Por Saima May Sidik
Publicado na Nature
Um medicamento relativamente barato e amplamente disponível usado para tratar doenças mentais reduz o risco de morte por COVID-19 e a necessidade de pessoas com a doença receberem cuidados médicos intensivos, de acordo com resultados de ensaios clínicos.
O medicamento, chamado fluvoxamina, é usado para doenças como depressão e transtorno obsessivo-compulsivo. Mas também é conhecido por amortecer as respostas imunológicas e atenuar os danos aos tecidos, e os pesquisadores atribuem a essas propriedades seu sucesso no ensaio recente. Entre os participantes do estudo que tomaram o medicamento conforme as instruções e o fizeram nos estágios iniciais da doença, as mortes relacionadas à COVID-19 caíram cerca de 90% e a necessidade de cuidados médicos intensivos relacionadas à COVID-19 caiu cerca de 65%.
“Uma grande vitória para o reaproveitamento de medicamentos”, escreveu Vikas Sukhatme, da Faculdade de Medicina da Universidade Emory em Atlanta, Geórgia, nos EUA que estuda o reaproveitamento de medicamentos, em um e-mail para a Nature. “O tratamento com fluvoxamina deve ser adotado para aqueles com alto risco de deterioração que não foram vacinados ou não podem receber anticorpos monoclonais”.
A coautora do estudo, Angela Reiersen, psiquiatra da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington em St Louis, Missouri, também nos EUA, há muito tempo se interessa pelo uso da fluvoxamina para tratar uma doença genética rara. Ao monitorar a literatura científica sobre fluvoxamina antes da pandemia, ela se deparou com um estudo de 2019 mostrando que a fluvoxamina reduzia a inflamação em camundongos com sepse. Quando a COVID-19 apareceu, “pensei imediatamente naquele estudo com os camundongos”, disse ela.
Reiersen e seus colegas fizeram parceria com os organizadores do TOGETHER Trial, que visa identificar medicamentos aprovados que podem ser reaproveitados para tratar COVID-19. O estudo da equipe incluiu 1.497 pessoas no Brasil com COVID-19 e com alto risco de doença grave. Aproximadamente metade recebeu fluvoxamina e o restante recebeu um placebo.
Os resultados do ensaio, publicados em 27 de outubro, significam que a fluvoxamina é uma das poucas terapias que mostram fortes evidências de prevenção da progressão da COVID-19 leve para grave. Os únicos tratamentos em estágio inicial atualmente recomendados pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos são os anticorpos monoclonais, que são caros e difíceis de administrar em um ambiente ambulatorial.
Os especialistas estão entusiasmados com os resultados, mas destacam que há ressalvas. “Não sabemos como isso seria aplicável em um ambiente fora do Brasil”, disse o especialista em doenças infecciosas Paul Sax do Brigham and Women’s Hospital de Boston, Massachusetts (EUA).
E o especialista em doenças infecciosas Taison Bell, da Universidade de Virgínia em Charlottesville, nos EUA, questiona como os autores definem a COVID-19 grave, que influencia a avaliação da eficácia da fluvoxamina. A equipe examinou se as pessoas precisavam de mais de seis horas de tratamento em um ambiente de emergência, em vez de usar a métrica mais comum de hospitalização. Reiersen disse que a métrica de seis horas reflete a abordagem do Brasil para gerenciar a COVID-19, em que o atendimento não é prestado em hospitais, mas em centros de tratamento de emergência específicos da COVID-19 que oferecem serviços de internação e ambulatorial.
Um medicamento contra COVID-19 para o povo?
O relativo baixo custo da fluvoxamina pode torná-lo acessível em todo o mundo, disse o coautor do estudo Edward Mills, pesquisador de saúde da Universidade McMaster em Hamilton, Canadá. Um tratamento de dez dias custa apenas cerca de 23 reais e as patentes do medicamento expiraram, o que significa que qualquer empresa pode produzi-lo. “Trabalhei muito na África, por exemplo, onde quatro dólares (cerca de 23 reais) é um custo administrável”, disse Mills.
É possível que o emparelhamento da fluvoxamina com uma droga que interfere na replicação viral, como o futuro antiviral molnupiravir da Merck, possa ser ainda mais eficaz, disse Mills. “Seria fascinante observar se os antivirais [e os anti-inflamatórios combinados] proporcionam benefícios de tratamento muito maiores do que qualquer um deles isoladamente”.