Por Davide Castelvecchi
Publicado na Nature
Astrônomos finalmente vislumbraram a escuridão de um buraco negro. Ao unir uma rede global de radiotelescópios, eles produziram pela primeira vez uma imagem de um horizonte de eventos – a borda perigosa de um buraco negro – em um cenário de luz turbulenta.
“Vimos os portões do inferno no final do espaço e do tempo”, disse o astrofísico Heino Falcke, da Universidade Radboud, em Nijmegen, Holanda, em uma coletiva de imprensa em Bruxelas. “O que você está vendo é um anel de fogo criado pela deformação do espaço-tempo. A luz dá a volta e parece um círculo”.
As imagens – de uma brilhante estrutura em forma de anel – mostram o buraco negro supermassivo no centro da galáxia M87, que fica a cerca de 16 megaparsecs (55 milhões de anos-luz) de distância da Terra e tem 6,5 bilhões de vezes a massa do Sol. Eles revelam, mais detalhadamente do que nunca, o horizonte de eventos – a superfície além da qual a gravidade é tão forte que nada que a atravesse, nem mesmo a luz, pode voltar escapar.
Os resultados altamente esperados, comparáveis a enxergar uma coxinha na superfície da Lua, foram revelados hoje pela colaboração do Event Horizon Telescope (EHT) em seis conferências de imprensa simultâneas em quatro continentes. Os resultados também foram publicados em um conjunto de artigos1,2,3,4,5 no Astrophysical Journal Letters em 10 de abril.
A imagem é uma “tremenda conquista”, diz o astrofísico Roger Blandford, da Universidade de Stanford, na Califórnia. “Quando eu era estudante, nunca sonhei que algo assim seria possível”, diz ele. “É mais uma confirmação da relatividade geral como a teoria correta da gravidade”.
“Fiquei muito feliz”, diz Andrea Ghez, astrônoma da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. As imagens verificam a previsão de um “anel de fótons” em torno de um buraco negro, diz ela. “É uma evidência clara”.
Previsões do buraco negro
Quase um século atrás, os físicos deduziram pela primeira vez que os buracos negros deveriam existir a partir da teoria da relatividade geral de Albert Einstein, mas a maioria das evidências até agora tem sido indireta. O EHT agora fez uma nova e espetacular confirmação dessas previsões.
A equipe observou dois buracos negros – M87 e Sagittarius A*, no centro da Via Láctea – durante cinco noites em abril de 2017. Eles reuniram resolução suficiente para capturar objetos distantes ligando oito radiotelescópios ao redor do mundo – do Havaí até o Polo Sul – e cada um coletou mais dados do que o Grande Colisor de Hádrons faz em um ano. Levou dois anos de trabalho para juntar as fotos.
“Nós focamos toda a nossa atenção no M87 quando vimos nossos primeiros resultados porque percebemos que isso seria incrível”, diz Falcke.
Horizontes de eventos são a característica definidora dos buracos negros. Para um observador próximo, um horizonte de eventos deve aparecer como uma superfície esférica, ocultando seu interior. Como a luz pode atravessar a superfície em apenas um sentido, o globo deve parecer completamente preto.
O horizonte de eventos de um buraco negro deve aparecer cinco vezes maior do que é, porque o buraco distorce o espaço circundante e dobra os caminhos da luz. O efeito, descoberto pelo físico James Bardeen, na Universidade de Washington, em Seattle, em 1973, é semelhante à forma como uma colher parece maior quando mergulhada em um copo de água. Além disso, Bardeen mostrou que o buraco negro lançaria uma “sombra” ainda maior. Isso ocorre porque, a uma certa distância do horizonte de eventos, a maioria dos raios de luz se curva tanto que eles efetivamente orbitam o buraco negro.
Telescópio do tamanho da Terra
Para capturar detalhes sobre a escala do horizonte de eventos, os radioastrônomos calcularam que precisariam de um telescópio do tamanho da Terra (a resolução de um telescópio também é proporcional ao seu tamanho). Felizmente, uma técnica chamada interferometria poderia ajudar. Envolve vários telescópios, localizados longe um do outro e apontados para o mesmo objeto simultaneamente. Efetivamente, os telescópios funcionam como se fossem pedaços de uma mesma lente.
Várias equipes ao redor do mundo refinaram suas técnicas e adaptaram alguns observatórios importantes para que pudessem adicioná-los a uma rede. Em particular, um grupo liderado por Shep Doeleman, agora na Universidade de Harvard em Cambridge, Massachusetts, adaptou o Telescópio de 10 metros do Pólo Sul e o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) no Chile para fazer o trabalho.
Em 2014, Falcke, Doeleman e grupos de todo o mundo juntaram forças para formar a colaboração EHT. Eles fizeram sua primeira campanha de observação em 2017. Eles observaram tanto Sagittarius A* quanto M87 durante uma janela de duas semanas em abril, quando os locais dos observatórios têm mais probabilidade de obter bom clima simultaneamente.
Os dados brutos, na casa dos petabytes, foram coletados em discos rígidos e transportados por via aérea, marítima e terrestre para serem compilados no Instituto Max Planck de Radioastronomia, na Alemanha, e no Observatório Hackstack do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.
No ano passado, enquanto os dados ainda estavam sendo processados, Falcke disse à Nature que esperava que o experimento reunisse uma grande quantidade de informações sobre a estrutura dos buracos negros, mas ainda não havia uma imagem bonita. Na melhor das hipóteses, seria parecido com “um amendoim feio”, disse ele. “Ou talvez, a primeira imagem será apenas alguns borrões. Pode nem parecer um amendoim”.
O EHT realizou outra campanha de observação em 2018 – a análise desses dados ainda está em andamento – mas cancelou uma campanha de observação planejada este ano por causa de problemas de segurança perto de um de seus locais mais importantes, o Telescópio LMT de 50 metros no México . Eles planejam continuar fazendo observações uma vez por ano a partir de 2020.
A colaboração está agora à procura de financiamento para estabelecer uma posição na África, o que preencheria uma lacuna importante na rede. O plano é realocar uma lente de 15 metros – um telescópio sueco descomissionado – do Chile para a Montanha da Mesa de Gamsberg, na Namíbia. Por enquanto, a rede já garantiu duas grandes adições: uma lente na Groenlândia e uma matriz nos Alpes franceses.
“Nós estamos nisso há tanto tempo. Foi uma grande sensação de alívio ver isso, mas também surpresa”, diz Doeleman sobre os resultados. “Vimos algo tão verdadeiro. E foi apenas espanto e admiração”, diz ele. “Tal como acontece com todas as grandes descobertas, este é apenas o começo”.