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Desumanização e Sugestionamento

A desumanização ocorre quando algumas pessoas passam a considerar que outras pessoas estão fora da ordem moral humana e passam a suspender os padrões morais que, comumente, governam as ações cotidianas em relação aos seus semelhantes. Por sua vez, esse mecanismo tem grande contribuição no racismo e em outros tipos de discriminação, possibilitando que pessoas justas, idealistas e consideradas normais realizem atos cruéis.

Em 1975, o psicólogo Albert Bandura (foto) e outros colegas, tentaram investigar quais as mínimas condições necessárias para criar a desumanização. Em um de seus experimentos, reuniu 72 voluntários do sexo masculino, que foram divididos em trios de supervisores, a função dos trios era escolher a punição adequada para outros universitários que, supostamente, estariam em um grupo de tomada de decisão.

Os voluntários que seriam os supervisores, eram informados que o objetivo do estudo era melhorar a capacidade de solução de problemas e tomada de decisão de outros voluntários universitários. Os grupos de tomada de decisão tinham 20 tentativas de chegar a um acordo, os trios de supervisores ouviam a equipe de tomada de decisão supostamente formulando decisões coletivas e, com base em informações que recebiam para avaliar a adequação de cada decisão, os supervisores deveriam punir o grupo de tomada de decisão com choques elétricos para cada decisão ruim. Eles podiam escolher a intensidade do choque variando de 1 (leve) até 10 (máximo).

Mas a verdade é que os verdadeiros sujeitos do estudo eram os estudantes nos trios que escolhiam a punição a ser aplicada, pois não haviam outros universitários, o grupo de tomada de decisão era apenas uma gravação padronizada.

Um dos pontos importantes no estudo, se referia em como as “vítimas” eram rotuladas. Os voluntários dos grupos de tomada de decisão foram distribuídos em condições humanizadas, desumanizadas e neutras.

Os supervisores eram informados que os participantes eram compostos por participantes de diferentes estratos sociais, para aumentar a generalidade do estudo, mas que eram formados por pessoas de características similares, dando caráter homogêneo aos grupos, para que os rótulos positivos ou negativos pudessem servir para o grupo como um todo.

Após receberem todas as informações, o experimento começava. Durante o processo, os trios de supervisores ouviam “acidentalmente” um comentário entre o assistente de pesquisa e o experimentador pelo interfone, que na verdade não era acidental. Nessa parte do experimento eram introduzidos os rótulos para cada grupo de tomada de decisão. Em relação à alguns grupos o comentário era desumanizador, como “um bando de animais, vagabundos”. Na condição humanizada eram referidos como “caras legais, sensíveis, compreensíveis ou até mesmo íntegros”. Por fim, na condição neutra não era feito nenhum comentário.

Como se tratava de uma gravação, os supervisores nunca interagiam com o grupo de tomada de decisão, assim não poderiam avaliar se os rótulos eram pertinentes ou não.

Durante a primeira tentativa, não houve diferença alguma na intensidade de choque distribuídas pelos trios, ficando por volta do nível 2, se o experimento fosse encerrado naquele momento, seria concluído que os rótulos não tiveram qualquer importância nas punições utilizadas pelos universitários. Contudo, a cada nova tentativa e erros dos “tomadores de decisão”, os níveis de choques divergiam entre os três grupos.

Os grupos neutros, que não receberam rótulo algum, receberam choques por volta do nível 5. Os grupos em condições humanizadas, que receberam rótulos como “caras legais”, receberam choques em torno do nível 3. Porém, os grupos desumanizados, que foram rotulados como “animais”, por exemplo, receberam choques com níveis de intensidade significativamente maiores que nos outros grupos, subindo até o nível 8.

Uma frase dita por pessoas que eles nunca viram, sobre alguém que nem conhecem, foi suficiente para mudar a construção mental que faziam desses “outros” que foram rotulados. Essa nova disposição mental teve um impacto significativo em seus comportamentos, fazendo com que estudantes tratassem outros estudantes de maneiras diferentes.

Porém, também foi demonstrado um ponto positivo nesse estudo, apesar dos rótulos negativos cumprirem um papel importante no aumento de choques aplicados, os rótulos positivos proporcionaram uma diminuição na intensidade aplicada, demonstrando que o poder da humanização tem importância equivalente ao fenômeno da desumanização, tanto em nível teórico como social.

Assim, os rótulos podem ter um impacto positivo, ou negativo nas ações humanas, dependendo da situação. Esses resultados apontam para uma questão importante do nosso cotidiano. Se tornou comum pertencer a um grupo de pensamento, a uma ideologia, ter uma visão política e social específica, criando uma homogeneização de pensamento, criando crenças sobre quem somos “nós” e quem são “eles”, os “outros”.

Cabe a nós ficarmos atentos com relação às nossas atitudes e crenças sobre os “outros”, isso se aplica tanto aos movimentos progressistas como os conservadores, etc., por isso, se você pensa “eles são assim mesmo”, é provável que em algum nível, você já foi afetado por esse mecanismo de sugestionamento. Não precisamos cair em paranoia e ficarmos nos policiando o tempo todo, mas, o fato de saber que podemos ser sugestionados dessa forma, já é um começo para duvidar de nossos próprios pressupostos.

Referências

BANDURA, Albert; UNDERWOOD, Bill; FROMSON, Michael E.. Disinhibition of aggression through diffusion of responsibility and dehumanization of victims. Journal Of Personality And Social Psychology, v. 9, p.253-269. 1975. Disponível em: <https://www.uky.edu/~eushe2/Bandura/Bandura1975.pdf>. Acesso em: 29 fev. 2016.

ZIMBARDO, Philip. O Efeito Lúcifer: como pessoas boas se tornam más. Rio de Janeiro: Record, 2012.

Armando de Lima

Armando de Lima

Sou acadêmico do curso de Psicologia e monitor da disciplina de Psicologia Comportamental, do laboratório de Psicologia Experimental, da Universidade do Vale do Itajaí, SC.