Mais de 20% dos filés de salmão do Atlântico podem apresentar manchas pretas e vermelhas pouco atraentes, frequentemente maiores que 1 cm, gerando significativas perdas financeiras. Essas manchas são muito mais comuns em salmões criados em cativeiro do que nos selvagens, e suas causas ainda são pouco compreendidas.
Com a intenção de esclarecer a bioquímica dessas manchas, o professor Turid Mørkøre da Universidade Norueguesa de Ciências da Vida buscou a expertise dos professores Kazumasa Wakamatsu e Shosuke Ito, da Universidade de Saúde Fujita, Japão, líderes na ciência da bioquímica da melanina.
Esses pesquisadores descobriram que as manchas pretas contêm um tipo de melanina chamado eumelanina, enquanto as manchas vermelhas não apresentam melanina de forma detectável. A diferença bioquímica entre as manchas vermelhas e pretas indica que seus pigmentos têm origens celulares distintas, sendo hemácias e melanomacrófagos (macrófagos de peixe com pigmento escuro), respectivamente.
Embora esperado, o achado é um passo importante para compreender o problema das manchas. O estudo foi publicado no International Journal of Molecular Sciences.
Nas últimas décadas, as descolorações focais nos filés de músculo do salmão do Atlântico se tornaram um problema crescente para a aquicultura comercial, afetando uma parcela substancial dos filés. As causas dessas manchas são um mistério, embora várias teorias plausíveis tenham sido propostas, sendo provável que existam múltiplas causas diferentes. As manchas são geralmente classificadas como “manchas vermelhas” ou “manchas pretas”, também conhecidas como “alterações focais vermelhas” e “alterações focais melanizadas”.
Contudo, uma análise bioquímica adequada das manchas pretas nunca havia sido feita, e a hipótese de conterem melanina baseava-se principalmente na coloração com Fontana-Masson, que é apenas relativamente específica para melanina. Foram encontradas formas intermediárias entre as manchas vermelhas e pretas, levando a um consenso de que as manchas pretas geralmente se originam das vermelhas.
A melanina é um heteropolímero grande e altamente irregular, composto de unidades monoméricas derivadas da oxidação enzimática do aminoácido tirosina, existindo vários tipos de melanina. Os professores Wakamatsu e Ito são especialistas em melanina e desenvolveram um conjunto de ensaios bioquímicos para caracterizar diferentes tipos de melanina em várias espécies, desde pacientes humanos com melanoma até animais fossilizados, como dinossauros.
Ao aplicar esses ensaios nas manchas de filés de salmão do Atlântico da Noruega, eles constataram que as manchas pretas continham o pigmento preto “eumelanina”, presente também no cabelo e na pele humanos. Já para as manchas vermelhas, não foi possível concluir a presença de melanina. No entanto, nas manchas vermelhas, encontraram produtos derivados da DOPA, sugerindo um ambiente oxidativo condizente com hemorragia.
Importante destacar que os achados de Wakamatsu e colaboradores revelaram que não existe continuidade bioquímica entre os pigmentos das manchas vermelhas e pretas, corroborando hipóteses histológicas anteriores de que as manchas vermelhas são causadas por hemorragias e as pretas por acúmulos locais de melanomacrófagos em reações imunológicas locais crônicas.
Melanomacrófagos são células imunes encontradas apenas em vertebrados ectotérmicos, como peixes, anfíbios e répteis. Por inferência, o novo estudo de Wakamatsu e colaboradores sugere que o pigmento preto nos melanomacrófagos é eumelanina, o que não havia sido devidamente determinado antes.
Hemorragias podem ter várias causas, e nem toda hemorragia leva à inflamação crônica com melanomacrófagos. Além disso, os melanomacrófagos também podem se acumular por outras razões. Assim, a origem celular distinta das manchas vermelhas e pretas, evidenciada pela descontinuidade bioquímica identificada por Wakamatsu e colaboradores, implica que os pesquisadores devem considerar uma variedade de possíveis causas para as diferentes manchas e não buscar uma explicação única que se aplique a todos os casos.
O professor Erling Koppang, especialista norueguês em manchas em filés de salmão que não participou deste estudo, comenta: “O estudo de Wakamatsu e colaboradores é um componente importante na caracterização de lesões pigmentadas no salmão do Atlântico e se alinha bem com a identificação prévia, feita por nosso grupo, da expressão de tirosinase [um gene necessário para a produção de melanina] em alterações pretas.”
“Agora sabemos com certeza que o produto final está como esperávamos, o que é importante para avançar na tentativa de prevenir essas lesões.”
O artigo foi publicado originalmente na Fujita Health University.