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A neurociência do baixo

Publicado na Open Culture

No limite mais baixo da audição, é dito que humanos podem ouvir sons em torno de 20 Hz, abaixo disso encontramos um reino sonoro obscuro chamado “infrassom”, em que os elefantes e toupeiras escutam. Mas, apesar de não podermos ouvir nessas baixas frequências, podemos senti-las em nossos corpos, como fazemos muitos sons nos intervalos mais baixos de frequência – aqueles que tendem a desaparecer quando bombeadas por fones de ouvido e alto-falantes de shopping centers. Como os sons do baixo não estimulam nossos ouvidos como instrumentos de alta frequência, tais como trompetes e guitarras, nós tendemos a menosprezar esses instrumentos – e os baixistas – que operam na extremidade inferior do espectro audível (você conhece algum músico famoso que toque trombone?).

Na música mais popular, os baixistas não recebem crédito suficiente, mesmo quando o baixo promove um gancho essencial na música. Como o baixista do Led Zeppelin, John Paul Jones, brincou na cerimônia de premiação do Rock And Roll Hall of Fame de 1995 “obrigado por lembrarem do meu número de telefone”. E agora, como escreve Tom Barnes, “há muitas evidências científicas de que os baixistas são os membros mais vitais de qualquer banda… está na hora de tratarmos os baixistas com o respeito que eles merecem”. Pesquisas sobre a importância dos sons de baixa frequência explicam por que os baixos na maioria das vezes tocam as partes rítmicas e deixam os solos para os instrumentos mais agudos. Esse fenômeno não é exclusivo do rock, funk, jazz, dance ou hip-hop. Músicas de diversas culturas são compostas dessa forma, diz a psicóloga Laurel Trainor, diretora do Instituto de Música e Mente da Universidade McMaster. Da música tradicional do leste da Índia a música Gamelan de Java e Bali, o padrão se repete, o que sugere uma origem inata.

Trainor e seus colegas publicaram recentemente um estudo no Procedings Of National Academy of Sciences sugerindo que percepções do tempo são muito mais acuradas em frequências baixas, enquanto que nossa habilidade de distinguir mudanças no tom se dá muito melhor nas altas frequências, o que explica por que, escreve na Nature, “saxofonistas e guitarristas fazem solos frenéticos” e por que baixistas tendem a tocar poucas notas. Essas descobertas são consistentes com a física das ondas sonoras. Para chegar a essa conclusão, Trainor e sua equipe pediram para voluntários tocarem notas agudas e graves ao mesmo tempo. Os participantes estavam conectados a um eletroencefalograma que media a atividade cerebral responsável pela percepção dos sons. Os psicólogos encontraram que “o cérebro era melhor em detectar quando um tom grave ocorria 50 MS antes em comparação com um tom agudo ocorrendo 50 MS antes”.

O título do trabalho sumariza perfeitamente o encontrado: “Percepção de tempo superior dos tons musicais graves explicam por que instrumentos de baixo estabelecem ritmos musicais”. Em outras palavras, diz Trainor, “há bases psicológicas para fazermos música da forma que fazemos. Virtualmente, todas as pessoas responderão melhor a batida quando ela é conduzida por instrumentos de frequência inferior”. O cientista cognitivo da Universidade de Viena, Tecumseh Fitch, se pronunciou sobre o estudo de Trainor e coautores, como “uma hipótese plausível sobre por que o baixo desempenha um papel crucial na percepção rítmica”. Ele também diz, escreve Nature:

“Para o ouvinte, as notas de baixo são mais profundas que aquelas usadas nesse teste, as pessoas também podem sentir a ressonância nos seus corpos, não somente escutar pelos seus ouvidos, nos ajudando a manter o ritmo. Por exemplo, quando uma pessoa surda dança, ela pode seguir o baixo e dançar muito bem, ele diz, então eles podem literalmente ‘sentir a batida’ pela ressonância do tronco.”

Instrumentos de baixo não somente mantém o tempo, mas também desempenha um papel na estrutura harmônica e melódica da música. Em 1880, um livro-texto acadêmico de música informa os leitores que “a parte do baixo…é, de fato, a fundação sobre a qual a melodia reside e sem ela não pode haver melodia”. Era verdade naquela época – quando os precursores acústicos do baixo elétrico e amplificadores provinham o fundo grave – como é verdade agora. E o baixo usualmente define a nota base de um acorde, independente do que os outros instrumentos estão fazendo. Um baixista “controla a harmonia” assim como ancora a melodia. Parece que a importância dos baixistas, embora negligenciada nas apreciações mais populares da música, não pode ser exagerada.

Riis Rhavia Assis Bachega

Riis Rhavia Assis Bachega

Riis Rhavia Assis Bachega possui graduação em física pela Universidade Federal do Pará (UFPA), mestrado em Cosmologia pela Universidade de São Paulo (USP) e atualmente é doutorando dessa mesma universidade.