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Beijar romanticamente nossos amores pode não ter estado sempre na moda

Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert

Um novo mergulho profundo na história do beijo romântico na humanidade revelou que beijar os lábios tem uma história mais complexa do que alguns pesquisadores propuseram.

Embora beijar interesses amorosos de alguém possa não ser um passatempo apenas humano, nem todas as culturas fazem isso, levando à especulação sobre o comportamento que surgiu em localidades selecionadas antes de se espalhar como uma moda.

De acordo com o assiriólogo Troels Pank Arbøll, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, e a bióloga Sophie Lund Rasmussen, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, as ideias de que o beijo surgiu em alguns lugares como a Índia antes de espalhar a moda em outros lugares não são apoiadas por um grupo maior de evidências.

É geralmente aceito há algum tempo que o registro escrito mais antigo de beijo romântico é dos textos sânscritos védicos hindus, datados de cerca de 3.500 anos atrás. O falecido antropólogo Vaughn Bryant usou essa representação para sugerir que os generais de Alexandre, o Grande, podem ter trazido a moda de volta com eles após a conquista de Punjab em 326 a.C.

No entanto, mesmo que fosse esse o caso, Arbøll e Rasmussen apontam que o registro mais antigo conhecido da expressão romântica data de cerca de 4.500 anos atrás no Egito e na Mesopotâmia, pelo menos 1.000 anos antes de sua aparição nas escrituras sânscritas védicas.

Da mesma forma, um paper publicado no ano passado especulou que o surgimento do herpes-vírus simples 1 (HSV-1), o patógeno responsável pela herpes labial, pode ajudar a rastrear a transmissão cultural do beijo há cerca de 5.000 anos.

“As evidências indicam que beijar era uma prática comum nos tempos antigos, potencialmente representando uma influência constante na disseminação de micróbios transmitidos oralmente, como o HSV-1”, escreveram Arbøll e Rasmussen em seu paper.

“Portanto, parece improvável que o beijo tenha surgido como uma adaptação comportamental imediata em outras sociedades contemporâneas, que inadvertidamente acelerou a transmissão de doenças”.

A história do beijo romântico é difícil de desvendar, e os especialistas não concordam se é algo aprendido ou instintivo. Sabemos que o beijo certamente não é exclusivo dos humanos; bonobos e chimpanzés se beijam. Por outro lado, pesquisas anteriores descobriram que o beijo romântico não é universal entre os humanos. Essa mesma pesquisa também descobriu que quanto mais socialmente complexa uma cultura, mais beijos românticos seu povo pratica.

Embora os adultos possam beijar seus filhos, o ato de os adultos se beijarem por puro prazer costuma ser mais difícil de decifrar no registro histórico. De acordo com Arbøll e Rasmussen, referências a beijos românticos podem ser encontradas nos primeiros textos sumérios de 2500 a.C. em diante, descritos em relação a atos eróticos, com foco particular nos lábios.

“Na antiga Mesopotâmia, que é o nome das primeiras culturas humanas que existiam entre os rios Eufrates e Tigre, nos atuais Iraque e Síria, as pessoas escreviam em escrita cuneiforme em tabuletas de argila. Milhares dessas tabuletas de argila sobreviveram até hoje, e elas contêm exemplos claros de que o beijo era considerado parte da intimidade romântica nos tempos antigos, assim como o beijo poderia fazer parte das amizades e das relações familiares”, disse Arbøll.

“Portanto, o beijo não deve ser considerado um costume que se originou exclusivamente em uma única região e se espalhou a partir daí, mas parece ter sido praticado em várias culturas antigas ao longo de vários milênios”.

É possível que o beijo já exista há muito mais tempo também. Um paper de 2017 que investigou os dados genômicos das bactérias orais encontradas na boca dos neandertais descobriu que houve uma transferência de alguns micróbios orais entre humanos e neandertais há cerca de 126.000 anos. Isso está longe de ser uma evidência concreta de beijos românticos ou eróticos, mas também não é algo que possamos descartar.

Esculturas pré-históricas de 11.000 anos atrás no Oriente Médio e do Neolítico em Malta até 5.000 anos atrás também parecem retratar pessoas se beijando enquanto se envolvem em atos eróticos.

Isso não sugere que o beijo não tenha, historicamente, desempenhado um papel na disseminação de doenças. Provavelmente sim. Arbøll e Rasmussen observam que textos médicos da antiga Mesopotâmia detalham uma doença que soa muito semelhante ao HSV-1, que hoje afeta cerca de 3,7 bilhões de pessoas em todo o mundo.

“É… interessante notar algumas semelhanças entre a doença conhecida como buʾshanu em textos médicos antigos da Mesopotâmia e os sintomas causados ​​por infecções por herpes simplex”, disse ele. “A doença bu’shanu localizava-se principalmente dentro ou ao redor da boca e garganta, e os sintomas incluíam bolhas dentro ou ao redor da boca, que é um dos sinais dominantes de infecção por herpes”.

No entanto, os autores enfatizam as diferenças entre a interpretação da doença no passado e como a vemos hoje, o que significa que os pesquisadores precisam ser cautelosos ao usar textos médicos antigos para rastrear outras práticas culturais.

Essa evidência combinada torna difícil interpretar o beijo como tendo um papel significativo no surgimento de qualquer doença ou tipo de doença em particular, com base nos registros que temos disponíveis atualmente. Isso não quer dizer que o beijo nunca tenha desempenhado um papel… mas investigar esse papel deve ser um esforço colaborativo que inclui uma variedade de especialistas.

“O debate sobre o beijo como vetor de transmissão de doenças”, escreveram os pesquisadores, “ilustra os benefícios de uma abordagem interdisciplinar para produzir uma representação holística da transmissão histórica de doenças por meio de interações sociais”.

Seu artigo foi publicado na Science.