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Arqueólogos descobrem uma vinícola romana chique demais de 1.800 anos

Traduzido por Julio Batista
Original de Emlyn Dodd para o The Conversation

Escavações recentes na Villa dos Quintilii descobriram os restos de uma vinícola única nos arredores de Roma.

O edifício de meados do século III localizado ao longo da Via Appia Antica é um reflexo da opulência e desempenho quase nunca encontrada em um antigo local de produção.

Este incrível complexo ilustra como os romanos de elite fundiram a função utilitária com luxuosa decoração e exibição para moldar seu status social e político.

Eu fui um dos arqueólogos especialistas a estudar este sítio arqueológico recém-escavado. Os detalhes desta descoberta são descritos em nosso novo paper na Antiquity.

Vista da vinícola escavada na Villa dos Quintilii na Via Appia Antica em Roma. (Créditos: S. Castellani)

A Vila dos Quintilii

A partir de nomes estampados em um cano de água de chumbo, sabemos que o antigo complexo de vilas romanas de 24 hectares pertencia aos ricos irmãos Quintilii, que serviram como cônsules em 151 d.C.

O imperador romano Cômodo mandou matar os irmãos em 182/3 d.C.

Ele tomou posse de suas propriedades, incluindo esta vila, iniciando a propriedade imperial de longo prazo.

O local há muito tempo é conhecido por sua arquitetura decorativa, incluindo azulejos de mármore colorido, estatuária de alta qualidade recuperada nos últimos 400 anos e um monumental complexo balneário.

Menos conhecido é um enorme circo para corridas de bigas construído durante o reinado de Cômodo.

De 2017-18, durante uma tentativa de descobrir as portas de entrada do circo, foram revelados os primeiros vestígios de uma vinícola única.

Uma luxuosa vinícola imperial romana

Este grande complexo foi construído em cima dos portões de entrada do circo, que o datam após o reinado de Cômodo.

O complexo possui características comumente encontradas nas antigas vinícolas romanas: uma área de pisa de uvas, dois lagares, uma cuba para coletar o mosto (o suco das uvas junto com suas cascas, sementes e engaços) e uma adega com grandes potes de barro para armazenamento e fermentação afundada no solo.

No entanto, a decoração e disposição dessas características é quase completamente incomparável no mundo antigo.

Vista aérea da vinícola escavada na Villa dos Quintilii. As áreas de produção estão na parte superior (A–D) e o porão (E) com salas de jantar adjacentes (F) na metade inferior da imagem. (Créditos: MCM srl e adaptação em Dodd, Frontoni, Galli 2023)

Quase todas as áreas de produção são revestidas com ladrilhos de mármore. Até a área para pisada de uvas, normalmente revestida em gesso cocciopesto à prova d’água, é revestida em mármore brecha vermelho. Este material luxuoso, aliado às suas impraticabilidades (é muito escorregadio quando molhado, ao contrário do gesso), transmite a extrema sensação de luxo.

Duas imensas prensas mecânicas de alavanca ficam de cada lado da área de pisada de uvas para pressionar a polpa de uva já pisada.

O tamanho e a escala dessas prensas trabalhando para cima e para baixo em harmonia teriam contribuído para a exibição que atraía olhares do processo de produção.

O suco de uva produzido a partir da pisa e prensagem fluía dessas áreas para um longo tanque retangular, onde uma impressão de um selo nomeava o imperador Gordiano (deposto em 244 d.C.). Isso confirma uma data de construção ou reforma.

Mas é aqui que a verdadeira performance teria começado.

O mosto líquido jorrava como uma fonte impressionante da cuba e através de uma fachada com cerca de um metro de altura que se assemelhava a um ninfeu romano (uma monumental fonte decorada).

Enquanto o mosto escorria dos três nichos centrais, a água escorria daqueles em cada extremidade e era então canalizada de volta ao subsolo por meio de um sistema de canos de chumbo.

Esta fachada com nichos foi originalmente revestida com um folheado decorativo de mármore branco, preto, cinza e vermelho de cores vivas. Algumas peças permanecem presas e outras foram encontradas soltas nas camadas escavadas.

Um sistema de finos canais abertos de mármore branco transportava o mosto da fachada para uma área da vinícola ao ar livre.

Lá seria colocado em 16 jarros de barro enterrados (dolia defossa) grandes o suficiente para caber uma pessoa dentro. Os restos de 8 jarros foram descobertos durante as escavações.

Três salas pavimentadas com opulentos azulejos geométricos de mármore, como os encontrados em outras áreas da vila, foram dispostos ao redor do porão.

Piso de mármore geométrico colorido (opus sectile) descoberto em uma das salas de jantar. (Créditos: S. Castellani)

Podemos imaginar o imperador e sua comitiva sentados, comendo e assistindo ao espetáculo da produção e degustação do mosto recém-prensado.

Ritual teatral na Itália antiga

O único outro exemplo como esta instalação pode ser encontrado em Villa Magna, 50 quilômetros a sudeste perto de Anagni.

Esta vinícola igualmente opulenta revestida de mármore estava em uso pouco antes da Villa dos Quintilii, do início do século II ao início do III d.C., com uma área para refeições que permitia uma visão dos espaços de produção.

Nas cartas de Marco Aurélio a seu tutor Fronto, temos um raro vislumbre das atividades da Villa Magna por volta de 140-145 d.C. Ele descreve o banquete da festa imperial enquanto observa e ouve os trabalhadores pisando em uvas.

Sarcófago romano (cerca de 290 d.C.) ilustrando uma cena com querubins colhendo uvas e pisando nelas em uma bacia para fazer vinho. (Créditos: Getty Villa Museum, Malibu)

É provável que isso fizesse parte de um ritual antigo, ligado à abertura cerimonial da colheita. Talvez esse ritual também tenha ocorrido nas instalações da Villa dos Quintilii, um pouco posterior.

Espaços luxuosos revestidos de mármore marcavam áreas adequadas para a festa imperial e a vinícola era o “teatro” para essa performance sagrada.

Uma pergunta tentadora permanece sem resposta: a vinícola espetacular e ritual do imperador romano foi transferida no início do século III d.C. da Villa Magna para a Villa dos Quintilii?

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.