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Cinco fascinantes descobertas da Idade do Gelo encontradas no pergelissolo de Yukon

Por Rachael Lallensack
Publicado na Smithsonian Magazine

No território canadense de Yukon, imponentes florestas de pinheiros e abetos cobrem as colinas e o rio Yukon e seus afluentes sinuosos cortam vales na paisagem. Os invernos nesta região noroeste do Canadá são rigorosos, mas os meses quentes de verão são iluminados pelo sol até a meia-noite.

Ainda mais ao norte, no entanto, fica a tundra alpina sem árvores, onde temperaturas frígidas mantêm o solo permanentemente congelado. O solo gelado é chamado de pergelissolo ou permafrost. Na maioria das vezes, apenas musgo, líquen e arbustos de raízes rasas podem crescer na tundra.

Embora o número de alces supere o de pessoas em quase duas vezes, Yukon tem uma indústria de mineração movimentada e 14 grupos das Primeiras Nações prosperaram na terra por milhares de anos. Eles são descendentes das últimas ondas de povos antigos que viajaram sobre a Ponte Terrestre de Bering onde hoje é a Sibéria há pelo menos 15.000 anos – antes da travessia ser inundada no final do último período glacial.

Comumente conhecido como a última Idade do Gelo, o último período glacial começou há cerca de 100.000 anos. Durante esse período, a maior parte da América do Norte estava coberta de geleiras, mas as condições no que hoje é o Yukon eram muito secas para a formação destas. Como a maior parte da água do mundo estava presa no gelo, estima-se que o nível do mar tenha estado a 150 metros mais baixo do que é hoje. Isso revelou o fundo do Mar de Bering, criando uma passagem entre o Alasca e a Sibéria conhecida como Beríngia.

Animais antigos fizeram a jornada dezenas de milhares de anos antes dos humanos, e Yukon se tornou um lar vibrante para criaturas gigantes conhecidas como megafauna. Mamutes-lanudos migraram para a América do Norte da Europa e da Ásia, e gerações de cavalos da Idade do Gelo originários da América do Norte podem ter cruzado a ponte de terra mais de uma vez. Ancestrais gigantes de camelos, preguiças, leões, hienas e muitos outros povoaram a paisagem. Quando esses animais morreram, seus corpos provavelmente se decompuseram, e tudo o que não foi eliminado tornou-se parte do solo congelado.

O solo frio do pergelissolo preserva perfeitamente quase tudo dentro dele, incluindo DNA. Genes antigos podem ser facilmente extraídos de ossos e tecidos moles, e os cientistas até encontraram material genético intacto em amostras de solo.

Hoje, os cientistas sabem como esses animais viveram e morreram porque seus ossos e corpos estão muito bem preservados no pergelissolo. Os povos das Primeiras Nações têm profundo conhecimento histórico dos animais da Idade do Gelo, bem como de seus fósseis. Da mesma forma, desde a corrida do ouro de Klondike na virada do século 20, os mineiros descobriram muitos ossos gigantescos – relíquias da Idade do Gelo que continuam a ser encontradas em massa em minas e margens de rios hoje. À medida que as mudanças climáticas avançam, o pergelissolo também está derretendo rapidamente e revelando seu conteúdo – uma espécie de corrida do ouro para os paleontólogos.

Aqui estão cinco descobertas fascinantes que retratam o passado de Yukon.

Filhote de lobo quase perfeitamente preservado

Nome científico: Canis lupus

Zhùr, um filhote de lobo mumificado que viveu cerca de 57.000 anos atrás, foi encontrado por um mineiro no território canadense de Yukon, pouco povoado, onde o pergelissolo preservou notáveis ​​achados paleontológicos por milênios. Crédito: Governo de Yukon.

O que torna esta descoberta notável: “Ela é a múmia de lobo mais completa que já foi encontrada. Ela está basicamente 100% intacta – tudo o que está faltando são os olhos”, disse a coautora do estudo Julie Meachen, paleontóloga da Universidade de Des Moines, em Iowa (EUA), em uma coletiva de imprensa sobre a descoberta.

O que os cientistas descobriram: em 2016, um mineiro de ouro operando um canhão de água hidráulico na lama congelada descobriu um objeto que os paleontólogos reconheceram como um tesouro. Ele havia desenterrado um lobo-cinzento fêmea quase perfeitamente preservado que morreu há 57.000 anos. O animal da Idade do Gelo foi encontrado na terra ancestral do povo Tr’ondëk Hwëch’in, sendo nomeado de Zhùr, que significa lobo em Hän.

Raios-X de seus ossos e dentes mostraram que ela tinha pouco menos de sete semanas de idade quando morreu, de acordo com um estudo publicado na revista Current Biology. Os cientistas descartaram a fome ou o ataque de predadores como causas da morte porque ela foi preservada de forma tão imaculada. Em vez disso, eles concluíram que um colapso do seu covil provavelmente matou Zhùr.

Uma análise mais aprofundada mostra que sua dieta era rica em peixes, o que sugere que ela pode ter caçado com sua mãe ao longo dos rios, como os lobos modernos fazem hoje. Dados genéticos sugerem que Zhùr tinha parentes distantes na Eurásia e no Alasca. No entanto, os lobos que vivem no Yukon hoje têm uma assinatura genética diferente, o que significa que a população de Zhùr acabou sendo exterminada e substituída por outra.

Embora animais escavados daquela época, como esquilos terrestres do Ártico e furões-de-patas-negras, também tenham sido encontrados em condições semelhantes, “restos mumificados de animais antigos na América do Norte são incrivelmente raros”, disse Zazula em um comunicado. “Estudar este filhote de lobo completo nos permite reconstruir como esse lobo viveu durante a Idade do Gelo de maneiras que não seriam possíveis apenas observando os ossos fósseis”.

Zhùr está em exibição no Centro Interpretativo de Yukon-Beríngia em Whitehorse, Canadá.

Ossos de camelo ocidentais gigantes

Nome científico: Camelops hesternus

O nome em latim dos camelos ocidentais, Camelops hesternus, se traduz em “camelos do passado”. Crédito: Centro Interpretativo de Yukon-Beríngia.

O que torna essa descoberta notável: os ossos reorganizaram a árvore genealógica dos Camelidae, fornecendo evidências concretas de que os animais estavam intimamente relacionados aos camelos modernos em vez das lhamas, de acordo com um estudo de 2015 publicado na Molecular Biology and Evolution.

O que os cientistas descobriram: A família dos camelos, Camelidae, na verdade se originou na América do Norte há mais de 40 milhões de anos. Sua linhagem acabou se dividindo em camelos e lhamas. Antepassados ​​dos vários dromedários e bactrianos familiares hoje migraram pela Ponte Terrestre de Bering, enquanto predecessores de lhamas e alpacas se mudaram para a América do Sul.

Enquanto isso, os agora extintos camelos ocidentais (Camelops hesternus, que se traduz em “camelos do passado” em latim) permaneceram na América do Norte até o final da Idade do Gelo. Enquanto a maioria deles se aventurou para o sul, até Honduras, alguns foram para o norte, para o Alasca e Yukon.

Ossos de Camelops hesternus encontrados no Yukon fotografados de diferentes ângulos. Créditos: Heintzman et al., Molecular Biology and Evolution, 2015.

Por muitas décadas, os cientistas supuseram que os camelos do Ártico estavam mais intimamente relacionados com as lhamas e alpacas nativas da América do Sul porque os ossos de C. hesternus se assemelhavam a uma “lhama gigante” ou “lhamas com esteroides”, disse o paleontólogo Grant Zazula, que trabalha para o território de Yukon.

Em 2008, garimpeiros em Hunker Creek, que fica a cerca de 100 quilômetros da fronteira com o Alasca, coletaram uma pilha de ossos da era do gelo que datam de 75.000 a 125.000 anos. Alguns espécimes peculiares revelaram-se vários ossos de pernas pertencentes a uma espécie extinta de camelos cujos restos raramente são encontrados tão ao norte. Os ossos estavam tão bem preservados nas condições frias que os pesquisadores mais tarde conseguiram extrair DNA.

Os dados genéticos mostraram que os camelos ocidentais da Idade do Gelo se separaram dos camelos modernos há cerca de dez milhões de anos. Os ancestrais dos camelos de hoje migraram pela Beríngia cerca de sete milhões de anos atrás. Os camelos ocidentais do Ártico provavelmente viajaram para o norte de seu alcance típico durante um período mais quente há cerca de 100.000 anos antes de serem extintos há cerca de 10.000 anos.

Dentes de hiena do Ártico

Nome científico: Chasmaporthetes

As hienas antigas provavelmente chegaram à América do Norte pela Beríngia, a ponte de terra que existia entre a Rússia e o Alasca durante vários períodos conhecidos como glaciações, quando grande parte da água do mundo estava contida em geleiras. Crédito: Julius T. Csotonyi.

O que torna essa descoberta notável: “[Houve] mais de 50.000 ossos de animais da era do gelo encontrados na região de Old Crow no passado, e só temos dois ossos ou dois dentes dessa hiena”, disse Zazula ao CBC em 2019. “Então é um animal muito raro. Era quase como uma agulha no palheiro”.

O que os cientistas aprenderam: quando a maioria das pessoas pensa em hienas, elas provavelmente imaginam os robustos necrófagos que vivem em savanas africanas ou partes áridas da Índia. Os ancestrais dessas criaturas risonhas provavelmente se assemelhavam às hienas de hoje, mas tinham pernas altas e poderosas para correr rápido. Os Chasmaporthetes de fato evoluíram onde hoje é a Europa ou a Ásia há mais de 5 milhões de anos, e seus restos foram desenterrados em todo o mundo, inclusive na Mongólia, Kansas (EUA), México – e, agora, em Yukon.

Suspeitava-se que um par de dentes fossilizados armazenado no Museu Natural Canadense em Ottawa seria evidência de hienas que viveram no antigo Ártico, mas uma análise formal não foi concluída até 2019.

Quando o biólogo evolutivo Jack Tseng, especializado em carnívoros pré-históricos, finalmente conseguiu estudar os dentes pessoalmente, ele soube “em cinco minutos” que o molar e o pré-molar de fato pertenciam aos Chasmaporthetes.

Os cientistas encontraram pela primeira vez os dentes fossilizados que agora residem no museu na década de 1970, perto de Old Crow. Charlie Thomas, um ancião da comunidade Gwich’in das Primeiras Nações fez parte do grupo para descobri-los.

Pesquisas recentes determinaram que esse dente, originalmente descoberto em 1977, pertencia à antiga hiena do gênero Chasmaporthetes. Créditos: Grant Zazula / Governo de Yukon.

Por terem sido encontrados no leito de um rio e não em seu local de descanso original, os dentes são difíceis de datar. No entanto, com base na geologia da bacia, pesquisadores estimam que os dentes pertenciam a uma hiena que andava pela região entre 850.000 e 1,4 milhão de anos atrás.

Como as hienas de hoje, a antigo bicho do Ártico tinha uma boca cheia de dentes perfeitamente adequados para esmagar os ossos de suas presas, que provavelmente eram caribus antigos, bisões jovens ou talvez até mamutes bebês. Quanto ao motivo pelo qual elas foram extintas, os pesquisadores suspeitam que outros predadores da Idade do Gelo, como o urso-de-cara-achatada ou o extinto cão-quebrador-de-ossos, podem ter ganhado a competição dos Chasmaporthetes por comida.

Crânio de castor gigante

Nome científico: Castoroides ohioensis

Mais comprido do que a maioria dos humanos – exceto jogadores profissionais de basquete e vôlei – o castor gigante foi um dos maiores roedores registrados. Crédito: Museu Natural Canadense.

O que torna essa descoberta notável: “Acho que sempre que alguém vê nosso crânio de castor gigante, eles ficam tipo, ‘Uau, deve ter sido um tigre-dente-de-sabre comedor de pessoas'”, disse Zazula ao Yukon News em 2019. “Não, eles comiam apenas ervas daninhas da lagoa. É quase tipo, meio anticlimático, sabe? Você tem esse animal de quase dois metros de altura que só come pequenas ervas daninhas e você quer que seja algo mais impactante do que isso, mas não é”.

O que os cientistas aprenderam: Com 1,85 m de comprimento e 100 kg, o Castoroides ohioensis era do tamanho de um urso-negro moderno. A cauda deste enorme roedor se assemelhava mais à de um rato-almiscarado do que a cauda de remo do Castor canadensise moderno.

Este incisivo superior completo de Castoroides ohioensis foi encontrado em Old Crow. Créditos: Scientific Reports / Tessa Plint.

Mas os castores gigantes não eram exatamente roedores de árvores e engenheiros do ecossistema que constroem barragens como os castores do Ártico são agora. Em um estudo da Scientific Reports de 2019, os pesquisadores analisaram as assinaturas químicas em vários ossos e dentes fossilizados encontrados em Yukon e Ohio (EUA), estimados entre 10.000 e 50.000 anos. Esses testes mostraram que a criatura pré-histórica preferia plantas aquáticas.

“Basicamente, a assinatura isotópica dos alimentos que você come se incorpora aos seus tecidos”, explicou a autora do estudo, Tessa Plint, da Universidade Heriot-Watt (Reino Unido), em um comunicado de 2019. “Como as proporções isotópicas permanecem estáveis ​​mesmo após a morte do organismo, podemos observar a assinatura isotópica do material fóssil e extrair informações sobre o que esse animal estava comendo, mesmo que esse animal tenha vivido e morrido dezenas de milhares de anos atrás”.

Pesquisadores estudam as dietas da extinta megafauna da Idade do Gelo para entender as mudanças climáticas atuais. Esses animais prosperaram em climas mais úmidos e morreram 10.000 anos atrás, quando se tornou mais quente e seco. Eles podem ter sido perdido a competição para castores menores, que também viveram durante a Idade do Gelo e sobreviveram para roer as madeiras de hoje.

“Ele fornece um análogo muito legal sobre o que está acontecendo hoje no Norte, porque vemos animais se movendo para o norte o tempo todo por causa das condições de aquecimento”, disse Zazula ao Yukon News.

“[Esta migração] aconteceu há 100.000 anos também”, continuou ele. “Esses animais viram esses ambientes se movendo para o norte e seguiram o ambiente e acabaram em um lugar onde provavelmente não deveriam estar, como Yukon, porque são animais que evoluíram em condições mais ao sul”.

Osso de gato-de-cimitarra

Scientific name: Homotherium latidens

Os gatos-de-cimitarra eram caçadores temíveis. Crédito: Velizar Simenovski.

O que torna essa descoberta notável: como relativamente poucos fósseis de gatos-de-cimitarra foram encontrados, os cientistas teorizaram que apenas uma população pequena desses felinos com grandes presas existia, de acordo com o CBC. Este úmero os fez reavaliar tal ideia.

O que os cientistas descobriram: Em 2011, um osso foi encontrado no pergelissolo em um local de mineração de Dominion Creek perto de Dawson City. Pertencia a um gato-de-cimitarra (Homotherium latidens) – não deve ser confundido com um dente-de-sabre (Smilodon). Os gatos-de-cimitarra têm caninos mais curtos em forma de adaga com bordas serrilhadas, ao contrário de seus parentes famosos, cujos dentes normalmente mediam assustadores sete centímetros de comprimento.

No entanto, como o osso estava tão bem preservado no pergelissolo gelado, pesquisadores da Universidade de Copenhague conseguiram sequenciar todo o seu genoma. Eles descobriram que os pais do espécime eram apenas parentes distantes, o que significa que a população era grande o suficiente para ser geneticamente diversa – mais do que as espécies modernas de felinos, como leões africanos e linces, de acordo com uma análise comparativa.

Neste diagrama, os pesquisadores combinam 18 genes com uma ligação hipotética a um comportamento, característica física ou adaptação específica. Cerca de mais uma dúzia de genes não mostrados foram analisados ​​e associados à função e imunidade das células. É a Figura 2 no estudo de 2020. Créditos: Barnett et al., Current Biology, 2020.

Como se sabe muito sobre a genética humana e animal moderna, os pesquisadores podem identificar certos detalhes físicos associados a genes específicos e, em seguida, analisar como a criatura antiga pode ter se comportado, disse o autor do estudo, Thomas Gilbert, genomicista evolutivo da Universidade de Copenhague, em uma entrevista.

“Sua composição genética sugere que os gatos-de-cimitarra são caçadores altamente habilidosos. Eles provavelmente tinham uma visão diurna muito boa e exibiam comportamentos sociais complexos”, disse Michael Westbury, genomicista evolutivo da Universidade de Copenhague, em um comunicado de 2020.

“Eles tinham adaptações genéticas para ossos fortes e sistemas cardiovascular e respiratório bem estruturados, o que significa que eram adequados para corridas de resistência”, continuou ele. “Com base nisso, achamos que eles caçavam em bando até que suas presas chegassem à exaustão com um estilo de caça baseado em resistência durante o dia”.

Como o osso não pode ser datado usando a datação convencional por radiocarbono, que só pode ser usada para deduzir a idade do objeto dentro de um determinado intervalo, estima-se que tenha mais de 47.500 anos. Provavelmente foi extinto cerca de 10.000 anos atrás, quando outros animais da Idade do Gelo, incluindo sua presa preferida, também se extinguiram. “Assim como o mamute-lanudo, rinoceronte-lanudo, grandes cavalos norte-americanos, todos estes foram extintos ao mesmo tempo”, disse Westbury à CBC.

“Esta era uma família de felinos extremamente bem-sucedida. Eles estavam presentes nos cinco continentes e vagaram pela Terra por milhões de anos antes de serem extintos”, disse Ross Barnett, da Universidade de Copenhague, em um comunicado de 2020. “O atual período geológico é a primeira vez em 40 milhões de anos que a Terra não tem predadores dente-de-sabre. Nós sentimos falta deles”.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.