Por Carly Cassella
Publicado na ScienceAlert
As conchas da lula chifre de carneiro são estruturas pequenas e delicadas em espiral que os catadores de praia podem encontrar comumente em todo o mundo.
No entanto, apesar de sua onipresença, os proprietários originais dessas conchas são extremamente furtivos. Até agora, nunca tivemos filmagem de uma única espécie na natureza.
Na zona mesopelágica de nossos oceanos, onde pouca luz do Sol chega, um veículo operado remotamente (ROV) registrou a primeira filmagem de uma lula chifre de carneiro (Spirula spirula) em seu habitat natural.
Este cefalópode de aparência estranha é uma coisinha pequenininha com apenas 7 centímetros de comprimento, oito braços, dois tentáculos, um par de olhos salientes e uma aparência geral que lembra um Muppet.
Em sua extremidade traseira, escondida sob seu manto, está uma concha interna bem enrolada equipada com câmaras de gás que o animal manipula para flutuar.
No início, os pesquisadores que operavam o ROV no Instituto Oceânico Schmidt não tinham ideia do que estavam olhando.
“Mas que doideira é essa?”, um cientista pode ser ouvido exclamando no fundo do vídeo, que foi filmado ao vivo na Grande Barreira de Coral a uma profundidade de aproximadamente 850 a 860 metros.
O animal é capturado em detalhes a partir dos 16 minutos.
O raro avistamento foi compartilhado online e confirmado como a primeira filmagem de uma Spirula ao vivo no fundo do mar, o maior e menos explorado habitat em nosso planeta.
Embora existam inúmeras espécies nas águas profundas nunca antes vistas em seus habitats naturais, este recente encontro casual deixou os cientistas especialmente animados.
A lula chifre de carneiro raramente é vista na natureza e é um dos cefalópodes mais incomuns que existe.
Além dos chocos, é o único outro molusco conhecido que contém uma concha interna com câmara para mantê-lo flutuante. No entanto, ao contrário dos chocos, o esqueleto dessa lula é enrolado de forma espiral; os moluscos do gênero Nautilus também têm conchas de formato semelhante, mas ficam do lado de fora do animal.
“Há muito tempo que procuro por isso”, disse ao ScienceAlert o zoólogo Michael Vecchione, que estuda lulas de meia-água no Museu Nacional de História Natural Smithsonian (EUA). “Não tenho dúvidas de que é um Spirula“.
Embora Vecchione regularmente capture essa espécie das profundezas, às vezes abrigando-a em aquários, ele nunca viu imagens da lula em seu habitat natural. E nem Neige Pascal, que estuda Spirula na Universidade de Burgundy, na França. Ele disse ao ScienceAlert que o vídeo é “muito emocionante”.
Além da raridade desse encontro, há um aspecto particularmente surpreendente na filmagem: a própria posição do animal, com sua cabeça e tentáculos flutuando para cima e suas nadadeiras apontando para baixo.
“Estamos completamente certos sobre a orientação da filmagem? Se for esse o caso, é algo revolucionário”, disse Pascal ao ScienceAlert.
Morgane Oudot, uma aluna de doutorado de Pascal e uma das poucas pesquisadoras na área, concordou e disse que o vídeo a fez questionar tudo o que ela pensava saber sobre a lula chifre de carneiro.
“Muitas pessoas estão encucadas porque a cabeça da lula está erguida”, acrescenta Vecchione. “E a razão pela qual eles estão encucando é porque a concha com toda sua flutuabilidade está do outro lado da lula. Então, você pensaria que a cabeça, que é mais pesada, estaria pendurada”.
Quando colocadas em um aquário, é assim que as lulas se orientam. Sua cabeça com os braços e tentáculos voltados para baixo e a extremidade com a concha para cima – então, pensava-se que a espécie assumia a mesma posição no fundo do mar.
De acordo com Vecchione, no entanto, há um problema com essa suposição. A lula chifre de carneiro também tem um órgão gerador de luz, conhecido como fotóforo, localizado próximo à concha flutuante.
Isso significa que se a Spirula estiver pendurada com a cabeça para baixo, a luz estará voltada para cima, o que é muito incomum para animais do fundo do mar.
Na zona mesopelágica de nossos oceanos, os predadores costumam olhar para cima na esperança de vislumbrar a silhueta de uma possível refeição. Consequentemente, os fotóforos ajudam a identificar as presas no fundo do mar, detectando suas silhuetas com a luz. Se a lâmpada estiver apontando para cima, esse órgão não é tão útil.
Ainda não sabemos muito sobre a Spirula, incluindo como a espécie se reproduz e onde deposita seus ovos, mas a forma como essa lula se orienta na água é uma das maiores questões para a Vecchione.
Embora ele não possa ter certeza de que flutua com os tentáculos sempre voltados para cima, ele diz que a filmagem é uma boa evidência de que a lula faz isso pelo menos parte do tempo. Precisaremos de mais observações para resolver esse mistério.
E as curiosidades em torno da lula chifre de carneiro não param por aí. Quando a criatura finalmente desviou da câmera no vídeo, parece que um pouco de tinta caiu na água; Vecchione tem quase certeza de que veio da lula – uma possível tática de distração para sua fuga.
“Isso é interessante porque a Spirula tem o mecanismo de fabricar tinta, mas ela é mais fraca nesta espécie, como em outras espécies de águas profundas”, disse Vecchione ao ScienceAlert. “Mas isso sugere que é algo funcional e elas estão usando para sua própria defesa”.
Pode ser a primeira vez que avistamos uma lula chifre de carneiro em seu habitat natural, mas também é a primeira vez que elas estão diante de um ROV curioso. Então, tudo bem que elas se assustem.