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Elucidações para o tratamento do mal de Alzheimer e suas correlações com outras doenças

Louise Bogéa

Mestranda em Neurociências e Biologia Celular pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e servidora pública do Museu da UFPA.

RESUMO

O tratamento do Alzheimer e sua possível cura é ainda um desafio para neurocientistas. Pretende-se com este trabalho reunir os principais resultados já obtidos na tentativa de compreender os processos neurodegenerativos observados na doença, para contribuir com o diagnóstico precoce do mal. Conclui-se que a utilização de iPSC para gerar neurônios em laboratórios represente o futuro da pesquisa na área, devendo ser reforçada para a elucidação das causas e efeitos da desordem, com a possibilidade da descoberta de novas drogas e terapias.

1. INTRODUÇÃO

A desordem de Alzheimer caracteriza-se pela progressiva perda de memória e das funções cognitivas. Partes do cérebro sofrem um processo degenerativo, as células se destroem e as que sobram ficam com a capacidade reduzida. Suas características neuropatológicas incluem o surgimento de tecidos anormais, as chamadas placas senis, que são formadas por proteínas anormais, o peptídeo beta-amilóide, capaz de produzir moléculas tóxicas ao redor dos neurônios.

O Alzheimer é a forma mais comum de demência, afetando atualmente mais de 37 milhões de pessoas no mundo (MOUNT; DOWNTON, 2006; BURNS; ILIFFE, 2009). Estima-se que 44 milhões de pessoas no mundo sofram da doença de Alzheimer ou outras demências, e que, com o envelhecimento da população, este número dobre até o ano de 2030 (SALAMEH et al., 2015).

Sabe-se que a constante prática de atividade física e mental diminui as chances de adquirir Alzheimer, entretanto, as doenças neurodegenerativas como o mal de Alzheimer são multifatoriais por natureza, envolvendo uma combinação genômica, epigenômico e fatores ambientais (JUAN; STEPHEN, 2016), o que dificulta a compreensão de seus mecanismos neuroinflamatórios, processos mutagênicos e possível diagnóstico precoce para um tratamento efetivo.

Há inúmeras tentativas de modulação para retardar ou mesmo bloquear a evolução da doença em animais, e alguns resultados esperançosos levaram a estudos em humanos mas que precisaram ser interrompidos por efeitos colaterais. Constitui-se, assim, um desafio a elucidação dos complexos mecanismos fisiopatológicos que envolvem a perda neuronal seletiva no Alzheimer.

As duas formas de avaliação mais utilizadas para descobrir a doença correspondem à cognitiva e aos exames de tomografia ou de ressonância do cérebro. Uma recente criação em laboratórios brasileiros promete facilitar os estudos dos mecanismos de neuropatologias mediante acesso a um minicérebro (O Dia, 2015): técnica (LANCASTER et al., 2013) a partir do campo de estudo de células-tronco que envolve a reprogramação celular (TAKAHASHI; YAMANAKA, 2006), com resultados mais fidedignos do que cultura de células.

O presente documento intenta contribuir com o entendimento da doença de Alzheimer, a principal causadora de demência no mundo, ao reunir os principais métodos utilizados para o diagnóstico precoce da desordem e possível cura.

2. REVISÃO DE LITERATURA

Trata-se de revisão dos mais recentes estudos e inferências relativas ao diagnóstico do mal de Alzheimer, para a elucidação de novos modos de prevenção e tratamento em prol da inovação tecnológica e científica.

2.1 Alzheimer e a Síndrome de Down

É possível perceber que nas doenças neurodegenerativas há instabilidade cromossômica, deficiência de reparo do DNA e um ciclo celular mais lento. De forma similar ao que acontece na Síndrome de Down, ocorre o sítio frágil cromossômico 6p21 na doença de Alzheimer, com consequente diminuição da atividade dos genes ribossômicos. Já se demonstrou que, indivíduos com síndrome de Down apresentam envelhecimento prematuro e praticamente todos apresentam doença de Alzheimer, clínica e neuropatologicamente confirmada, entre 40 e 50 anos de idade (SMITH, 1999).

Existem curiosas similaridades entre os dois males: as placas senis no cérebro, danificadoras das conexões entre as células neurais, originadas pela proteína amiloide tóxica, codifica-se no cromossomo 21, característico da Síndrome de Down. Tendo em vista que portadores da síndrome têm uma cópia extra do cromossomo 21, eles produzem 1,5 vezes mais proteína precursora amilóide do que um indíviduo normal, o que ocasiona o surgimento precoce das alterações cerebrais típicas do Alzheimer.

Mutações em três genes parecem explicar completamente a patogenia de Alzheimer: o gene da proteína precursora amiloide (APP), o gene da pré-senilina 1 (PS1) e o gene da pré-senilina 2 (PS2) […] O gene APP é talvez o mais importante de todos os genes relacionados à doença Alzheimer de início precoce, localizado no cromossomo 21 e seu papel patogênico têm sido amplamente investigados em função do acúmulo da proteína Aβ em cérebros de pacientes portadores da doença de Alzheimer (BELCAVELLO, 2014).

Porém, pergunta-se para antagonismos pleiotrópicos ao longo da vida de um portador do mal de Alzheimer: os mesmos genes atuam de maneira diversa, sendo que os resultados obtidos diferem em relação aos estágios da demência, com a existência de células que se comportam de forma benéfica e ao mesmo tempo prejudicial durante os mecanismos neurológicos e neuroinflamatórios da desordem (DANSOKHO et al., 2016), o que dificulta o seu diagnóstico e tratamento.

2.2 Diabetes no cérebro

A compreensão dos mecanismos envolvidos no mal de Alzheimer, caracterizado pela degeneração progressiva de memória e das funções cognitivas, pode levar ao seu diagnóstico precoce, tratamento eficaz e possível cura.

Associa-se a causa da morte de neurônios no Alzheimer a partir do surgimento de placas do peptídeo beta-amilóide e de emaranhados neurofibrilares originados pela proteína Tau. Porém, há relação de independência da progressão dessas placas e a desordem, apontando para a possível existência de substâncias mais tóxicas: oligômeros capazes de formar as fibras beta-amilóides.

Evidências para um papel causal da AB na doença de Alzheimer incluem o envolvimento de mutações de APP em alguns casos familiares e a neurotoxicidade de AB em algumas circunstâncias. No entanto, existe pouca correlação entre a extensão da deposição de placas amiloides no cérebro e a gravidade da demência na doença de Alzheimer. Uma explicação para essa disparidade é que os oligômeros solúveis AB, mais do que as placas insolúveis, podem ser o agente tóxico (GREENBERG; AMINOFF, SIMON, 2014).

Supõe-se, assim, que o acúmulo de oligômeros resulte na perda da memória. Os oligômeros são também responsáveis pela perda da sinalização da insulina no cérebro, cujos receptores são proteínas infecciosas chamadas de príons (MCNAY; RECKNAGEL, 2011).

Stanley Prusiner recebeu o prêmio Nobel em 1997, ao afirmar que o Alzheimer seria uma doença infecciosa causada por príons (proteinaceous infectious particle), descoberta pelo pesquisador na década de 60 do século XX (MOREIRA, 2003). Evidências recentes indicam que a PrPc possa desempenhar um papel crítico na patogênese da doença de Alzheimer após a sua identificação enquanto receptor de oligómeros Aβ, sendo que a expressão da PrPc provavelmente seja controlada pelo domínio intracelular amilóide (AICD).

Os dados recentes aqui analisados ​​apontam para dois papéis potenciais para PrPC em Alzheimer: um papel na regulação fisiológica do processamento de APP; e, segundo, um papel na progressão patológica de Alzheimer mediando toxicidade com a ligação de oligômeros Aβ42 […] No entanto, várias questões permanecem sem resposta , incluindo o efeito que a ligação de oligômero Aβ42 faz nas funções de PrPc  […] As interações entre PrPC e APP é crucial para a nossa compreensão da patogênese do Alzheimer e garante urgente uma investigação mais aprofundada (KELLET; HOOPER, 2009).

Os efeitos da insulina já foram bem elucidados em diabéticos, inclui-se aqui que a resistência à insulina sistêmica observada em diabetes tipo 2 esteja relacionada com vários déficits neurais e cognitivos, sendo que a insulina é capaz de proteger as sinapses de ligarem-se a oligômeros e promover as habilidades de aprendizado e memória (MCNAY; RECKNAGEL, 2011). Caso seja confirmado que a resistência à insulina nos neurônios esteja ligada ao surgimento da doença, isso pode ter um impacto enorme no tratamento (GADELHA et al., 2011), já que isto significaria que portadores de Alzheimer sofreriam mecanismos similares a diabetes — mas no cérebro.

O fator obesidade já fora analisado, observando-se que obesos — resistentes à insulina — têm maiores chances de desenvolver o Alzheimer (LUCIANO, 2015). Já se mostrou promissora a administração de insulina via intranasal em portadores de Alzheimer, cuja rota correspondia a áreas do cérebro afetadas pela perda de memória sem entrar na corrente sanguínea, não tendo efeitos metabólicos periféricos (SALAMEH et al., 2015).

A via intranasal, com acesso ao SNC, vem sendo estudada como meio de administração de diversos fármacos: dopamina, indicada para tratamento da doença de Parkinson (CHEMUTURI; DONOVAN, 2006); carbamazepina (GAVINI, 2006), haloperidol (BALBANI, 2006), galantamina enquanto inibidora da acetilcolinesterase usada no tratamento da doença de Alzheimer (LEONARD et al., 2007) e outros, sendo que a indústria farmacêutica intensificou as pesquisas para aprimorar as formulações intranasais, sendo as mais utilizadas: a calcitonina sintética de salmão, os triptanos para alívio da enxaqueca e a insulina (BALBANI, 2007).

2.3 Minicérebros

Há dificuldades para analisar os mecanismos do Alzheimer já que envolve os neurônios, e estudos realizados com animais, por serem modelos limitados a doenças monogenéticas, já se mostraram catastróficos quando testados em humanos, com diferentes efeitos colaterais.

Estudos promissores para o diagnóstico do Alzheimer incluem o exame rápido e não invasivo na camada mais interna da retina formada por neurônios, cujo resultado mostrou um acometimento no fundo do olho dos pacientes (CUNHA et al, 2016); e o fato de que o DNA das mitocôndrias dos neurônios se degenera antes de qualquer outro sinal da doença (PODLESNIY, 2013).

Estudos post mortem têm demonstrado a habilidade das drogas antiinflamatórias não-esteroidais em reduzir a inflamação, porém, estudos clínicos com antiinflamatórios não-esteroidais em pacientes portadores da doença de Alzheimer não têm sido muito satisfatórios, desapontando especialmente quanto ao uso dos inibidores da COX-2 (AISEN, 2002). Outros fatores a serem considerados são que muitos dos participantes do processo inflamatório, como a micróglia e os astrócitos — células fagocíticas de placas beta-amilóides —, podem ter funções tanto neuroprotetoras quanto neurodegenerativas, tornando seus papéis difíceis de serem determinados no processo da doença (DANSOKHO, 2016).

Essa incapacidade de explorar o cérebro de um indivíduo vivo limita em muito nosso conhecimento sobre o avanço de doenças do desenvolvimento e neurodegenerativas. Atualmente, nosso conhecimento sobre os fenótipos celulares relacionados como doenças humanas do SNC é oriundo de tecidos post-mortem, não necessariamente preservados de forma apropriada. Além disso, na grande maioria dos casos, os tecidos representam apenas o estágio final da doença, eliminando a possibilidade de explorar os eventos iniciais responsáveis pela cascata de alterações celulares que leva ao resultado final, seja ele alterações estruturais ou mesmo morte celular (MUOTRI, 2010).

Muotri e sua equipe criaram em laboratório, a partir de células da pele de portadores da síndrome do duplo MECP2 — que causa problemas cognitivos e motores graves —, os chamados minicérebros, para a simulação de efeitos da doença neurológica e descobrir seu possível tratamento (O Dia, 2015).

A técnica foi demonstrada a partir do campo de estudo de células-tronco (LANCASTER et al., 2013). Mas Lancaster não foi a primeira a gerar o minicérebro, em 2008, biólogos japoneses coletaram células-tronco embrionárias de camundongos e de humanos para formar bolas em camadas que lembram um córtex cerebral, o que estimulou o cultivo de células-tronco em órgãos rudimentares desde então, similar a bancos de organóides, com miniaturas de intestino, estômago, rins, fígados e outros (OZONI et al., 2016; MERKLE et al., 2015). Os organóides imitam a estrutura e função de órgãos reais, servindo como modelo de doenças e de plataformas de rastreamento de drogas e podem ser usados para resgatar órgãos danificados. Yoshiki Sasai e sua equipe geraram a parte posterior do olho em um embrião em crescimento (EIRAKU et al., 2011), cultivou camadas de tecidos delicados do cortex cerebral (EIRAKU et al., 2008) e uma glândula pituitária (SUGA, 2011), incluindo o crescimento de um cerebelo (MUGURUMA, 2010).

Outros grupos de pesquisa já criaram minicérebros (CHAMBERS, TCHIEU; STUDER, 2013; VOGEL, 2013; BERSHTEYN, 2013). A versão primitiva do órgão mostrou-se mais aprimorada do que cultura de células, formando naturalmente uma estrutura em camadas – similar à que existe no córtex, a superfície do cérebro, responsável pelo processamento mais sofisticado de informações no sistema nervoso. O processo envolve a reversão das células cutâneas dos pacientes a um estágio similar ao das células-tronco de embriões humanos, para que, em seguida, sejam reprogramadas e transformadas em neurônios. Ainda que rudimentar, é possível simular com precisão o efeito de neuropatologias.

O pesquisador Shinya Yamanaka é pioneiro em estudos referentes à reprogramação celular, esta flexibilidade celular e volta induzida ao estágio embrionário pluripotente foi batizado de iPSC – Induced Pluripotent Stem Cells (TAKAHASHI; YAMANAKA, 2006).

A reprogramação genética consiste no retorno a uma forma mais plástica e potente a partir de uma célula já diferenciada ou especializada. Por exemplo, pode-se usar a célula da pele de um indivíduo adulto e transformá-la numa célula não especializada, indiferenciada e com a capacidade de se dividir indefinitivamente. Essa célula indiferenciada e imortal teria o potencial de se especializar novamente na mesma célula da pele ou em outro tipo celular qualquer, mesmo num neurônio […] consegue-se obter células-tronco embrionárias sob encomenda, usando o mesmo material genético do paciente e evitando uma eventual rejeição em caso de transplante (MUOTRI, 2010).

3. DISCUSSÃO

Apesar das dificuldades no diagnóstico da doença de Alzheimer, percebe-se um cenário de possibilidades para a descoberta de mecanismos capazes de curar sem efeitos colaterais: infinitas células nervosas já podem ser geradas a partir de pacientes vivos e posteriormente estudadas em laboratórios.

A utilização de iPSC para gerar neurônios em laboratórios dá a chance de avaliar as causas e efeitos do Alzheimer, com a possibilidade de encontrar novas drogas e terapias. O método talvez represente o futuro da pesquisa na área, sendo capaz de aprimorá-la e de diminuir os testes em animais, já que os minicérebros permitem o estudo de aspectos do cérebro humano em desenvolvimento que são difíceis de modelar em animais.

Com apenas algumas células da pele, cientistas podem gerar pequenas versões do cérebro que podem promover a investigação do Alzheimer e de outras doenças, incluindo o Autismo, câncer e a Zika.

4. CONCLUSÃO

A avaliação dos efeitos tóxicos pelo estresse oxidativo de oligômeros Aβ42 ligados a sinapses mediante a sua relação com o marcador PRPc precisa ser reforçada, incluindo a sua capacidade de ocasionar mutações no gene APP do cromossomo 21, a partir da simulação da doença de Alzheimer em estágio precoce (fibroblastos de pele de portadores de Síndrome de Down com mais de 40 anos de idade); e a avaliação de danos no DNA mitocondrial (mtDNA) dos neurônios por meio das técnicas de microarranjos de DNA e PCR em tempo real indica ser promissora.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Louise Bogéa

Louise Bogéa

Mestranda em Neurociências e Biologia Celular pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e servidora pública do Museu da UFPA.