A perda de memória causada pela doença de Alzheimer e outras formas de demência poderá em breve ser tratável sem medicamentos, com estimulação elétrica não cirúrgica do cérebro, sugere uma nova pesquisa.
Um ensaio bem-sucedido em adultos jovens saudáveis confirmou que a técnica pode melhorar a memória, e os pesquisadores iniciaram agora ensaios em pessoas com Alzheimer precoce.
Este tratamento indolor e não invasivo denominado “interferência temporal” utiliza campos elétricos de múltiplas frequências para estimular neurônios no hipocampo, uma região profunda do cérebro envolvida na formação, armazenamento e recuperação de memórias.
“Com a nossa nova técnica demonstramos pela primeira vez que é possível estimular remotamente regiões específicas nas profundezas do cérebro humano sem necessidade de cirurgia”, afirma o neurocientista Nir Grossman, do Imperial College London.
“Isso abre um caminho inteiramente novo de tratamento para doenças cerebrais como a doença de Alzheimer, que afetam estruturas cerebrais profundas”.
Nossos neurônios se comunicam por meio de sinais elétricos. Entre os seus processos complexos, o Alzheimer tem impacto nesta comunicação entre os neurônios do hipocampo, inseridos nas profundezas do lobo temporal do cérebro.
A estimulação cerebral profunda é uma forma de corrigir esses desequilíbrios da atividade elétrica e pode potencialmente tratar doenças cerebrais como o Alzheimer. Como um marcapasso para o cérebro, os eletrodos implantados podem monitorar a atividade e transportar pequenas correntes elétricas para regiões com defeito.
O transtorno obsessivo-compulsivo e os distúrbios do movimento como o Parkinson já são tratados com estimulação cerebral profunda. Mas o procedimento cirúrgico para implantar os eletrodos é arriscado, dificultando a pesquisa de sua utilidade em outras condições cerebrais.
“Até agora, se quiséssemos estimular eletricamente estruturas profundas no interior do cérebro, precisávamos implantar eletrodos cirurgicamente”, explica Grossman, “o que obviamente traz riscos para o paciente e pode levar a complicações”.
Na interferência temporal, campos elétricos de alta frequência são enviados ao cérebro por meio de eletrodos fixados na parte externa do couro cabeludo.
Dois campos elétricos, um a 2.000 Hz e outro a 2.005 Hz, são direcionados para se sobreporem (interferirem) no lobo temporal, criando uma corrente diferencial de baixa frequência a 5 Hz. Esta corrente está na mesma faixa de frequência da atividade neural na aprendizagem e na memória.
Os campos elétricos de baixa frequência de 5 Hz atuam no hipocampo, tornando mais fácil para as células coordenarem as atividades necessárias para criar memórias.
“A capacidade de atingir seletivamente áreas profundas do cérebro usando uma abordagem não invasiva é muito emocionante, pois fornece uma ferramenta para investigar como o cérebro humano funciona e abre possibilidades para aplicações clínicas”, diz a primeira autora, a neurocientista Ines Violante, da Universidade de Surrey.
Antes de tentar atingir remotamente o hipocampo com campos elétricos, os pesquisadores usaram experimentos cerebrais post-mortem e modelagem computacional para confirmar que isso era possível.
Em seguida, usaram estimulação de interferência temporal em 20 voluntários sem sintomas de Alzheimer enquanto memorizavam conjuntos de rostos e nomes, uma tarefa que requer extensa atividade do hipocampo.
A ressonância magnética funcional (fMRI) mostrou que a interferência temporal apenas alterou as partes do hipocampo ativadas pela tarefa de memória.
Eles repetiram o processo em outros 21 voluntários por 30 minutos completos, e ficou claro que a interferência temporal durante a tarefa melhorou o desempenho da memória.
Os participantes do estudo eram em sua maioria jovens, com idade média de 20 anos. No entanto, outro novo estudo validou a técnica numa área profunda diferente do cérebro, o corpo estriado, e os participantes nesse ensaio incluíram 15 adultos mais velhos com idades entre os 61 e os 71 anos, também sem sintomas de Alzheimer.
“Estamos agora testando se o tratamento repetido com estimulação ao longo de vários dias poderia beneficiar as pessoas nos estágios iniciais da doença de Alzheimer”, diz Grossman.
Participantes com idades entre 50 e 100 anos com comprometimento cognitivo leve e provavelmente doença de Alzheimer não genética em estágio inicial foram incluídos no novo estudo.
Os cientistas estão cruzando os dedos para que a corrente de 5 Hz possa reviver neurônios doentes no hipocampo. Eles esperam que isso repare os danos causados pelo Alzheimer nas mitocôndrias da região – os geradores de energia das células.
“O conhecimento desses processos e como eles podem ser alterados é fundamental para desenvolver melhores estratégias individualizadas para tratar ou retardar o aparecimento de doenças”, afirma Violante.
Grossman acrescenta: “Esperamos que este trabalho ajude a aumentar a disponibilidade de terapias de estimulação cerebral profunda, reduzindo drasticamente custos e riscos”.
Traduzido por Mateus Lynniker de ScienceAlert