Por Paul Voosen
Publicado na Science
Com o passar dos anos, os níveis do mar aumentaram e diminuíram com as temperaturas – mas a superfície total da água da Terra sempre foi considerada constante. Agora, crescem as evidências de que cerca de 3 bilhões a 4 bilhões de anos atrás, os oceanos do planeta continham quase o dobro de água – o suficiente para submergir os continentes de hoje acima do pico do Monte Everest. A inundação poderia ter preparado o movimento das placas tectônicas e dificultado o início da vida terrestre.
Acredita-se que as rochas no manto de hoje, a espessa camada de rocha abaixo da crosta, sequestram uma enorme quantidade de água de um oceano ou mais em suas estruturas minerais. Mas no início da história da Terra, o manto, aquecido pela radioatividade, era quatro vezes mais quente. Trabalhos recentes usando prensas hidráulicas mostraram que muitos minerais seriam incapazes de reter tanto hidrogênio e oxigênio nas temperaturas e pressões do manto. “Isso sugere que a água deve ter estado em outro lugar”, disse Junjie Dong, um estudante de pós-graduação em física mineral na Universidade de Harvard que liderou uma modelagem, baseado nesses experimentos de laboratório, que foi publicado hoje na AGU Advances. “E o reservatório mais provável é a superfície”.
O estudo faz sentido intuitivamente, disse Michael Walter, um petrólogo experimental do Instituto Carnegie. “É uma ideia simples que pode ter implicações importantes”.
Dois minerais encontrados nas profundezas do manto armazenam grande parte de sua água hoje: wadsleyita e ringwoodita, variantes de alta pressão do mineral vulcânico olivina. Rochas ricas nesses minerais constituem 7% da massa do planeta e, embora apenas 2% de seu peso seja água hoje, “esse pouco é muito grande”, disse Steven Jacobsen, mineralogista experimental da Universidade do Noroeste (EUA).
Jacobsen e outros criaram esses minerais do manto terrestre espremendo pós de rocha a dezenas de milhares de vezes a pressão atmosférica e aquecendo-os a 1600°C ou mais. A equipe de Dong reuniu os experimentos para mostrar a wadsleyita e a ringwoodita retêm fracionalmente menos água em temperaturas mais altas. Além disso, a equipe prevê que, com o resfriamento do manto, esses minerais se tornarão mais abundantes, aumentando sua capacidade de absorver água à medida que a Terra envelhece.
Os experimentos não são os únicos a sugerir um planeta aquático. “Também há evidências geológicas bastante claras”, disse Benjamin Johnson, geoquímico da Universidade Estadual de Iowa (EUA). As concentrações de titânio em cristais de zircão de 4 bilhões de anos da Austrália Ocidental sugerem que eles se formaram debaixo d’água. E algumas das rochas mais antigas conhecidas na Terra, formações de 3 bilhões de anos na Austrália e na Groenlândia, são lavas em almofada, rochas bulbosas que só se formam quando o magma esfria debaixo d’água.
O trabalho de Johnson e Boswell Wing, geobiólogo da Universidade do Colorado, em Boulder (EUA), oferece mais evidências. Amostras de um pedaço de crosta oceânica de 3,24 bilhões de anos presentes no continente australiano eram muito mais ricas em um isótopo de oxigênio pesado do que os oceanos atuais. Como a água perde esse oxigênio pesado quando a chuva reage com a crosta continental para formar argila, sua abundância no antigo oceano sugere que os continentes mal haviam emergido até aquele ponto, concluíram Johnson e Wing em um estudo de 2020 da Nature Geoscience. A descoberta não significa necessariamente que os oceanos eram maiores, observa Johnson, mas, “é mais fácil ter continentes submersos se os oceanos forem maiores”.
Embora o oceano maior tornasse mais difícil para os continentes emergirem, isso poderia explicar por que eles parecem ter se movido no início da história da Terra, disse Rebecca Fischer, petróloga experimental de Harvard e coautora do estudo da AGU Advances. Oceanos maiores poderiam ter ajudado a inaugurar as placas tectônicas à medida que a água penetrou a crosta, fraturando-a e enfraquecendo-a, criando zonas de subducção onde uma camada de crosta deslizou abaixo da outra. E uma vez que uma laje de subducção começou a mergulhar, em um mecanismo de drenagem, o manto inerentemente mais forte teria ajudado a dobrar a laje, garantindo que seu mergulho continuasse, disse Jun Korenaga, geofísico da Universidade de Yale. “Se você não pode dobrar placas, não pode ter placas tectônicas”.
A evidência de oceanos maiores desafia os cenários de como a vida começou na Terra, disse Thomas Carell, bioquímico da Universidade Ludwig Maximilian de Munique. Alguns pesquisadores acreditam que tudo começou em fontes hidrotermais ricas em nutrientes no oceano, enquanto outros preferem lagoas rasas em terra seca, que frequentemente evaporam, criando uma poça concentrada de produtos químicos.
Um oceano maior desafia fortemente esse cenário subaquático: nesse cenário, o próprio oceano teria diluído qualquer biomolécula nascente até a insignificância. Mas, ao afogar a maior parte da terra, também complica o cenário das lagoas. Carell, um defensor da hipótese das lagoas, diz que, à luz do novo estudo, ele agora está considerando um local de nascimento diferente para a vida: bolsas aquosas protegidas em rochas oceânicas que irromperam na superfície em montanhas submarinas vulcânicas. “Talvez tivéssemos pequenas cavernas onde tudo isso aconteceu”, disse ele.
O antigo mundo de água também é um lembrete de como a evolução da Terra é condicional. O planeta provavelmente estava ressecado até que asteroides ricos em água o bombardearam logo após seu nascimento. Se os asteroides tivessem depositado o dobro de água ou o manto atual tivesse menos apetite por água, então os continentes, tão essenciais para a vida e o clima do planeta, nunca teriam surgido. “É um sistema muito delicado, a Terra”, disse Dong. “Muita água ou pouca e isso não funcionaria”.