Como a formiga roubou o jantar de um leão? Este não é o começo de uma das fábulas do escritor grego Esopo. É a conclusão de um novo estudo que mostra como a ruptura de uma pequena relação mútua na savana africana causou grandes impactos na cadeia alimentar de um animal.
Quando as formigas de cabeça-grande (Pheidole megacephala) invadem a savana, elas matam as formigas acácias nativas (gênero Crematogaster), roubando as árvores espinhosas (espécies dominantes em grande parte da África Oriental) de seus valentes defensores contra os elefantes famintos.
Sem formigas para mordê-los, os elefantes arrancam os espinhos, abrindo as pastagens, o que torna mais difícil para os leões emboscarem as zebras – a refeição preferida dos felinos. Por consequência, eles acabam caçando búfalos, aumentando o risco de morrerem na caçada.
As descobertas, publicadas na Revista Science, mostram que os efeitos das espécies invasoras podem ser muito indiretos – e sugerem que as mudanças em diferentes mutualismos, de baixo nível, também podem repercutir nas cadeias alimentares de outros ecossistemas.
Nos últimos 15 anos, o ecologista da vida selvagem Jake Goheen e seus colegas da Universidade de Wyoming, em Laramie (EUA), e da Ol Pejeta Conservancy (Unidade de conservação da vida selvagem), em Laikipia, Quênia, têm estudado como as formigas acácias protegem as árvores espinhosas. Quando um elefante tenta comer a árvore, “as formigas se juntam dentro de suas narinas e mordem de dentro para fora”, diz Goheen.
Os cientistas também estavam examinando como os leões da área de conservação procuram suas presas. “Uma das coisas que descobrimos… foi que os leões são muito mais eficazes, têm mais sucesso nas suas caçadas, em áreas onde a cobertura das árvores são mais altas”, destaca Goheen.
Mas o que acontece quando a cobertura das árvores diminui?
Para descobrir, Goheen e seus colegas colocaram coleiras em seis leoas dos bandos locais para rastrear suas atividades. A equipe também montou áreas experimentais onde as formigas cabeçudas haviam invadido e onde as formigas nativas ainda dominavam.
Conforme o estudo, a formiga cabeçuda chegou à área de conservação entre 2002 e 2005. “Achamos que provavelmente foi importada como produto”, levada para as casas ou acampamentos turísticos da região.
As cabeçudas matam as formigas acácias locais onde quer que as encontrem. E outros estudos mostraram que, sem a defesa das formigas, os elefantes derrubavam as árvores espinhosas com cinco a sete vezes mais frequência.
No estudo, os cientistas poderiam ter usado drones ou imagens de satélite para estudar a cobertura das árvores, mas “não temos esse dinheiro”, conta Goheen.
Em vez disso, os pesquisadores rastrearam seus leões com coleiras e, em seguida, ao encontrar restos de suas presas, usaram um telêmetro para medir a abertura da área.
As áreas com formigas de cabeça-grande tinham visibilidade 2,67 vezes maior do que as áreas sem formigas de cabeça-grande, o que significa que os leões podiam ver mais longe, mas o mesmo poderia acontecer com suas presas.
Os leões dependiam da cobertura das árvores para atacar as zebras: onde a visibilidade era baixa, a probabilidade de uma zebra ser morta era de 62%. Mas quando a visibilidade era elevada, a probabilidade de o leão abater uma zebra caía para 22%.
Ao longo dos três anos do estudo, os jantares de zebra – por parte dos leões – diminuíram de 67% para 42%. Mas os leões não passaram fome. Ao invés disso, eles optaram pela carne bovina. As mortes de búfalos aumentaram de zero para 42 por cento durante o período do estudo. “É uma dieta arriscada”, enfatiza Goheen. Os búfalos “são grandes e agressivos” e os leões que caçam búfalos têm maior probabilidade de se ferir.
O estudo também mostra que “a ruptura de um mutualismo (relação ecológica entre indivíduos de espécies diferentes) pode ter efeitos em cascata sobre outras espécies da região”, explica Emilio Bruna, ecologista vegetal da Universidade da Flórida, em Gainesville. “Esses efeitos podem ser inesperados e indiretos.”
A pesquisa é um sinal para os ecologistas ficarem atentos a outros pares, como a formiga acácia e o espinheiro, onde uma única relação especial é a base de todo um ecossistema. E um único formigueiro pode causar uma mudança em toda a savana.
Traduzido de ScienceNews