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Caros “Céticos”, critiquem menos a Homeopatia e o Pé Grande, e mais os mamogramas e a guerra

Em Maio de 2016, o jornalista da ciência John Horgan escreveu um polêmico artigo na seção de blogs do prestigiado site da revista Scientific American. O texto era baseado na exposição feita por ele no dia anterior na Conferência Nordeste de Ciência e Ceticismo (NECSS). Horgan utilizou desse espaço para ser “cético com os céticos”, isto é, criticar o que ele considera como erros e limitações do movimento cético internacional e os principais nomes associados a ele. O texto de Horgan provocou um acalorado debate no qual se envolveram nomes importantes do ceticismo científico contemporâneo, como Steven Novella, Steven Pinker e outros.

Nesta série em quatro posts, publicaremos a tradução do primeiro artigo de Horgan, as duas respostas principais de Novella e Pinker, e a mais breve resposta de Horgan as críticas que recebeu. Na conclusão exporei alguns comentários meus sobre o debate. Peço por favor que pratique seu próprio ceticismo ao ler este texto e não tome as afirmações dele como verdades absolutas. Há diversas afirmações nele que serão duramente criticadas nos textos seguintes, cuja leitura recomendo fortemente.

Você também pode encontrar as quatro traduções do debate Horgan, Novella e Pinker neste único pdf que fiz com todas as referências para citação.

Caros “Céticos”, Critiquem menos a Homeopatia e o Pé Grande, e mais os mamogramas e a guerra

Tradução por Thomas Victor Conti a partir do texto de John Horgan, 16 de Maio de 2016, Scientific American Blog, URL: http://goo.gl/vu2VOD.

Ontem, falei na Conferência Nordeste de Ciência e Ceticismo, NECSS, uma “celebração da ciência e pensamento crítico”, realizada 12-15 maio em Nova York. O filósofo Massimo Pigliucci, que conheci recentemente, fez-me ser convidado, e ele pode ter se arrependido disso, porque eu decidi tratar os céticos com ceticismo. Eu originalmente intitulei minha palestra: “O ceticismo: alvos difíceis versus alvos fáceis.” As referências ao “Pé Grande” no título acima e texto abaixo foram inspiradas por uma conversa que tive com outro convidado na conferência, o Mestre de Cerimónias Jamy Ian Swiss antes que eu fosse ao palco. Ele perguntou o que eu pretendia dizer, e eu disse a ele, e ele furiosamente defendeu sua oposição à crença no Pé Grande. Ele não estava brincando. Eu não tinha trazido o Pé Grande, mas eu decidi mencioná-lo na minha palestra. Swiss não me deixou receber perguntas, então eu prometi à audiência que eu ia postar a conversa aqui (ligeiramente editada) e gostaria de receber comentários céticos ou e-mails. John Horgan

Eu odeio pregar aos convertidos. Se você fosse budista, eu criticaria o budismo. Mas vocês são céticos, então eu tenho que criticar o ceticismo.

Eu sou um jornalista da ciência. Eu não comemoro a ciência, eu a critico, porque a ciência precisa de críticos mais do que precisa de líderes de torcida. Aponto lacunas entre o hype científico e a realidade. Isso me mantém ocupado, porque, como você sabe, a maioria das afirmações científicas com revisão por pares estão erradas.

Então eu sou um cético, mas com c minúsculo, e não C maiúsculo. Eu não pertenço a sociedades de céticos. Eu não ando muito com pessoas que se identificam como Céticos com C maiúsculo. Ou Ateus. Ou Racionalistas.

Quando essas pessoas ficam juntas, elas se tornam uma tribo. Eles dão tapinhas nas costas uns dos outros e dizem uns aos outros como eles são espertos em comparação com aqueles que estão fora da tribo. Mas pertencer a uma tribo, muitas vezes faz com que você se torne mais burro.

Aqui está um exemplo que envolve dois ídolos do Ceticismo com C maiúsculo: o biólogo Richard Dawkins e o físico Lawrence Krauss. Krauss escreveu recentemente um livro, Um Universo a partir do Nada. Ele afirma que a física está respondendo à velha pergunta, “Por que existe algo em vez de nada?”

O livro de Krauss não chega perto de cumprir a promessa de seu título, mas Dawkins adorou. Ele escreve no posfácio do livro: “Se A Origem das Espécies foi o golpe mortal da biologia no sobrenaturalismo, podemos vir a ter Um universo a partir do Nada como seu equivalente na cosmologia.”

Só para deixar claro: Dawkins está comparando Lawrence Krauss à Charles Darwin. Por que Dawkins diria algo tão tolo? Porque ele odeia tanto a religião que seu julgamento científico é prejudicado. Ele sucumbe ao que se pode chamar do “Delírio da Ciência.” [N. do T.: Uma referência ao famoso livro de Dawkings, “Deus, um Delírio.”]

“O Delírio da Ciência” é comum entre Céticos com C maiúsculo. Você não aplica o seu ceticismo de forma igualitária. Você é extremamente crítico da crença em Deus, de fantasmas, do paraíso, da paranormalidade, astrologia, homeopatia e o Pé Grande. Você também ataca a descrença no aquecimento global, nas vacinas e nos alimentos geneticamente modificados.

Essas crenças e descrenças merecem críticas, mas elas são o que eu chamo de “alvos fáceis”. Isso porque, na maioria das vezes, você está atacando pessoas de fora da tribo, que você ignora. Você acaba pregando para os convertidos.

Enquanto isso, você negligencia o que eu chamo de alvos difíceis. Essas são as afirmações duvidosas e até mesmo prejudiciais promovidas pelos principais cientistas e instituições. No resto desta conversa, eu lhes darei exemplos de alvos difíceis na física, medicina e biologia. Vou encerrar com um discurso sobre a guerra, o alvo mais difícil de todos.

Multiversos e a Singularidade

Em primeiro lugar, a física. Por décadas, físicos como Stephen Hawking, Brian Greene e Leonard Susskind têm elogiado a teoria das cordas e do multiverso como nossas descrições mais profundas da realidade.

Aqui está o problema: cordas e multiversos não podem ser detectados experimentalmente. As teorias não são falseáveis, o que as torna pseudocientíficas, como a astrologia e a psicanálise freudiana.

Alguns verdadeiros crentes nas cordas e no multiverso, como Sean Carroll, argumentaram que a falseabilidade deveria ser descartada como um método para distinguir a ciência da pseudociência. Você está perdendo o jogo, então tenta mudar as regras.

Os físicos ainda estão promovendo a ideia de que o nosso universo é uma simulação criada por alienígenas super-inteligentes. No mês passado, Neil de Grasse Tyson disse que “a probabilidade pode ser muito elevada” de que estamos vivendo em uma simulação. Mais uma vez, isso não é ciência, é um experimento mental de alguém drogado fingindo ser ciência.

Assim é a Singularidade, a ideia de que estamos à beira da digitalização da nossa psique e a capacidade de enviá-las para computadores, onde poderemos viver para sempre. Algumas pessoas poderosas acreditam nisso, incluindo o diretor de engenharia do Google, Ray Kurzweil. Mas a Singularidade é um culto apocalíptico, com a ciência substituindo Deus.

Quando os cientistas de alto status promovem ideias frouxas como a Singularidade e o multiverso, eles ferem a ciência. Eles minam a credibilidade da ciência em questões como o aquecimento global.

Testadas e Tratadas em demasia contra o câncer

Agora vamos dar uma olhada na medicina, não o alvo fácil de medicina alternativa, mas o alvo difícil de medicina tradicional. Durante o debate sobre o Obama-care, muitas vezes ouvimos que a medicina americana é a melhor do mundo. Isso é uma mentira.

Os Estados Unidos gastam per capita muito mais em saúde do que qualquer outra nação do mundo. E ainda assim estamos em 34º no ranking de longevidade. Estamos empatados com a Costa Rica, que gasta um décimo do que gastamos per capita. Como isso pôde acontecer? Talvez porque a indústria de cuidados de saúde prioriza os lucros sobre a saúde.

Ao longo do último meio século, médicos e hospitais introduziram exames cada vez mais sofisticados e caros. Asseguram-nos que a detecção precoce da doença levará a uma melhor saúde.

Mas os testes muitas vezes fazem mais mal do que bem. Para cada mulher cuja vida é estendida porque uma mamografia detectou um tumor, até 33 mulheres recebem tratamento desnecessário, incluindo biópsias, cirurgia, radioterapia e quimioterapia. Para homens diagnosticados com cancro da próstata após um teste de PSA, a proporção é de 47 para um. Dados semelhantes estão surgindo em colonoscopias e outros testes.

Os europeus têm taxas de mortalidade de câncer mais baixas do que os americanos, embora eles fumem mais e gastem menos com o tratamento do câncer. Os americanos estão sendo sobre-examinados, sobre-tratados e sobre-cobrados.

Se você quiser saber mais sobre este imenso problema, leia Sobrediagnosticados por Gilbert Welch, um corajoso analista de cuidados de saúde em Dartmouth. Seu subtítulo é “Fazendo as pessoas doentes em busca da saúde”.

Sobre-Medicação de Doenças Mentais

Os cuidados de saúde mental sofrem problemas semelhantes. Ao longo das últimas décadas, a psiquiatria americana se transformou em um ramo de marketing da indústria farmacêutica. Eu comecei a criticar os medicamentos para doenças mentais há mais de 20 anos atrás, salientando que os antidepressivos como o Prozac são muito pouco mais eficazes do que placebos.

Em retrospectiva, a minha crítica era muito leve. Medicamentos psiquiátricos ajudam algumas pessoas no curto prazo, mas ao longo do tempo, em conjunto, eles fazem as pessoas mais doentes. O jornalista Robert Whitaker chega a esta conclusão no seu livro Anatomy of an Epidemic (Anatomia de uma Epidemia).

Ele documenta o grande aumento de prescrições de medicamentos psiquiátricos desde o final dos anos 1980. O maior aumento foi entre as crianças. Se os medicamentos realmente funcionam, as taxas de doença mental deveriam diminuir. Certo?

Em vez disso, as taxas de deficiência mental têm aumentado drasticamente, especialmente entre as crianças. Whitaker constrói uma forte defesa que os medicamentos estão causando a epidemia.

Dadas as falhas da medicina convencional, você consegue culpar as pessoas por se voltarem à medicina alternativa?

Ciência Gene-Mágica

Outro alvo difícil que precisa da atenção de vocês é genética comportamental, que busca os genes que nos fazem agir. Eu chamo-lhe ciência Gene-Mágica (Gene-Mágica), porque a mídia e o público a adoraram.

Ao longo das últimas décadas, os geneticistas já anunciaram a descoberta de “genes para” virtualmente cada característica ou transtorno. Nós já tivemos o gene Deus, o gene gay, o gene do alcoolismo, o gene guerreiro, o gene liberal, o gene da inteligência, o gene da esquizofrenia, e por aí vai e vai.

Nenhuma dessas ligações de genes individuais para características complexas ou distúrbios foi confirmada. Nenhuma! Mas reivindicações gene-mágicas continuam chegando.

No ano passado, o The New York Times publicou dois ensaios gene-mágicos por Richard Friedman, psiquiatra da Universidade de Cornell Medical College. Ele afirma que os cientistas descobriram um “gene de sentir-se bem” que te faz feliz, e um “gene da infidelidade” que faz com que as mulheres traiam seus parceiros. O Times deveria ter vergonha por publicar esses absurdos.

A Teoria da Raiz Profunda da Guerra (Deep Roots Theory of War)

A teoria biológica que realmente me deixa louco é a teoria da raiz-profunda da guerra. De acordo com a teoria, a violência letal de grupo está em nossos genes. Suas raízes remontam há milhões de anos atrás, todo o caminho de volta até o nosso ancestral comum com os chimpanzés.

A teoria da raiz profunda é promovida por cientistas peso-pesado como Steven Pinker de Harvard, Richard Wrangham e Edward Wilson. O cético Michael Shermer incansavelmente apregoa a teoria, e os meios de comunicação amam isso, porque envolve histórias sensacionalistas sobre chimpanzés sanguinários e humanos da Idade da Pedra.

Mas a evidência é esmagadora de que a guerra foi uma inovação cultural – como a agricultura, a religião, ou a escravidão – que surgiu há menos de 12.000 anos atrás.

Eu odeio a teoria da raiz profunda não só porque é errada, mas também porque ela incentiva o fatalismo diante da guerra. A guerra é o nosso problema mais urgente, mais urgente do que o aquecimento global, a pobreza, a doença ou a opressão política. A guerra faz estes e outros problemas piores, direta ou indiretamente, por desviar recursos da sua solução.

Mas a guerra é um alvo realmente muito difícil. A maioria das pessoas – a maioria de vocês, provavelmente – rejeita a paz mundial como um devaneio. Talvez você acredite na teoria da raiz profunda. Se a guerra é antiga e inata, ele também deve ser inevitável, certo?

Você também pode também pensar que o fanatismo religioso – e especialmente o fanatismo muçulmano – é a maior ameaça à paz. Essa é a reivindicação de críticos da religião como Dawkins, Krauss, Sam Harris, Jerry Coyne e o falecido grande apologista de guerras Christopher Hitchens.

Os Estados Unidos, eu concedo, é a maior ameaça à paz. Desde o 11 de setembro, as guerras dos EUA no Afeganistão, Iraque e Paquistão mataram 370.000 pessoas. Isso inclui mais de 210.000 civis, muitos deles crianças. Estas são as estimativas mais conservadoras.

Longe de resolver o problema da militância muçulmana, as ações norte-americanas a fizeram pioesr. O ISIS é uma reação à violência anti-muçulmana dos EUA e seus aliados.

Os EUA gastam quase tanto sobre o que de forma nada ingênua chamamos de defesa quanto todas as outras nações juntas, e nós somos o líder inovador em e vendedor ambulante de armas. Barack Obama, que prometeu livrar o mundo das armas nucleares, aprovou um plano de US$1 trilhão para modernizar nosso arsenal.

O movimento anti-guerra é terrivelmente fraco. Nem um único candidato genuinamente anti-guerra concorreu nesta corrida presidencial, e isso inclui Bernie Sanders. Muitos norte-americanos abraçaram o militarismo da sua nação. Eles se reuniram para ver o Sniper Americano, um filme que celebra um assassino de mulheres e crianças.

No último século, cientistas proeminentes falaram contra o militarismo EUA e pediram o fim da guerra. Cientistas como Einstein, Linus Pauling, e o grande cético Carl Sagan. Onde estão os seus sucessores? Noam Chomsky ainda está atacando o imperialismo EUA, mas ele tem quase 90 anos. Ele precisa de ajuda!

Longe de criticar o militarismo, alguns acadêmicos, como o economista Tyler Cowen, reivindicam que a guerra é benéfica, pois estimula a inovação. Isso é como argumentar pelos benefícios econômicos da escravidão.

Então, só para recapitular. Eu estou pedindo a vocês céticos para gastarem menos tempo atacando alvos fáceis, como homeopatia e o pé grande e mais tempo atacando alvos duros como multiversos, testes de câncer, drogas psiquiátricas e a guerra, o alvo mais difícil de todos.

Eu não espero que você concorde com o meu enquadramento destas questões. Tudo que eu peço é que você examine seus próprios pontos de vista com ceticismo. E pergunte a si mesmo: acabar com a guerra não deveria ser um imperativo moral, como acabar com a escravidão ou a subjugação das mulheres? Como podemos não acabar com a guerra?


Sequência dos textos:

Você também pode encontrar as quatro traduções do debate Horgan, Novella e Pinker neste único pdf que fiz com todas as referências para citação.

Parte 1: John Horgan, “Caros “Céticos”, Critiquem menos a Homeopatia e o Pé Grande, e mais os mamogramas e a guerra”

Parte 2: Steven Novella, “John Horgan é “Cético com os Céticos””

Parte 3: Steven Pinker, “Steven Pinker destrói a visão de John Horgan sobre a Guerra”

Parte 4: John Horgan, “Respostas à Steven Pinker, David Gorski e Steven Novella”

Thomas Conti

Thomas Conti

28 anos, mestre em economia, professor assistente no Insper, docente na Especialização em Direito e Economia (Law & Economics) da Unicamp, consultor, pesquisador, programador em R e doutorando em economia pela Unicamp. Faço hora extra como divulgador científico e defendendo políticas públicas baseadas em evidências.