Traduzido por Julio Batista
Original de Trevor Slougher para o The Skeptic
Uma olhada nas manchetes da semana passada implicaria grandes revelações no estudo das origens do Sars-CoV-2, o vírus que causa a COVID-19. Em suma, o Wall Street Journal informou em 26 de fevereiro que o Departamento de Energia dos EUA ajustou sua avaliação sobre a probabilidade de um ‘vazamento de laboratório’, alterando sua avaliação dessa origem hipotética para “baixa confiança”, de sua posição anterior em 2021 que relatou não poder fazer uma determinação de qualquer natureza. Essa avaliação faz parte de uma investigação de várias agências que resultou em um relatório agora desclassificado do final de 2021 e um relatório atualizado ainda classificado deste ano.
Se esse parágrafo soa cauteloso, e se todas as restrições e equívocos dificultam a leitura, é porque quase nada mudou na ciência, nem muito mudou nas posições da comunidade de inteligência dos EUA. Quatro das agências envolvidas ainda se inclinam para uma origem natural, duas permanecem não comprometidas em determinar a origem certa. Nenhuma nova evidência foi mostrada ao público, e pouco na imprensa indica qual poderia ser a evidência que mereceria as manchetes.
O presidente dos EUA Biden ordenou que oito agências de inteligência investigassem as origens de COVID logo após ele assumir o cargo. Sua abordagem, como pode ser lido no relatório de 2021, é de inteligência e segurança. Nos anos seguintes, cientistas independentes em saúde pública, biologia molecular, genética e outras ciências da vida fizeram suas próprias investigações, que se inclinam muito mais para uma origem natural.
Existem várias razões. Dois estudos interconectados (Worobey et al., 2022 e Pekar et al., 2022) analisaram a história dos primeiros casos, como eles se espalharam e quais linhagens do vírus representavam. O primeiro paper entra em detalhes e, como a Dra. Angela Rasmussen (coautora do artigo de Worobey) simplifica no Twitter, ter duas linhagens de COVID aparecendo no mercado nos primeiros dias da pandemia é difícil de conciliar com uma hipótese de vazamento de laboratório. De origem zoonótica, isso faz sentido: o vírus já era prevalente em animais silvestres, inevitavelmente em múltiplas linhagens, e assim os animais portadores dessas linhagens poderiam transmitir para as pessoas. Se um laboratório vazasse a fonte viral, dois trabalhadores teriam que ser expostos a duas cepas diferentes, deixar o laboratório e viajar para o mesmo mercado com poucos dias de diferença. Impossível? Não. Mas é provável, dada a alternativa?
Esta é apenas uma linha de evidência que inclina a balança para uma origem natural na mente de tantos biólogos. Embora a hipótese do vazamento de laboratório possa parecer sensata, dada a proximidade de um laboratório que trabalha com vírus perigosos aos primeiros casos, ela encontra dificuldades para explicar os padrões de agrupamento, a disseminação do epicentro do mercado e as duas linhagens conjuntas. E boas hipóteses devem levar em conta todos os conjuntos de dados simultaneamente, não partes destes.
O novo relatório ainda confidencial pode conter informações que o público não conhece, mas há motivos para ceticismo. O relatório de 2021 afirma:
“Embora a comunidade de inteligência não tenha indicações de que a pesquisa do Instituto de Virologia de Wuhan envolveu SARS-CoV-2 ou um vírus progenitor próximo, esses analistas observam que é plausível que os pesquisadores possam ter se exposto involuntariamente ao vírus sem sequenciamento durante experimentos ou atividades de amostragem, possivelmente resultando em infecção assintomática ou leve.”
Este trecho está sob o subtítulo “The Case for the Laboratory-Associated Incident Hypothesis” (O Caso para a Hipótese do Incidente Associado ao Laboratório, na tradução livre). Para ser absolutamente claro, uma investigação completa de uma possibilidade de vazamento de laboratório não é apenas garantida, mas essencial. É, de fato, esse tipo de diligência que torna os laboratórios que estudam patógenos perigosos tão seguros.
E há algum tempo há preocupações sobre a segurança do laboratório em questão, conforme declarado pelo Departamento de Estado dos EUA. Além disso, jornalistas e funcionários do Senado dos EUA usaram a alegada falta de transparência do atual governo da China como motivo para automaticamente desconfiar, até mesmo desconsiderar, dados que foram usados em estudos como Worobey et al. Uma investigação conjunta da ProPublica e da Vanity Fair questiona o quanto podemos realmente saber sobre o Instituto de Virologia de Wuhan sem a transparência, levando Michael Worobey a responder no Twitter assumindo uma posição firme em defesa da confiabilidade dos dados que sua equipe usou, argumentando que a preponderância dos dados de casos disponíveis permitiram sua conclusão “inequívoca” de uma origem zoonótica.
É preciso se perguntar como uma agência de inteligência pode passar de “nenhuma indicação de que a pesquisa de Instituto de Virologia de Wuhan envolveu SARS-CoV-2” para “baixa confiança” em um vazamento de laboratório da origem da pandemia, mesmo com suspeita e preocupação sobre o que poderíamos não sabem, sem uma refutação confiável para análises alternativas de dados epidemiológicos. Identificar a possibilidade e propor um mecanismo não é evidência em si, especialmente quando existe evidência para uma origem natural.
Outra observação importante é que a comunidade de inteligência dos EUA concorda bastante sobre as origens do COVID, conforme detalhado no relatório e resumido no Slate: eles concordam que o COVID não era uma arma biológica e que não foi adulterado por meio de engenharia genética (eliminando o propaganda de medo sobre ‘mutações genéticas induzidas artificialmente’, que muitas vezes é mal compreendida). Isso não exclui uma origem de vazamento de laboratório, mas é útil para desmentir os teóricos da conspiração marginais.
A hipótese do vazamento de laboratório merece uma análise rigorosa, mas as manchetes atuais implicando novas revelações das mais altas autoridades não constituem rigor. Quando se trata das origens da COVID, as evidências de uma origem natural ainda podem se basear em incertezas e probabilidades, mas as evidências de um vazamento de laboratório permanecem pouco mais do que “não impossíveis”. Isso ainda pode mudar com novas informações, mas a imprensa faria bem em parar de corroborar com isso.