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A primeira imagem de um buraco negro agora é um filme

Por Davide Castelvecchi
Publicado na Nature

A histórica primeira imagem de um buraco negro revelada no ano passado agora foi transformada em um filme. A curta sequência de quadros mostra como a aparência dos arredores do buraco negro muda ao longo dos anos, conforme sua gravidade agita o material ao seu redor em um turbilhão incessante.

As imagens mostram uma bolha de luz assimétrica girando em torno do buraco negro supermassivo no centro da galáxia M87. Para gerar essas imagens, a colaboração do Event Horizon Telescope (EHT; em português: Telescópio de Horizonte de Eventos) – que aproveita uma rede de observatórios ao redor do mundo – exumou dados antigos sobre o buraco negro e os combinou com um modelo matemático baseado na imagem divulgada em abril de 2019, para mostrar como o arredores evoluíram ao longo de oito anos. Embora dependa em parte de suposições, o resultado fornece aos astrônomos uma rica visão do comportamento dos buracos negros, cuja intensa gravidade suga a matéria e a luz ao seu redor.

Uma série de imagens construídas a partir de dados observacionais e modelos matemáticos mostram a evolução do buraco negro no centro da galáxia M87 de 2009 a 2017. Créditos: Event Horizon Telescope / Nature.

“Como o fluxo de matéria que cai em um buraco negro é turbulento, podemos ver que o anel oscila com o tempo”, disse o autor principal Maciek Wielgus, um radioastrônomo da Universidade Harvard em Cambridge, Massachusetts.

O trabalho, que apareceu no dia 23 de setembro no The Astrophysical Journal, oferece uma amostra do que a equipe pode ser capaz de fazer em um futuro próximo, à medida que suas técnicas forem aprimoradas. “Em alguns anos, pode realmente começar a se parecer com um filme”, diz Wielgus.

Anel oscilante

A imagem do buraco negro que a colaboração do EHT revelou no ano passado chegou às primeiras páginas dos jornais de todo o mundo. Ela mostra o M87*, o buraco negro supermassivo no centro da galáxia M87, a cerca de 17 megaparsecs (55 milhões de anos-luz) de distância. Os pesquisadores construíram a imagem combinando sinais de radiofrequência que coletaram de observatórios em toda a Terra durante duas noites em abril de 2017. Essa façanha foi comparada a determinar a forma de uma rosquinha na superfície da Lua da Terra.

Embora embaçada, a imagem correspondeu às previsões da teoria da relatividade geral de Albert Einstein sobre como deveria ser os arredores imediatos de um buraco negro. Em particular, forneceu aos pesquisadores a primeira evidência direta da sombra de um horizonte de eventos, a superfície do “ponto de não-retorno” que separa um buraco negro de seus arredores. Este disco mais escuro estava contra um anel de luz emitido pela matéria superaquecida fora do horizonte de eventos.

Surpreendentemente, um lado do anel parecia mais brilhante. Isso era esperado, devido a uma combinação de vários efeitos na dinâmica complexa em torno de um buraco negro. Em particular, a matéria que cai no espaço vazio deve espiralar em alta velocidade na parte de fora do equador do buraco negro, formando o que os astrofísicos chamam de disco de acreção. O aspecto assimétrico tem a ver em parte com o efeito Doppler: do lado do disco que gira em direção ao observador, o movimento da matéria potencializa a radiação, fazendo com que ele pareça mais brilhante; o oposto acontece no lado que recua na direção do observador.

Revisitando dados

Com base nesses resultados, Wielgus queria voltar e olhar os dados mais antigos dos telescópios EHT para ver se poderia reinterpretá-los, usando a imagem de 2017 como um guia. O EHT vinha observando o M87* desde 2009, inicialmente usando telescópios em apenas três locais. Conforme a equipe adicionou mais observatórios à rede EHT, a qualidade das observações melhorou. Em 2017, a colaboração envolveu oito observatórios que abrangeram o globo do Havaí e Chile à Europa, alcançando pela primeira vez o nível em que o EHT poderia produzir uma imagem real.

Os dados mais antigos consistiam em quatro grupos, coletados em 2009, 2011, 2012 e 2013, dois dos quais permaneceram inéditos. “Até certo ponto, eles foram esquecidos, porque todos estavam super animados com os dados de 2017”, diz Wielgus. Com um grupo de outros pesquisadores do EHT, ele reanalisou os dados e concluiu que eram consistentes com os resultados dos dados de 2017, incluindo a presença de um disco escuro e um anel claro. E embora, por si só, os lotes de dados de 2009-2013 não tivessem resolução suficiente para produzir imagens, a equipe foi capaz de gerar imagens sintéticas para cada um dos anos, combinando os dados limitados disponíveis com um modelo matemático do buraco negro construído a partir dos dados de 2017.

E os resultados revelaram conter mais informações do que Wielgus esperava. Como na imagem de 2017, eles revelaram que um lado do anel era mais brilhante do que o outro – mas o ponto brilhante mudou. Isso pode ter ocorrido porque diferentes regiões do disco de acreção tornaram-se mais brilhantes ou mais escuras, o que pode aumentar ou às vezes até anular o brilho do efeito Doppler.

Disco dinâmico

Isso não era inesperado, dizem os autores: embora o buraco negro M87* em si não mude de ano para ano, o ambiente ao seu redor muda. Em uma escala de várias semanas, campos magnéticos fortes passam a agitar o disco de acreção e produzir pontos mais quentes que orbitam o buraco negro. Em 2018, uma equipe separada relatou evidências de uma bolha de gás quente circulando Sagitário A*, o buraco negro central da Via Láctea, ao longo de cerca de 1 hora. Como o M87*, com 6,5 bilhões de vezes a massa do Sol, é mais de 1.000 vezes o tamanho de Sagitário A*, a dinâmica em torno de M87* leva mais tempo para se desenvolver.

A colaboração do EHT tenta observar M87* e Sagitário A* todos os anos, no final de março ou início de abril. É quando as condições meteorológicas são mais propensas a serem boas simultaneamente nos vários locais de sua rede. O projeto de 2020 teve que ser abandonada devido às restrições devido à pandemia da COVID-19, mas a equipe espera ter outra chance em 2021. Se tudo correr bem, mais observatórios – incluindo um na Groenlândia e um na França – se juntarão ao empenho.

A equipe também espera que o projeto do próximo ano inclua suas primeiras observações globais usando radiação de comprimento de onda mais curtp. Embora seja mais desafiador ver através da atmosfera da Terra, isso melhoraria a resolução das imagens do EHT. “Chegaríamos ainda mais perto dessa sombra do buraco negro e obteríamos imagens mais nítidas”, disse Sara Issaoun, membra do EHT, radioastrônoma da Universidade Radboud em Nijmegen, Holanda.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.