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‘Árvore genealógica’ da Via Láctea revela o destino da misteriosa galáxia Kraken

Por Michelle Starr
Publicado na ScienceAlert

A Via Láctea colidiu e se fundiu com várias outras galáxias ao longo de sua longa vida, mas reconstituir sua história foi uma tarefa árdua.

Uma nova análise de densos aglomerados de estrelas orbitando a Via Láctea nos forneceu a história de fusão galáctica mais completa até o momento. E nesses dados está um evento de fusão até então desconhecido, que ocorreu 11 bilhões de anos atrás e alterou completamente a forma de nossa galáxia. Os astrônomos chamaram aquela galáxia – incluída na Via Láctea – de Kraken.

Os aglomerados de estrelas em questão são chamados de aglomerados globulares, frequentemente considerados “fósseis” do Universo primitivo. Eles são aglomerados muito densos e esféricos de cerca de 100.000 a 1 milhão de estrelas muito antigas, algumas quase tão antigas quanto o próprio Universo. Em qualquer aglomerado globular, todas as suas estrelas se formaram ao mesmo tempo, a partir da mesma nuvem de gás, o que significa que podemos usar sua composição química para descobrir suas origens.

Porém, essa é apenas uma parte do quebra-cabeça. A Via Láctea tem cerca de 150 aglomerados globulares – então, reconstruir seu movimento orbital e sua forma atual (divididos em longos fluxos estelares) também pode ajudar a reconstituir o local de onde emergiram.

É exatamente isso que uma equipe de astrônomos tentou fazer, usando uma rede neural artificial para simular aglomerados globulares orbitando galáxias semelhantes à Via Láctea. Essas simulações, chamadas de E-MOSAICS, modelam a vida útil completa dos aglomerados globulares, desde a formação, passando pela evolução, até a destruição.

“O principal desafio de conectar as propriedades dos aglomerados globulares à história de fusão de sua galáxia hospedeira sempre foi que a formação da galáxia é um processo extremamente confuso, durante o qual as órbitas dos aglomerados globulares são completamente remodeladas”, disse o astrônomo Diederik Kruijssen, da Universidade de Heidelberg, Alemanha.

“Testamos o algoritmo dezenas de milhares de vezes nas simulações e ficamos surpresos com a precisão com que ele foi capaz de reconstruir as histórias de fusão das galáxias simuladas, usando apenas suas populações de aglomerados globulares”.

A próxima etapa foi alimentar o software com dados reais. Nos últimos anos, o satélite Gaia tem trabalhado diligentemente para mapear a galáxia Via Láctea com alta precisão e detalhes não apenas no espaço, mas também no tempo. Isso forneceu aos cientistas dados ainda mais precisos sobre as posições e movimentos de objetos galácticos, resultando em algumas fascinantes descobertas sobre a nossa galáxia.

Usando os dados do Gaia, a equipe agrupou aglomerados globulares com base em seu movimento orbital. Isso porque os astrônomos acreditam que os aglomerados que têm órbitas semelhantes em torno da Via Láctea tenham vindo do mesmo lugar – ou seja, uma galáxia que foi subsumida pela Via Láctea em algum momento de seu passado.

Na horizontal-superior, as galáxias Sagitário (Sagittarius), Sequoia, Kraken, Via Láctea [principal progenitora] (Milky Way [main progenitor], corrente Helmi (Helmi streams) e Gaia-Encélado (Gaia-Enceladus); na horizontal-inferior, a massa estelar (stellar mass); na vertical à esquerda, o desvio para o vermelho (redshift); na vertical à direita, o tempo de retrospecto (lookback time). Créditos: Kruijssen et al., MNRAS, 2020.

Quando esses dados foram processados ​​pelo software da equipe, os resultados concordaram com cinco colisões galácticas.

Quatro delas eram conhecidas – a galáxia Gaia-Encélado, também conhecida como Salsicha de Gaia, engolida pela Via Láctea há cerca de 9 bilhões de anos; a corrente Helmi, que fundiu com nossa galáxia há cerca de 10 bilhões de anos; a galáxia Sequoia, fundindo-se com a Via Láctea há cerca de 9 bilhões de anos; e a galáxia anã de Sagitário, que tem perfurado repetidamente a Via Láctea por bilhões de anos.

O quinto evento foi retirado de um grupo recentemente descoberto de aglomerados globulares de “baixa energia”. De acordo com a análise do software, tudo isso corresponde às propriedades de uma colisão anteriormente desconhecida – e altamente importante – com o que a equipe apelidou de galáxia Kraken.

“A colisão com Kraken deve ter sido a fusão mais significativa que a Via Láctea já experimentou”, disse Kruijssen.

“Antes, pensava-se que uma colisão com a galáxia Gaia-Encélado, que ocorreu há cerca de 9 bilhões de anos, era o maior evento de colisão. No entanto, a fusão com Kraken ocorreu há 11 bilhões de anos, quando a Via Láctea era quatro vezes menos massiva. Como resultado, a colisão com Kraken deve ter realmente transformado a aparência da Via Láctea na época”.

Usando essas informações, a equipe montou uma ‘árvore genealógica’ descrevendo a história de colisão mais atualizada da Via Láctea – as cinco principais colisões com galáxias contendo mais de 100 milhões de estrelas, que ocorreram entre 6 e 11 bilhões de anos atrás; e cerca de 15 eventos de fusão menores com galáxias contendo mais de 10 milhões de estrelas.

Essa árvore deve formar a base para esforços contínuos e futuros de entender os eventos épicos que mudaram a história de nossa galáxia.

“Os destroços de mais de cinco galáxias progenitoras foram identificados”, disse Kruijssen. “Com os telescópios atuais e futuros, deve ser possível encontrar todos eles”.

A pesquisa foi publicada no Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.