Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert
Um esforço gigantesco de uma enorme equipe internacional de cientistas acaba de nos fornecer o mapa mais preciso de toda a matéria do Universo obtido até o momento.
Ao combinar dados de duas grandes pesquisas, a colaboração internacional revelou onde o Universo guarda e não guarda todas as suas tralhas – não apenas a matéria normal que compõe os planetas, estrelas, poeira, buracos negros, galáxias, mas a matéria escura, também: a misteriosa massa invisível gerando mais gravidade do que a matéria normal pode explicar.
O mapa resultante, mostrando onde a matéria se congregou ao longo dos 13,8 bilhões de anos de vida do Universo, será uma referência valiosa para os cientistas que procuram entender como o Universo evoluiu.
De fato, os resultados já mostram que a matéria não está distribuída exatamente como pensávamos, sugerindo que pode haver algo faltando no atual modelo padrão de cosmologia.
De acordo com os modelos atuais, no evento do Big Bang, toda a matéria do Universo foi condensada em uma singularidade: um único ponto de densidade infinita e calor extremo que repentinamente explodiu e expeliu quarks, rapidamente se combinando para formar uma sopa de prótons, nêutrons e núcleos. Os átomos de hidrogênio e hélio surgiram algumas centenas de milhares de anos depois; a partir deles, todo o Universo foi formado.
Como esses primeiros átomos se espalharam, esfriaram, se aglomeraram, formaram estrelas, rochas e poeira, é um trabalho de detetive baseado em como o Universo ao nosso redor se apresenta hoje para nós. E uma das principais pistas que usamos é onde toda a matéria está agora – pois aí os cientistas podem então trabalhar de trás para frente para descobrir como as coisas se formaram.
Mas não podemos ver tudo. Na verdade, a maior parte da matéria do Universo – cerca de 75% – é completamente invisível para nossos métodos de detecção atuais.
Nós a detectamos apenas indiretamente, porque cria campos gravitacionais mais fortes do que deveria haver apenas com base na quantidade de matéria normal. Isso se manifesta em fenômenos como galáxias girando mais rápido do que deveriam, e uma pequena peculiaridade do Universo que chamamos de lente gravitacional.
Quando algo no Universo tem massa suficiente – por exemplo, um aglomerado de milhares de galáxias – o campo gravitacional ao seu redor se torna forte o suficiente para influenciar a curvatura do próprio espaço-tempo.
Isso significa que qualquer luz que viaja por essa região do espaço faz isso ao longo de um caminho curvo, resultando em luz distorcida e ampliada. Essas lentes também são mais fortes do que deveriam ser se estivessem sendo criadas apenas por matéria normal.
Para mapear a matéria no Universo, os pesquisadores compararam dados de lentes gravitacionais coletados por dois levantamentos diferentes – o Dark Energy Survey, que coletou dados em comprimentos de onda ultravioleta próximo, visível e infravermelho próximo; e o Telescópio do Polo Sul, que coleta dados sobre a radiação cósmica de fundo, os vestígios fracos de radiação deixados pelo Big Bang.
Ao comparar esses dois conjuntos de dados obtidos por dois instrumentos diferentes, os pesquisadores podem ter muito mais certeza de seus resultados.
“Funciona como uma verificação cruzada, tornando-se uma medida muito mais robusta do que se você usasse apenas um ou outro”, disse o astrofísico Chihway Chang, da Universidade de Chicago, EUA, que foi o principal autor de um dos três papers que descrevendo o trabalho.
Os principais autores dos outros dois papers são o físico Yuuki Omori, do Instituto Kavli de Física Cosmológica e da Universidade de Chicago, EUA, e o cientista de telescópios Tim Abbott, do Observatório Interamericano de Cerro Tololo do NOIRLab.
O mapa resultante, baseado nas posições das galáxias, lente das galáxias e lente da radiação cósmica de fundo, pode então ser extrapolado para inferir a distribuição de matéria no Universo.
Este mapa pode então ser comparado a modelos e simulações da evolução do Universo para ver se a distribuição de matéria observada corresponde à teoria.
Os pesquisadores fizeram algumas comparações e descobriram que seu mapa correspondia principalmente aos modelos atuais. Mas não exatamente. Houve algumas diferenças muito pequenas entre observação e previsão; a distribuição de matéria, descobriram os pesquisadores, é menos irregular, mais uniformemente espaçada do que os modelos preveem.
Isso sugere que nossos modelos cosmológicos poderiam precisar de um ajuste.
Isso não é realmente uma surpresa – existem algumas incompatibilidades entre a observação cosmológica e a teoria que parecem sugerir que estamos deixando passar despercebidas uma ou duas coisas em algum lugar; e as descobertas da equipe são consistentes com trabalhos anteriores – mas quanto mais precisos e completos forem nossos dados, maior a probabilidade de resolvermos essas discrepâncias.
Há mais trabalho a ser feito; as descobertas ainda precisam ser trabalhadas. Adicionar mais pesquisas ajudará a refinar o mapa e validar (ou anular) as descobertas da equipe.
E, claro, o próprio mapa ajudará outros cientistas a conduzir suas próprias investigações sobre a história misteriosa e obscura do Universo.
A pesquisa foi publicada na Physical Review D. Os três papers estão disponíveis no servidor de pré-publicação arXiv e podem ser encontrados aqui, aqui e aqui.