Traduzido por Julio Batista
Original de Tessa Koumoundouros para o ScienceAlert
O paleontólogo Matt Friedman ficou surpreso ao descobrir um fóssil de cérebro de peixe de 319 milhões de anos notavelmente detalhado enquanto testava microtomografias para um projeto mais amplo.
“Ele tinha todas essas características, e eu disse a mim mesmo: ‘É realmente um cérebro que estou vendo?'”, disse Friedman, da Universidade de Michigan, EUA.
“Então, ampliei aquela região do crânio para fazer uma segunda varredura de alta resolução, e ficou muito claro que era exatamente o que suspeitava. E foi apenas porque esse era um exemplo inequívoco que decidimos para ir mais longe.”
Normalmente, os únicos vestígios remanescentes da vida antiga são de partes duras de animais mais facilmente preservadas, como seus ossos, uma vez que os tecidos moles se degradam rapidamente.
Mas, neste caso, um mineral denso, possivelmente pirita, penetrou e substituiu o tecido que provavelmente havia sido preservado por mais tempo em um ambiente com pouco oxigênio. Isso permitiu que as varreduras captassem o que parecem ser os detalhes dos nervos cranianos e tecidos moles do pequeno peixe, Coccocephalus wildi.
O espécime antigo é o único de seu tipo. Apesar de ter estado nas mãos de pesquisadores desde que foi descrito pela primeira vez em 1925, essa característica permaneceu oculta, pois os cientistas não arriscariam métodos invasivos de investigação.
“Aqui encontramos preservação notável em um fóssil examinado várias vezes antes por várias pessoas ao longo do século passado”, explicou Friedman.
“Mas como temos essas novas ferramentas para olhar dentro dos fósseis, elas nos revelam outra camada de informação”.
Este peixe pré-histórico provavelmente caçava ártropodes, pequenos crustáceos e cefalópodes, perseguindo-os com barbatanas sustentadas por hastes ósseas chamadas raios.
Peixes com nadadeiras raiadas, da subclasse Actinopterygii, compõem mais da metade de todos os animais vivos de coluna vertebral hoje, incluindo atum e cavalos-marinhos, e 96 por cento de todos os peixes.
Esse grupo se separou dos peixes com nadadeiras lobadas – alguns dos quais acabaram se tornando nossos próprios ancestrais – há cerca de 450 milhões de anos. C. wildi então seguiu seu próprio caminho evolutivo a partir dos grupos de peixes que ainda vivem hoje, cerca de dezenas de milhões de anos atrás.
“As análises colocam este táxon fora do grupo que contém todas as espécies vivas de peixes com nadadeiras raiadas”, escreveram o paleontólogo Rodrigo Figueroa e colegas da Universidade de Michigan em seu paper.
“Detalhes da estrutura do cérebro em Coccocephalus, portanto, têm implicações para interpretações da morfologia neural durante os primeiros estágios evolutivos de uma grande linhagem de vertebrados.”
Algumas características cerebrais teriam sido perdidas devido à decomposição e ao processo de preservação, mas a equipe ainda conseguiu identificar detalhes morfológicos específicos. Isso permitiu que eles vissem que a forma como esse prosencéfalo pré-histórico se desenvolveu era mais parecida com o nosso do que com o do resto dos peixes de nadadeiras raiadas vivos hoje.
“Ao contrário de todos os peixes vivos com nadadeiras raiadas, o cérebro do Coccocephalus se dobra para dentro”, observou Friedman. “Portanto, este fóssil está capturando um tempo antes da evolução da característica típica dos cérebros de peixes com nadadeiras raiadas. Isso nos fornece algumas restrições sobre quando essa característica evoluiu – algo que não tínhamos uma boa noção antes dos novos dados sobre Coccocephalus.”
Essa dobra interna é conhecida como prosencéfalo subvertidos – como em nós, os dois hemisférios cerebrais acabam abraçando um espaço oco como um ‘c’ e sua imagem espelhada unidas. Em comparação, os prosencéfalos subvertidos vistos em peixes ainda vivos com nadadeiras raiadas têm dois lóbulos inchados, com apenas uma fenda fina entre eles.
Os pesquisadores estão ansiosos para fazer varreduras outros fósseis de peixes nas coleções do museu para ver que outros sinais de tecidos moles podem estar escondidos dentro deles.
“Uma conclusão importante é que esses tipos de partes moles podem ser preservadas, e podem ser preservadas em fósseis que temos há muito tempo – este é um fóssil conhecido há mais de 100 anos”, disse Friedman.
“É por isso que manter os espécimes físicos é tão importante. Porque quem sabe, em 100 anos, o que as pessoas poderão fazer com os fósseis em nossas coleções agora.”
Esta pesquisa foi publicada na Nature.