Considerada a atenção dada ao aumento dos níveis de dióxido de carbono e metano, é fácil esquecer que o bom e velho vapor de água também é um importante gás do efeito de estufa. Ele pode permanecer durante anos na estratosfera, por exemplo, absorvendo o calor da superfície terrestre e reemitindo-o de volta. E, de acordo com um estudo de 2010 [1], um possível salto na quantidade de água na estratosfera durante a década de 1990 pode ter aumentado o aquecimento global em até 30% durante esse período. Mas, e se pudéssemos impedir que a água chegasse até lá?
Esta é a ideia por trás de uma nova técnica de geoengenharia proposta na Science Advances [2]. Selecionando o ar ascendente e úmido e semeando-o com partículas formadoras de nuvens antes mesmo dele cruzar o limite entre troposfera e estratosfera, os geoengenheiros poderiam resfriar o planeta com uma intervenção muito mais delicada do que outras propostas. O “ressecamento” da estratosfera pode precisar de apenas 2 quilogramas de material por semana, disse Shuka Schwarz, principal autor do estudo e físico pesquisador do Laboratório de Ciências Químicas da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA). “Esta é uma quantidade de material que ajuda a abrir a mente para imaginar um monte de possibilidades.”
A “desidratação estratosférica intencional”, como é chamada, seria capaz de resfriar o clima apenas moderadamente, compensando cerca de 1,4% do aquecimento causado pelo aumento do dióxido de carbono nas últimas centenas de anos. Mas para geoengenheiros que antes falavam sobre resfriar o planeta carregando a estratosfera com milhares de toneladas de partículas refletoras, “é claramente um salto”, diz Ulrike Lohmann, física atmosférica do ETH Zürich. “É algo que pode dar certo.”
O esquema baseia-se num fato fundamental: apenas alguns lugares no mundo [3] são suficientemente quentes para gerar as poderosas correntes ascendentes necessárias para elevar o ar para a estratosfera, que começa entre 9 e 17 quilômetros acima da superfície, dependendo da latitude. O mais importante destes “elevadores” encontra-se acima do Oceano Pacífico equatorial ocidental, numa região aproximadamente do tamanho da Austrália.
Ao longo de sua jornada ascendente, grande parte da água se condensa em nuvens e chove, saindo da atmosfera. Mas na última década, a NASA usou um drone a jato de alta altitude para estudar as camadas frias logo abaixo da estratosfera e encontrou muitas massas de ar úmidas o suficiente para formar nuvens, mas carentes de partículas que permitiriam que a umidade se condensasse em gelo, cristais e, finalmente, chuva. “É uma questão de sorte se a água chegará a este ponto mais frio da sua viagem e se sobrarão núcleos de nuvens suficientes para fazer qualquer coisa”, diz Schwarz. Os estudos da NASA também descobriram que esta umidade estava concentrada: 1% das massas de ar estudadas contavam com 50% da água com possibilidade de chegar à estratosfera.
Usando um modelo simplificado, a equipe simulou a injeção de triiodeto de bismuto, um composto não tóxico que tem sido utilizado em estudos laboratoriais de nucleação de gelo, neste 1% de áreas mais propensas para o transporte de vapor de água. Em um cenário otimista, eles descobriram que apenas 2 quilogramas por semana de “sementes” com 10 nanômetros de diâmetro seriam suficientes para converter essas massas de ar úmido em nuvens. Tal quantidade poderia ser pulverizada por balões ou drones, sem a necessidade de aviões.
Daniel Cziczo, químico atmosférico da Universidade Purdue, diz que a ideia é interessante, mas pode apresentar riscos. Se as sementes falharem em formar nuvens no local certo e se deslocarem para outros lugares, elas poderão acelerar a formação dos tipos errados de nuvens: nuvens cirrus finas e espalhadas, que refletem pouca luz solar, mas absorvem o calor infravermelho da superfície, diz Cziczo. “Basicamente, você está explorando uma técnica que pode ter um efeito de aquecimento em vez de resfriamento.”
Mark Schoeberl, cientista atmosférico da Corporação de Ciência e Tecnologia que identificou anteriormente a corrente estratosférica no Pacífico [4], concorda com a necessidade de mais estudos. “Queremos evitar consequências indesejadas e fazer uma avaliação realista e honesta do custo de implementação.” A técnica provavelmente não será eficaz durante o ano inteiro, acrescenta, porque a maior parte da água que atinge a estratosfera o faz durante as estações das monções asiáticas. E quanta redução da água estratosférica é necessária para resfriar a superfície ainda é um número incerto, diz ele.
Schwarz ponderou a ideia por um tempo, ciente da controvérsia que rodeia todas as propostas para ajustar o planeta para compensar o aquecimento antropogênico. Mas, agora que o Congresso dos EUA determinou que a NOAA pesquise a geoengenharia solar, “o estigma sobre considerar intervenção climática diminuiu um pouco”, diz ele. “Dois anos atrás, eu teria hesitado bastante em considerar essas possibilidades.”
Referências:
- Susan Solomon et al. ,Contributions of Stratospheric Water Vapor to Decadal Changes in the Rate of Global Warming. Science 327, 1219-1223 (2010). https://doi.org/10.1126/science.1182488
- Joshua P. Schwarz et al. ,Considering intentional stratospheric dehydration for climate benefits. Sci. Adv. 10, eadk0 593 (2024), https://doi.org/10.1126/sciadv.adk0593
- Fueglistaler, S. et al., Tropical tropopause layer, Rev. Geophys., 47, RG1004 (2009), https://doi.org/10.1029/2008RG000267.
- Schoeberl, M. R. e Dessler, A. E.: Dehydration of the stratosphere, Atmos. Chem. Phys., 11, 8433–8446 (2011), https://doi.org/10.5194/acp-11-8433-2011
Tradução e adaptação de matéria publicada por Paul Voosen no portal Science.org em 28 de fevereiro de 2024.