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Afinal, o que há de errado com o ensino da Evolução Biológica no Brasil?

Não é necessário se aprofundar longamente em pesquisas educacionais para se chegar à conclusão a respeito da baixa qualidade do ensino da Evolução Biológica no Brasil, principalmente no que tange a educação básica. É natural que estudantes terminem o Ensino Médio sem a compreensão adequada de conceitos primordiais da teoria evolutiva, desde noções de adaptação e hereditariedade até a própria seleção natural e mecanismos simplificados de especiação. Mas qual seria uma possível explicação para que esse aspecto da Biologia, de caráter tão central dentro dessa ciência, enfrente tantos desafios quando se trata de amplificar e passar adiante suas informações?

Em primeiro lugar, é notável apontar que a Evolução abarca todos os aspectos e campos de estudo das Ciências Biológicas. Desde relações entre organismos, populações e ecossistemas até a organização e funcionamento de seus genes, “nada em Biologia faz sentido senão à luz da Evolução”, já dizia Dobzhansky. No entanto, apesar dessa clara interdisciplinaridade que apresenta em relação às diversas áreas das ciências da vida, quando se trata de ensiná-la e aprendê-la, a regra é que não se consiga correlacioná-la adequadamente mesmo com as áreas mais intuitivamente afins, como a Genética e a Ecologia. Vista, talvez, como uma ‘entidade’ separada e não ligada de forma lógica e didática a campos disciplinares de compreensão mais fluida por parte dos alunos, se dificulta em muito o entendimento e se abre portas para a má interpretação e a distorção de conceitos mal compreendidos.

Outro problema relevante dentro das instituições de ensino e que diz respeito a falhas no programa educacional das Ciências Biológicas é a presente má distribuição disciplinar e a abordagem muito tardia de suas conceituações. Em cerca de duzentas aulas de Biologia que alunos terão durante seu Ensino Médio, em média apenas dez aulas do terceiro ano são dedicadas ao conteúdo de Evolução (Tidon e Lewontin, 2004). É importante ressaltar que conceitos simples que auxiliam no entendimento de aspectos mais complexos dessa disciplina – cálculo de frequências gênicas e equilíbrio de Hardy-Weinberg, por exemplo – podem ser introduzidos na formação estudantil desde séries escolares mais anteriores, ainda no Ensino Fundamental. As diferenças entre os organismos, o tempo geológico, a existência de fósseis, a noção de que mudanças ocorrem ao longo do tempo – a construção de tal pensamento lógico ao longo do tempo é de grande importância para que conceitos evolutivos de maior dificuldade se tornem mais intuitivos e não aversivos para crianças e jovens em formação. Renegar isso a poucas aulas nos últimos anos escolares estimula a construção de conceitos biologicamente errôneos e interpretações infundadas na mente do indivíduo em crescimento, diante da enorme desinformação que se apresenta na sociedade e que é facilmente divulgada em meios de comunicação.

Além disso, um ponto particularmente polêmico porém fundamental à discussão é a laicidade das instituições educacionais. A combinação de não entendimento dos conceitos evolutivos por parte da grande maioria da sociedade, fundamentalismo e distorção teórica por parte de outras instituições sociais e baixa criticidade do público devido à perpetuação de tais condições em que reina a falta de informação é a receita perfeita para discussões a respeito do tema que em diversos momentos abandona o âmbito científico. Estudantes, famílias e até mesmo professores trazem sua religiosidade para dentro de sala de aula como forma de confrontar a teoria evolutiva, abordagem pela qual o ambiente de sala de aula pode não ser o mais adequado ou saudável para fomentar, visto o caráter laico que lhe diria respeito. É preciso desfazer a noção de que o ensino da Evolução nas escolas seja uma maneira de agredir diretamente ou corromper as noções da Igreja em ambiente público, e não um componente disciplinar essencial que corrobora o caráter de formação acadêmica e científica que faz parte do ambiente escolar. Tal visão, no entanto, não impede de forma alguma que em meios externos e veículos não laicos o estudante tenha acesso a outras opiniões que podem relacionar a abordagem evolucionista com noções religiosas, tanto por parte dos defensores da teoria quanto de seus críticos – sem entrar no mérito da validade filosófica disso.

Há muitos outros aspectos do assunto que possam talvez explicar a permanência de certos pensamentos tão difundidos na sociedade quando se trata da Evolução: a famosa noção de que “o homem veio do macaco“; de que evolução é sinônimo de ‘melhora’ ou ‘aprimoramento’; a confusão a respeito de ideias lamarckistas já ultrapassadas; as dúvidas sobre a coexistência de organismos primitivos e modernos… A reforma, no entanto, é urgente e essencial, e se faz a partir de discussões, estudos e considerações a respeito da própria prática educacional.

FONTES:

  • http://www.nutes.ufrj.br/abrapec/viiienpec/resumos/R1066-1.pdf
  • http://www.ceped.ueg.br/anais/IIIedipe/pdfs/2_trabalhos/gt04_fisica_quimica_biologia_ciencias/trab_gt04_reflexoes_sobre_o_ensino_de_evolucao.pdf
  • http://posgrad.fae.ufmg.br/posgrad/viienpec/pdfs/1305.pdf
  • http://www.ivenecienciassubmissao.uff.br/index.php/ivenecienciassubmissao/eneciencias/paper/viewFile/270/12
Fernanda Lima

Fernanda Lima

Sou estudante de ciências biológicas da Universidade de Brasília e aluna de iniciação científica do Laboratório de Neurociências e Comportamento da mesma universidade, atuando na área de neuropsicofarmacologia com foco em dependência, aprendizado e modelos animais. Além da neurociência, algumas áreas de meu interesse dentro da biologia são: microbiologia, imunologia, biologia estrutural e tecidual, fisiologia animal, ecologia e evolução.