Traduzido por Julio Batista
Original de Daniel Lawler (AFP) para o ScienceAlert
Cientistas disseram na segunda-feira que encontraram uma maneira de usar varreduras cerebrais e modelagem de inteligência artificial para transcrever “a essência” do que as pessoas estão pensando, no que foi descrito como um passo em direção à leitura da mente.
Embora o principal objetivo do decodificador de linguagem seja ajudar as pessoas que perderam a capacidade de se comunicar, os cientistas estadunidenses reconheceram que a tecnologia levanta questões sobre “privacidade mental”.
Com o objetivo de amenizar tais temores, eles fizeram testes mostrando que seu decodificador não poderia ser usado em ninguém que não tivesse permitido que ele fosse treinado em sua atividade cerebral por longas horas dentro de um scanner de ressonância magnética funcional (fMRI).
Pesquisas anteriores mostraram que um implante cerebral pode permitir que pessoas que não podem mais falar ou escrever soletrarem palavras ou até mesmo frases.
Essas “interfaces cérebro-computador” concentram-se na parte do cérebro que controla a boca quando ela tenta formar palavras.
Alexander Huth, neurocientista da Universidade do Texas em Austin, EUA, e coautor de um novo estudo, disse que o decodificador de linguagem de sua equipe “funciona em um nível muito diferente”.
“Nosso sistema realmente funciona no nível das ideias, da semântica, do significado”, disse Huth em entrevista coletiva online.
É o primeiro sistema capaz de reconstruir a linguagem contínua sem um implante cerebral invasivo, de acordo com o estudo publicado na revista Nature Neuroscience.
‘Mais profundo que a linguagem
Isso permitiu que os pesquisadores mapeassem como palavras, frases e significados provocavam respostas nas regiões do cérebro conhecidas por processar a linguagem.
Eles alimentaram esses dados em um modelo de linguagem de rede neural que usa GPT-1, o antecessor da tecnologia de IA posteriormente implantado no imensamente popular ChatGPT.
O modelo foi treinado para prever como o cérebro de cada pessoa responderia ao discurso percebido e, em seguida, restringiria as opções até encontrar a resposta mais próxima.
Para testar a precisão do modelo, cada participante ouviu uma nova história na máquina de fMRI.
O autor principal do estudo, Jerry Tang, disse que o decodificador poderia “recuperar a essência do que o usuário estava ouvindo”.
Por exemplo, quando a participante ouviu a frase “ainda não tenho carteira de motorista”, o modelo voltou com “ela ainda nem começou a aprender a dirigir”.
O decodificador teve dificuldades com pronomes pessoais como “eu” ou “ela”, admitiram os pesquisadores.
Mas mesmo quando os participantes inventaram suas próprias histórias – ou assistiram a filmes mudos – o decodificador ainda foi capaz de captar a “essência”, disseram eles.
Isso mostrou que “estamos decodificando algo que é mais profundo do que a linguagem e, em seguida, convertendo-o em linguagem”, disse Huth.
Como a varredura de fMRI é muito lenta para capturar palavras individuais, ela coleta uma “aglomeração confusa de informações em alguns segundos”, disse Huth.
“Assim podemos ver como a ideia evolui, mesmo que as palavras exatas se percam.”
Advertência ética
David Rodriguez-Arias Vailhen, professor de bioética da Universidade de Granada, na Espanha, não envolvido na pesquisa, disse que o experimento foi além do que havia sido alcançado pelas interfaces cérebro-computador anteriores.
Isso nos aproxima de um futuro em que as máquinas são “capazes de ler mentes e transcrever pensamentos”, disse ele, alertando que isso pode ocorrer contra a vontade das pessoas, como quando elas estão dormindo.
Os pesquisadores anteciparam tais preocupações.
Eles fizeram testes mostrando que o decodificador não funcionava em uma pessoa se já não tivesse sido treinado em sua própria atividade cerebral particular.
Os três participantes também conseguiram frustrar facilmente o decodificador.
Ao ouvir um dos podcasts, os usuários foram instruídos a contar até sete, nomear e imaginar animais ou contar uma história diferente em sua mente. Todas essas táticas “sabotaram” o decodificador, disseram os pesquisadores.
Em seguida, a equipe espera acelerar o processo para que possam decodificar as análises cerebrais em tempo real.
Eles também pediram regulamentos para proteger a privacidade mental.
“Até agora, nossa mente tem sido a guardiã de nossa privacidade”, disse o bioeticista Rodriguez-Arias Vailhen.
“Esta descoberta pode ser um primeiro passo para comprometer essa liberdade no futuro.”