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Crânios de dinossauros de todo o mundo mostram como os antigos continentes estavam ligados

Traduzido por Julio Batista
Original de Stephen Poropat para o The Conversation

Em maio e junho de 2018, o primeiro crânio quase completo de um saurópode da Austrália – um grupo de dinossauros de cauda longa, pescoço longo e cabeça pequena – foi encontrado em uma fazenda de ovelhas a noroeste de Winton, em Queensland.

Fiz parte da equipe de escavação do Museu Australiano da Era dos Dinossauros que fez a descoberta e, posteriormente, tive o privilégio de liderar a equipe que estudou o crânio. Após anos de trabalho, nossos resultados foram publicados hoje na Royal Society Open Science.

O crânio pertencia a uma criatura que apelidamos de “Ann”: um membro da espécie Diamantinasaurus matildae que mostra semelhanças surpreendentes com fósseis encontrados do outro lado do mundo, reforçando a teoria de que os dinossauros já vagaram entre a Austrália e a América do Sul através de uma terra antártica conectada

Um bom crânio é difícil de encontrar

Os dinossauros saurópodes sempre foram uma fonte de fascínio para mim, e encontrar um crânio de saurópode era um dos meus sonhos de infância. Infelizmente, o registro fóssil tende a preservar membros, vértebras e costelas de saurópodes, e fortemente não favorecem os crânios.

Isso faz sentido quando você considera os processos que atuam no corpo de um organismo depois que ele morre, que os paleontólogos chamam de tafonomia.

Ossos de membros grandes e robustos são resistentes à decomposição e, se forem enterrados rapidamente, podem fossilizar rapidamente. Vértebras e costelas compreendem uma proporção significativa do esqueleto de um vertebrado, aumentando suas chances de preservação.

Em contraste, os crânios dos saurópodes eram relativamente pequenos, compostos de muitos ossos delicados que eram apenas frouxamente mantidos juntos por tecidos moles e aparentemente facilmente separados do final do pescoço. Eles também podem ter sido alvos principais de dinossauros carnívoros: a única caixa craniana de saurópode da Austrália previamente descrita preserva várias marcas de mordidas de ferozes terópodes.

O crânio reconstruído de Diamantinasaurus matildae, visto do lado esquerdo. (Créditos: Poropat et al., Royal Society Open Science)

Os ossos do crânio foram encontrados cerca de dois metros abaixo da superfície, espalhados por uma área de cerca de nove metros quadrados. Grande parte do lado direito do rosto está faltando, mas a maior parte do lado esquerdo está presente.

Infelizmente, muitos dos ossos mostram sinais de distorção (presumivelmente resultado de decomposição ou pisoteio post mortem), o que torna a remontagem física do crânio um processo delicado.

A tecnologia moderna recria um animal antigo

Sendo assim, partimos para a reconstrução digital do crânio. Fizemos uma tomografia computadorizada dos ossos no Hospital St Vincent’s em Melbourne. Isso permitiu que as características internas de cada osso fossem observadas em um computador.

Dentro de um osso do focinho (que também examinamos no Síncrotron Australiano), encontramos dentes provisórios. Há muito tempo se sabe que os saurópodes, como os crocodilos de hoje, substituem continuamente seus dentes ao longo de suas vidas.

Também digitalizamos todos os ossos com um scanner de superfície, permitindo que modelos 3D detalhados de cada osso sejam feitos em um computador. O crânio poderia então ser remontado em um espaço virtual sem risco de danos aos próprios fósseis.

Os dentes do novo crânio do saurópode eram muito semelhantes aos encontrados em outros locais na área de Winton. As comparações com o único outro crânio de saurópode fragmentário da Austrália (também de Winton) revelaram semelhanças adicionais.

Área de Winton mostrando a extensão do afloramento da Formação Winton, a localização da Fazenda Elderslie e várias outras fazendas de estoque e locais na área de onde foram coletados fósseis de saurópodes. Tradução da legenda: Formação Winton (Winton Formation), estrada (road), cidade (town), museu (museum) e herdade de ovelhas (station homestead). (Créditos: Poropat et al., Royal Society Open Science)

Conheça Diamantinasaurus matildae

Nosso crânio pertence à espécie Diamantinasaurus matildae. O Diamantinasaurus teria o comprimento de uma quadra de tênis, a altura de um poste a partir do ombro e pesaria cerca de 25 toneladas – tanto quanto dois carros de bombeiros.

Diamantinasaurus ocupa um ramo baixo na árvore genealógica de um grupo de saurópodes chamados titanossauros. Outros membros do grupo titanossauro (de ramos mais altos em sua árvore genealógica) incluem os maiores animais terrestres que já existiram, como o Patagotitan e o argentinossauro, que ultrapassavam os 30 metros de comprimento. Os titanossauros foram os únicos saurópodes a viver até o final do período cretáceo, quando a era dos dinossauros chegou ao fim.

Diamantinasaurus matildae reconstruiu seções do crânio. As barras de escala representam 10 cm. (Créditos: Poropat et al., Royal Society Open Science)

Diamantinasaurus tem um focinho arredondado, típico de saurópodes de tamanho médio a grande. Seus dentes tem uma forma robusta, mas os de outros locais mostram poucos sinais de desgaste por terra ou cascalho, reforçando a ideia de que o Diamantinasaurus preferia se alimentar a alguma distância acima do nível do solo.

Apenas dois dentes provisórios estão presentes em cada cavidade dentária, o que implica que o Diamantinasaurus substituia seus dentes de forma relativamente lenta. E por fim, os dentes ficam restritos à frente do focinho, o que significa que o Diamantinasaurus, como todos os outros saurópodes, não mastigava sua comida.

Semelhanças de família

Comparamos nosso crânio de saurópode com outros de todo o mundo. O crânio mais parecido foi o do Sarmientosaurus musacchioi, que viveu no sul da América do Sul. Diamantinasaurus e Sarmientosaurus viveram aproximadamente na mesma época (cerca de 95 milhões de anos atrás) e aproximadamente na mesma latitude (50 °S).

Anteriormente, havíamos levantado a hipótese de que esses dois saurópodes eram parentes próximos, com base em evidências limitadas. O novo crânio reforça essa ideia em grande escala: osso por osso, os crânios de Diamantinasaurus e Sarmientosaurus são extremamente semelhantes.

Isso pode parecer estranho, dada a grande distância física entre a América do Sul e a Austrália hoje. No entanto, naquela época, cada um desses continentes manteve uma conexão terrestre persistente com a Antártica.

Os saurópodes aparentemente preferiam climas mais quentes em latitudes baixas a médias. No entanto, 95 milhões de anos atrás, o clima era extremamente quente, mesmo para os padrões quentes do Cretáceo.

Com as latitudes polares mais favoráveis ​​aos saurópodes, esses gigantes escamosos – e outros animais terrestres – poderiam percorrer florestas exuberantes nas latitudes baixas do mundo entre a América do Sul e a Antártica.

É um privilégio poder finalmente dar um rosto ao nome Diamantinasaurus matildae. Espera-se que futuras descobertas ajudem a consolidar seu status como um dos titanossauros mais completamente compreendidos em todo o mundo.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.