também mostram que a mandíbula do T. rex teria dificuldade em fechar totalmente sem os lábios.
Juntas, essas informações parecem implicar que o T. rex tinha uma boca fechada sobre os dentes, completa com lábios finos e escamados. Estes não teriam sido móveis e musculosos, como os lábios dos mamíferos, mas teriam ajudado a proteger os dentes do dinossauro, e que – pelo menos nesse aspecto – o T. rex era mais parecido com lagartos labiados do que com jacarés ou pássaros.
É uma descoberta que tem implicações importantes para nossa compreensão de como essas feras viviam suas vidas: como suas mandíbulas funcionavam, como comiam e como caçavam. Por exemplo, dentes mais resistentes a danos ao atingir ossos podem significar que os dinossauros foram capazes de mastigar mais de suas presas do que se seus dentes fossem mais quebradiços.
E temos outra peça do quebra-cabeça “como o T. rex realmente se parecia“.
“Alguns consideram que não temos noção da aparência dos dinossauros além de características básicas como o número de dígitos das mãos e pés”, disse Witton.
“Mas nosso estudo, e outros semelhantes, mostram que temos um controle cada vez melhor sobre muitos aspectos da aparência dos dinossauros. Longe de sermos ignorantes, agora estamos em um ponto em que podemos dizer: ‘Oh, ele não tem lábios? Ou um certo tipo de escama ou pena? Então essa é uma descrição tão realista dessa espécie quanto um tigre sem listras”.
A pesquisa foi publicada na Science.