Por Adam Mann
Publicado na Science
A Via Láctea não foi gentil com a galáxia anã de Sagitário. Localizada a cerca de 70.000 anos-luz de distância, o feixe de estrelas foi fragmentado e esticado em uma corrente filamentosa pela gravidade da Via Láctea. Agora, os cientistas mapearam Sagitário em detalhes requintados e usaram esse mapa para fornecer uma imagem há muito procurada do misterioso halo de matéria escura em que nossa galáxia reside.
Identificada pela primeira vez em 1994, a galáxia de Sagitário é uma das companheiras mais próximas da Via Láctea. Ao longo dos tempos, as forças gravitacionais a dilaceraram, espalhando estrelas em uma corrente que agora circunda completamente a Via Láctea. Isso faz de Sagitário uma escala sensível para medir a distribuição de massa em nossa Galáxia, que inclui não apenas o disco visível das estrelas, mas também um halo invisível de matéria escura, que se pensa abranger até 90% da massa total.
Em princípio, os pesquisadores poderiam monitorar as órbitas de aglomerados estelares e galáxias próximas e usar as leis da física para calcular quanta matéria está sendo puxada. Mas seu movimento pelo céu é, demasiadamente, lento para monitorar em vidas humanas. A corrente de Sagitário, por outro lado, já incorpora esses movimentos. “É essencialmente como uma órbita desenhada para você no céu”, diz Vasily Belokurov, astrônomo da Universidade de Cambridge.
Durante o último quarto de século, astrônomos tentaram usar mapas de Sagitário para calcular a forma do halo de matéria escura da Via Láctea. Mas identificar o fluxo de nossa posição no disco da Via Láctea é um desafio, e os astrônomos criaram formas de halo tão variadas quanto ovos e bolas de rúgbi.
Então, chegou o satélite Gaia da Agência Espacial Europeia. Dois anos atrás, a sonda começou a liberar seus mapas ultraprecisos das estrelas na Via Láctea – e estrelas nos riachos circundantes. Com os dados, Belokurov e seus colegas puderam dizer que o fluxo de Sagitário estava sendo puxado indiretamente por outro jogador gravitacional: o do maior companheiro da galáxia, a Grande Nuvem de Magalhães (abreviada como LMC, do inglês Large Magellanic Cloud), que pesa entre um quinto e um terço mais como a própria Via Láctea.
Retrocedendo o relógio, os pesquisadores construíram um modelo computacional galáctico ao longo de 3 bilhões de anos – e descobriram que tanto LMC quanto Sagitário mergulharam perto da Via Láctea, há apenas 50 milhões de anos. O peso significativo da LMC puxou nossa Galáxia, o que induziu uma força que afetou Sagitário. Isso ajuda a explicar um puxão lateral peculiar no fluxo de Sagitário, dizem Belokurov e seus colegas, que relatam os resultados em um pré-print publicado no repositório arXiv. Resolver esse quebra-cabeça tornou mais fácil usar o riacho de Sagitário como uma escala e inferir a forma do halo de matéria escura da galáxia.
Os resultados da equipe sugerem que a distribuição de matéria escura ao redor da Via Láctea é complexa. Mais perto do disco de nossa Galáxia, onde se espera que a matéria escura seja mais densa, o halo assume a forma de uma esfera comprimida – um pouco como uma abóbora, com o topo dela apontando para fora do plano galáctico. Mas mais longe, a cerca de 65.000 anos-luz do centro da galáxia, a forma do halo muda: a abóbora se inclina para o lado, de modo que seu caule fica alinhado com o disco da galáxia.
As voltas e reviravoltas dessa forma complicada podem fornecer dicas de como o halo da Via Láctea está conectado à rede local de filamentos de matéria escura, chamada de teia cósmica, que une grandes galáxias vizinhas, diz Belokurov.
Kathryn Johnston, uma astrônoma da Universidade de Columbia que não esteve envolvida no trabalho, concorda. “Nunca pudemos ver nada além da forma mais simples do halo de matéria escura”, diz ela. “Esta é uma dica de deformação global em grande escala, e isso é muito emocionante”.
Obter até mesmo essa visão limitada do halo de matéria escura da Via Láctea é importante, diz Belokurov, porque é o halo mais próximo que temos acesso: poderia ajudar os pesquisadores a entender como as partículas leves ou pesadas de matéria escura podem ser e melhorar os modelos que traçam a evolução da teia cósmica desde o big bang até hoje.