Traduzido por Julio Batista
Original de Joan Taylor para a BBC News
Todo mundo sabe como Jesus se parecia. Ele é a figura mais pintada de toda a arte ocidental, reconhecida em todos os lugares por ter cabelos compridos e barba, uma túnica comprida com mangas compridas (muitas vezes brancas) e um manto (muitas vezes azul).
Jesus é tão familiar que pode ser reconhecido em reflexos ou na formação de nuvens, segundo alguns cristãos.
Mas era realmente assim que ele se parecia?
Provavelmente não.
Na verdade, esta imagem familiar de Jesus na verdade vem da era bizantina, do século 4 em diante, e as representações bizantinas de Jesus eram simbólicas – eram todas sobre significado, não precisão histórica.
Elas foram baseados em imagens de imperadores ocupando o torno, como vemos no mosaico do altar da igreja de Santa Pudenziana, em Roma.
Jesus está vestido com uma toga dourada. Ele é o governante celestial de todo o mundo, parecido com a famosa estátua de Zeus Olímpico de cabelos compridos e barbudo em um trono – uma estátua tão conhecida que o imperador romano Augusto fez uma cópia de si mesmo no mesmo estilo (sem o cabelo comprido e a barba divinas).
Artistas bizantinos, procurando mostrar o governo celestial de Cristo como Rei cósmico, o inventaram como uma versão mais jovem de Zeus. O que aconteceu ao longo do tempo é que essa visualização do Cristo celestial – hoje às vezes refeita em linhas hippies – tornou-se nosso modelo padrão do Jesus primitivo.
Então, como Jesus realmente se parecia?
Vamos da cabeça aos pés.
1. Cabelo e barba
Quando os primeiros cristãos não estavam mostrando Cristo como governante celestial, eles mostravam Jesus como um homem real como qualquer outro: sem barba e de cabelos curtos.
Mas talvez, como uma espécie de sábio errante, Jesus tivesse barba – e até cabelos um pouco compridos -, pela simples razão de que não ia ao barbeiro.
Pensava-se que a despreocupação geral com o visual e a barba diferenciavam um filósofo (que estava pensando em coisas superiores) de todos os outros. O filósofo estoico Epiteto considerava isso “apropriado de acordo com a Natureza”.
De qualquer maneira, no mundo greco-romano do século I, estar barbeado e com cabelos curtos era considerado absolutamente essencial. Uma grande juba de cabelo luxuriante e barba era uma característica divina, não replicada na moda masculina. Até um filósofo mantinha o cabelo bem curto.
Uma barba não era algo distintivo do judeu na antiguidade. De fato, um dos problemas para os opressores de judeus em diferentes épocas era identificá-los quando se pareciam com todos os outros (um ponto levantado no livro dos Macabeus). No entanto, imagens de homens judeus nas moedas da série Judea Capta, emitidas por Roma após a captura de Jerusalém em 70 d.C., indicam homens capturados que são barbudos.
Assim, Jesus, como um filósofo com a aparência “natural”, poderia muito bem ter uma barba curta, como os homens retratados nas moedas da série Judea Capta, mas seu cabelo provavelmente não era muito comprido.
Se ele tivesse um cabelo um pouco comprido, esperaríamos alguma reação. Homens judeus que tinham barbas despenteadas e cabelos levemente compridos eram imediatamente identificáveis como homens que haviam feito um voto de nazireu. Isso significava que eles se dedicariam a Deus por um período de tempo, não beberiam vinho ou cortariam o cabelo – e no final desse período eles raspariam a cabeça em uma cerimônia especial no templo em Jerusalém (conforme descrito em Atos capítulo 21, versículo 24).
Mas Jesus não manteve um voto de nazireu, porque muitas vezes ele é descrito bebendo vinho – seus críticos o acusam de beber muito vinho (Mateus capítulo 11, versículo 19). Se ele tivesse cabelos compridos e parecesse um nazireu, seria de se esperar algum comentário sobre a discrepância entre sua aparência e o que estava fazendo – o problema seria que ele estava bebendo vinho.
2. Vestuário
Na época de Jesus, os homens ricos vestiam roupas compridas para ocasiões especiais, para mostrar seu alto status em público. Em um dos ensinamentos de Jesus, ele disse: “Cuidado com os escribas, que desejam andar com vestes compridas (stolai), de receber saudações nas praças e de ocupar os lugares mais importantes nas sinagogas e os lugares de honra nos banquetes.” (Marcos capítulo 12, versículos 38-39).
Os ditos de Jesus são geralmente considerados as partes mais precisas dos Evangelhos, então, a partir disso, podemos supor que Jesus realmente não usava essas vestes.
No geral, um homem no mundo de Jesus usaria uma túnica na altura do joelho; as mulheres usariam na altura do tornozelo, e se você mudasse isso, seria outra reação. Assim, nos Atos de Paulo e Tecla do século II, quando Tecla, uma mulher, veste uma túnica curta (masculina), isso é visto como uma atitude chocante. Essas túnicas geralmente tinham faixas coloridas que iam do ombro à bainha e podiam ser tecidas como uma peça.
Em cima da túnica você usaria um manto, uma himation, e sabemos que Jesus usava uma dessas porque era isso que uma mulher tocava quando queria ser curada por ele (veja, por exemplo, Marcos capítulo 5, versículo 27). Um manto era um grande pedaço de material de lã, embora não fosse muito grosso e, para se aquecer, você geralmente usaria dois.
Uma himation, que poderia ser usado de várias maneiras, como um xale, pendia até os joelhos e cobria completamente a túnica curta. (Certos filósofos ascetas até usavam uma grande himation sem a túnica, deixando o torso superior direito descoberto, mas isso é outra história.)
Poder e prestígio eram indicados pela qualidade, tamanho e cor desses mantos. Roxo e certos tipos de azul indicavam grandeza e estima. Eram cores reais porque os corantes usados para fazê-las eram muito raros e caros.
Mas as cores também podem indicar outra coisa. O historiador Josefo descreve os zelotes (um grupo judeu que queria expulsar os romanos da Judéia) como um bando de travestis assassinos que vestiam “mantos tingidos” – chlanidia – indicando que eram roupas femininas. Isso sugere que “homens de verdade” na época, a menos que fossem do mais alto status, deveriam usar roupas não tingidas.
Jesus não usava branco, no entanto. Isso seria algo distinto dos demais, exigindo branqueamento ou giz, e na Judéia estava associado a um grupo chamado essênios – que seguiam uma interpretação estrita da lei judaica. A diferença entre as roupas de Jesus e as roupas brancas e brilhantes é descrita em Marcos, capítulo 9, quando três apóstolos acompanham Jesus a uma montanha para orar e ele começa a irradiar luz. Marcos relata que as himatia de Jesus (plural de himation, indicando mais de um manto) ficaram “resplandecentes, extremamente brancas como a neve, tais como nenhum lavadeiro sobre a terra as poderia branquear.”. Antes de sua transfiguração, portanto, Jesus é apresentado por Marcos como um homem comum, vestindo roupas comuns, neste caso lã não tingida, o material que você usaria no cotidiano.
Somos informados mais sobre as roupas de Jesus durante sua execução, quando os soldados romanos dividem suas himatia em quatro partes (ver João capítulo 19, versículo 23). Uma delas era provavelmente um talith, ou xale de oração judaico. Este manto com borlas (tzitzith) é especificamente referido por Jesus em Mateus capítulo 23, versículo 5. Este era uma himation leve, tradicionalmente feita de material de lã de cor creme não tingido, e provavelmente tinha algum tipo de listra ou linha índigo.
3. Pés
Nos pés, Jesus teria calçado sandálias. Todos usavam sandálias. Nas cavernas do deserto perto do Mar Morto e Massada, sandálias do tempo de Jesus foram descobertas. Eram muito simples, com as solas feitas de grossos pedaços de couro costurados, e as partes superiores feitas de tiras de couro passando pelos dedos dos pés.
4. Aparência física
E as características faciais de Jesus? Elas eram judias (no sentido étnico) e semitas. Que Jesus era um judeu é certo, pois é encontrado várias vezes em diversas literaturas, inclusive nas cartas de Paulo. E, como afirma a Carta aos Hebreus: “é claro que nosso Senhor era descendente de Judá”. Então, como imaginamos um judeu nesta época, um homem “com cerca de 30 anos de idade”, de acordo com Lucas capítulo 3?
Em 2001, o antropólogo forense Richard Neave criou um modelo de um homem galileu para um documentário da BBC, Son of God, trabalhando com base em um crânio real encontrado na região. Ele não afirmou que era o rosto de Jesus. Era simplesmente para levar as pessoas a considerarem Jesus como um homem de seu tempo e lugar, já que nunca nos disseram que ele parecia diferente dos outros.
Com tudo o que pode ser feito com modelagem em ossos antigos, acho que a correspondência mais próxima com o que Jesus realmente parecia é encontrada na representação de Moisés nas paredes da sinagoga do século III de Dura-Europo, uma vez que mostra como um sábio judeu foi imaginado no mundo greco-romano. Moisés é imaginado em roupas não tingidas e, de fato, seu manto é um talith, pois na imagem de Moisés dividindo o Mar Vermelho pode-se ver borlas (tzitzith). De qualquer forma, essa imagem é muito mais correta como base para imaginar o Jesus histórico do que as adaptações do Jesus bizantino que se tornaram padrão: ele tem cabelos curtos e uma barba curta, e está vestindo uma túnica curta, com mangas curtas, e uma himation.