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Caverna na Califórnia guarda as primeiras evidências de humanos usando alucinógenos

Por Laura Geggel
Publicado na Live Science

Pouco antes de entrar em um transe alucinógeno, os indígenas californianos que se reuniram em uma caverna, provavelmente, olharam para o teto rochoso, onde um catavento e uma mariposa de olhos grandes foram pintados com tinta vermelha.

Esse misterioso “catavento” é, provavelmente, uma representação da delicada flor branca Datura wrightii, um poderoso alucinógeno que o povo Chumash tomava não apenas para fins cerimoniais, mas também para fins medicinais e sobrenaturais, de acordo com um novo estudo.

A mariposa é, provavelmente, uma espécie de mariposa-falcão, que é conhecida por seu voo intoxicado “doidão” após consumir o néctar de Datura, disseram os pesquisadores.

Os restos mastigados que os humanos grudaram no teto da caverna forneceram mais evidências dessas “viagens antigas”; esses caroços de até 400 anos, conhecidos como maços, continham as drogas que alteram o estado mental, escopolamina e atropina, e são encontradas na Datura, disseram os pesquisadores.

Crédito: Devlin Gandy.

A descoberta marca “a primeira evidência clara da ingestão de alucinógenos em um local de arte rupestre, nesse caso, na Caverna do Catavento, Califórnia (EUA)”, escreveram os pesquisadores no estudo, publicado dia 23 de novembro na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

Os artistas, provavelmente, não estavam chapados quando desenharam a arte rupestre, no entanto. “É extremamente improvável por causa dos efeitos debilitantes da Datura”, disse o pesquisador principal David Robinson, um arqueólogo da Universidade Central de Lancashire, na Inglaterra, ao Live Science.

Em vez disso, assim como obras de arte e objetos religiosos em uma Igreja, essas pinturas rupestres, provavelmente, “definiram o cenário” e ajudaram as pessoas prestes a entrar em transe a compreender o poder da flor e a tradição compartilhada de tomar o alucinógeno naquela caverna em particular, ele disse.

Cerimônia de maioridade

Os arqueólogos aprenderam sobre as pinturas rupestres em 1999, quando trabalhadores da Wild Wolves Preserve, uma reserva natural a cerca de 145 quilômetros a nordeste da cidade de Santa Bárbara, encontraram um catavento e um inseto pintado com ocre, um mineral avermelhado usado na arte rupestre ao redor do mundo.

À primeira vista, o desenho do catavento de 10,5 por 17 centímetros não se parece muito com uma flor de Datura, mas qualquer botânico diria o contrário. A Datura se desenrola ao anoitecer e ao amanhecer, quando os insetos a polinizam, mas durante o calor do dia ela se retorce.

É possível que essa pintura rupestre apresente uma “flor de Datura se abrindo”, escreveram os pesquisadores no estudo.

Datura wrightii. Créditos: Denisenv / iNaturalist.

Os pesquisadores já sabiam que o povo Chumash usava a Datura para cerimônias e na vida cotidiana, de acordo com descrições históricas de missionários e trabalhos antropológicos.

Os historiadores acham que a Datura foi usada para “obter poder sobrenatural para medicar, para neutralizar eventos sobrenaturais negativos, para afastar fantasmas e para ver o futuro ou encontrar objetos perdidos, mas, mais especialmente, como um medicamento de uma variedade de doenças”, pesquisadores escreveram no estudo.

Ela também era colocada em um chá chamado toloache para uma cerimônia de maioridade para meninos (e, às vezes, para meninas), que tomaram a planta indutora de transe para marcar sua entrada na idade adulta, disse Robinson.

No entanto, Robinson e seus colegas precisavam de mais evidências do que a arte rupestre para sugerir que os indígenas usavam esse local para cerimônias de Datura. Então, a equipe investigou os misteriosos maços enfiados nas fendas do teto.

Os maços, conhecidos de outros sítios arqueológicos no sudoeste americano, são plantas geralmente mastigáveis por seus nutrientes ou estimulantes, incluindo iúca, agave ou tabaco. Nesse caso, a microscopia digital 3D revelou que os maços na caverna do Catavento também foram, provavelmente, mastigados.

“[Os maços] consistentemente apresentavam indentações que esperaríamos dos molares, então parece que eles os inseriram na boca e mastigaram”, disse Robinson.

As fibras dos maços também estavam emaranhadas, e “seria de se esperar que isso ocorresse por meio de algum tipo de umidade que a faria aderir na fenda, como a saliva humana”, disse ele.

Uma mariposa Hyles lineata também foi retratada na caverna. Créditos: XPDA / iNaturalist.

Enquanto isso, uma análise química revelou a presença dos  compostos alucinógenos de Datura, atropina e escopolamina, e uma análise através de um microscópio eletrônico de varredura identificou ainda mais os maços como Datura, embora um deles fosse feito de iúca.

A datação por radiocarbono mostra que a caverna foi usada intermitentemente de cerca de 1600 até o final do século XIX. E os indígenas usaram a caverna para muitos outros propósitos: os arqueólogos também encontraram pontas de projéteis e um endireitador de flecha – indicando que a caverna pode ter servido como local para preparar ferramentas de caça. Da mesma forma, sementes moídas e restos de animais sugerem que a caverna era usada para preparação de alimentos, armazenamento e refeições comunitárias.

A nova descoberta ajuda a desmantelar o mito do xamã solitário, entrando sozinho em uma caverna para ter uma experiência mística, disse Robinson.

“Esse foi um lugar da comunidade”, disse Robinson. Ele acrescentou que a atual tribo indígena Tejon, composta pelos descendentes dos povos Chumash, Yokuts e Kitanemuk, usa o local hoje.

Povos indígenas de todo o mundo, incluindo culturas antigas na Sibéria, América do Norte e América do Sul, são conhecidos por tomarem substâncias que alteram a mente, disse Patrick McGovern, diretor científico do Projeto de Arqueologia Biomolecular do Museu Penn na Filadélfia, que não estava envolvido no estudo.

Esse estudo usou técnicas de ponta “para elucidar uma importante questão biocultural – o uso de alucinógenos por povos das Américas”, disse McGovern à Live Science por e-mail.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.