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A mistificação do mundo da mecânica quântica

Por Victor J. Stenger
Publicado na Time Higher Education Supplement

Quase todos os livros ou artigos que você encontra hoje em dia sobre misticismo moderno, fenômenos paranormais ou medicina alternativa aludem à mecânica quântica como fundamento científico de suas reivindicações. Por exemplo, em seu best-seller Corpo Sem Idade, Mente Sem Fronteiras: A Alternativa Quântica Para o Envelhecimento, o médico Deepak Chopra afirma que doenças e envelhecimento são uma ilusão, porque a mecânica quântica mostrou que “o mundo físico é uma criação do observador”.

Em seu livro de 1993 O Universo Autoconsciente: Como a Consciência Cria o Mundo Material, o físico Amit Goswami afirma que a existência de fenômenos paranormais, como a percepção extrassensorial, é apoiada pela mecânica quântica. Ele diz que “os fenômenos paranormais, como a visão remota e as experiências extracorpóreas, são exemplos da operação não-local da consciência… A mecânica quântica sustenta essa teoria, fornecendo suporte crucial para a questão da não-localidade da consciência”.

A fonte dessas reivindicações pode ser atribuída à chamada dualidade onda-partícula da física quântica: no nível quântico, os objetos físicos parecem possuir propriedades semelhantes a partículas e a ondas que dependem se uma propriedade de partícula ou uma propriedade de onda do objeto é medida. Exemplos: decida medir a posição do objeto e ele agirá como uma partícula; decida medir seu comprimento de onda e ele agirá como uma onda.

Apesar da dualidade onda-partícula, no entanto, a representação das partículas é mantida em todas as aplicações da mecânica quântica. Átomos, núcleos, elétrons e quarks são todos considerados objetos localizados. Além disso, descobriu-se que campos anteriormente conhecidos como campos contínuos são compostos de partículas. De fato, a mecânica quântica começou, em 1900, quando Planck mostrou que a radiação eletromagnética não é contínua, mas ocorre em pedaços discretos de energia que ele chamou de quanta. Em 1905, Einstein identificou o quantum eletromagnético com uma partícula agora chamada fóton. Na moderna teoria quântica de campos, um campo matemático abstrato é associado a cada partícula. No entanto, não há ondas ou campos de qualquer tipo independentes dessas partículas, que constituem seus quanta.

A teoria matemática da mecânica quântica tem agora 93 anos e continua a descrever uma enorme variedade de observações empíricas com grande precisão e sem anomalia. Não há controvérsias sobre sua validade básica. Por outro lado, não há consenso sobre como a mecânica quântica deve ser metafisicamente interpretada.

A interpretação de Copenhague da mecânica quântica, promulgada por Niels Bohr na década de 1930 e amplamente aceita como convenção até os últimos anos, não diz nada sobre consciência. No entanto, deixou a porta aberta à interpretação errônea com sua insistência positivista de que apenas o que é medido pode ter algum significado. Como se costuma ouvir nas salas de aula de física, “o elétron não tem posição até que essa posição seja medida”. Tecnicamente, isso significa apenas que não podemos incluir a posição do elétron em nenhuma equação teórica até que essa posição seja medida. No entanto, essa infeliz interpretação levou alguns à inferência logicamente falaciosa de que o elétron não existe como uma partícula real e localizada até a realização de um ato consciente de medição.

Pesquisadores propuseram interpretações alternativas da mecânica quântica nas últimas décadas. Nenhuma deixa muito espaço para a consciência, no entanto, algumas abrem a porta para novas fantasias. Vou mencionar apenas as duas que mais chamam a atenção por causa de suas implicações bizarras.

Einstein sempre expressou seu desagrado pela aparente natureza indeterminística da mecânica quântica (“Deus não joga dados”). Em 1952, David Bohm propôs uma teoria subquântica que prevê partículas seguindo caminhos definidos com efeitos quânticos resultantes de forças que se encontram abaixo dos níveis atuais de observação. No entanto, ainda não foram encontradas evidências de forças subquânticas. Além disso, experimentos tornaram quase certo que qualquer teoria desse tipo envolverá conexões instantâneas através do universo. Embora não forneça aos místicos quânticos a base desejada para a consciência controlar a realidade, a natureza holística da teoria de Bohm forneceu a eles a tentadora noção de que tudo no universo está simultaneamente conectado a todo o resto e, portanto, não é redutível a partes.

A interpretação de muitos mundos de Hugh Everett fornece um formalismo útil que evita os problemas conceituais de Copenhague. No entanto, a metafísica implícita dos universos paralelos parece uma solução bastante extrema para os quebra-cabeças do mundo quântico. Ainda assim, a ideia também atraiu seu próprio círculo de defensores entusiásticos, em todos os universos, presumivelmente.

Embora essas propostas e outras mais prosaicas continuem sendo debatidas, lembre-se de que nenhuma delas fazem quaisquer previsões únicas testáveis com base em observações. Muito provavelmente, a verdade se mostrará simples e óbvia e não oferecerá conforto àqueles que preferem um mundo de mistério e encantamento ao de uma razão fria que a ciência oferece.

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Divulgador Científico há mais de 10 anos. Fundador do Universo Racionalista. Consultor em Segurança da Informação e Penetration Tester. Pós-Graduado em Computação Forense, Cybersecurity, Ethical Hacking e Full Stack Java Developer. Endereço do LinkedIn e do meu site pessoal.